Narcotráfico em tempos de Covid-19
As grandes corporações vão engolindo as pequenas empresas, em vez de criar alianças, e possivelmente teremos a dominação por completa dessas grandes corporações do narcotráfico. Isso poderá causar mais mortes pelas disputas de territórios, fragilizados devido aos efeitos da Covid-19.
No dia 24 de maio de 2020, alguns estados brasileiros completaram dois meses de isolamento social em busca da contenção do avanço do novo coronavírus entre seus habitantes. Esse isolamento fez com que diversos setores econômicos, sobretudo o comércio, fechassem as portas. Apenas os serviços considerados essenciais foram autorizados ao funcionamento, tendo todo um controle e uma regulação para isso durante o período de quarentena. Por isso, permanece a questão de como fica o mercado ilegal e sem regulação nesse contexto de pandemia: o narcotráfico.
No Brasil, a grande maioria dos territórios do narcotráfico é dominada por grandes corporações. Dentre elas, duas se destacam, uma de São Paulo e outra do Rio de Janeiro, estas promovem alianças com pequenas organizações locais de diversas regiões do país, dando-as infraestrutura armamentista para proteção e dominação territorial. São nesses territórios que são comercializadas as drogas ilícitas. Entretanto, com o isolamento social, houve uma baixa no consumo e na circulação dessas substâncias, afetando diretamente a economia dessas corporações.
O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) publicou, no dia 13 de maio de 2020, um relatório sobre como a Covid-19 está mudando o mundo e qual o impacto disso no tráfico de drogas. O relatório afirma que mesmo durante a pandemia global, a circulação de cocaína e heroína continua funcionando, porém com baixa demanda. Essas duas substâncias são decorrentes de produções regionais (na América do Sul e no Oriente Médio), tendo sua circulação pelo mundo através de navios cargueiros e aviões. Com a maioria das fronteiras fechadas e a circulação de mercadorias e pessoas restritas, nos portos e aeroportos está havendo uma dificuldade de burlar as seguranças estatais de fiscalização de ilícitos, tanto que foram nesses locais que aconteceram as maiores apreensões de drogas no mundo. Com isso houve um aumento significativo no preço das drogas ilícitas em todo planeta.
O isolamento social dificultou a atuação do narcotráfico até mesmo dentro de esferas locais, ou seja, em países que produzem e consomem a própria droga, como é o caso brasileiro da maconha produzida às margens do Rio São Francisco na região de Cabrobró (PE). A fiscalização policial de ilícitos nessa região teve maior efetividade nos serviços devido à baixa circulação de pessoas e mercadorias, de modo que a quantidade de maconha apreendida e consequentemente destruída também aumentou, deixando assim a droga mais cara. Por essas situações, os produtores de maconha não conseguem mais garantir a qualidade da erva para consumo dos usuários, pois, em muitas ocasiões, precisam fazer a colheita antes do tempo necessário de maturação da erva ou, até mesmo, por ter de armazená-la in natura em locais inapropriados, tudo para burlar a fiscalização e garantir o lucro da safra.
Considerando esse cenário e o fato de que são milhares de pessoas que dependem dessa economia gerada pela venda de drogas ilícitas para sobreviver, fazemos então as seguintes indagações: com a baixa demanda do mercado, quais serão as opções para sobrevivência dessas pessoas num contexto de desemprego crescente a nível global? Será que essas organizações do narcotráfico conseguirão manter seus territórios e rotas de circulação mesmo diante de uma baixa econômica gritante causada pelo baixo consumo de drogas? Será que essas organizações conseguirão manter o salário de todos os funcionários? Ressaltamos que muitas vezes o trabalho nas corporações do narcotráfico não é uma opção para as pessoas, de aceitar ou negar, é uma situação imposta devido à vulnerabilidade social da família que vive nesses territórios dominados.
O cenário mais provável, diante dos fatos ocorridos até o momento, é o mesmo que acontece no mercado legal de qualquer tipo de mercadoria: as grandes corporações vão engolindo as pequenas empresas, em vez de criar alianças, e possivelmente teremos a dominação por completa dessas grandes corporações do narcotráfico. Isso poderá causar mais mortes pelas disputas de territórios, fragilizados devido aos efeitos da Covid-19. Podendo, mais uma vez, sobrar a conta para a população desses territórios, que via de regra são famílias pobres, tendo que sobreviver em meio a uma guerra às drogas ainda mais acirrada, entre narcotraficantes, paramilitares (milicianos) e militares oficiais.
Daniel Bruno Vasconcelos é doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana da Universidade de São Paulo. Membro do Laboratório de Geografia Política e Geopolítica da USP e coordena o Grupo de Trabalho “Geografia e Covid-19”
Arte de Dayse Gomis é licenciada em Educação Artística com diploma em Arte Plástica pela Universidade Metodista Bennett no Rio de Janeiro. [email protected]