Nas cozinhas do Vieux-Port
Abdou trabalha no mercado “informal”, até 15 horas por dia, fazendo manutenção, lavando louça, limpeza etc. Termina às 2 horas da manhã, quando já não há transporte coletivo. Os 200 francos que seu patrão lhe dá (em espécie) não permitem tomar um táxiDominique Carpentier
Grudados um no outro, os restaurantes do Vieux- Port são a vitrine turística de Marselha. Peixe à provençal (cozido no vinho branco temperado com alho, açafrão, tomate, azeite e alguns temperos mais), sopa de peixe, pasta de alho com azeite excitam os clientes, que se apertam, em número cada vez maior, para visitar o centro velho de Marselha. Ali, este ano, há até quem reclame da escassez de mão-de-obra, embora o desemprego atinja quase 20% da população ativa e a cidade tenha o maior número de pessoas recendo o benefício da renda mínima na França. [1] Esse “déficit” deve estar relacionado às condições de trabalho e à remuneração do pessoal que trabalha em restaurantes.
Abdou, [2] natural das Ilhas Comores, tem como documento apenas um protocolo fornecido pela polícia, com validade por três meses, começa a trabalhar às nove horas. Como ele, há centenas de outros trabalhando no mercado “informal”, até 15 horas por dia, fazendo a manutenção, lavando louça, cuidando da limpeza e vários outras ocupações em lugares insalubres. É bom lembrar que o serviço de saúde pública já denunciou o “estado deplorável de higiene nos restaurantes” [3] marselheses. Abdou faz uma pausa das 15 às 18 horas e depois retoma o trabalho, que só termina pelas duas horas da manhã. A essa hora, já não há transporte coletivo. Os 200 francos (cerca de 50 reais) que seu empregador lhe entrega em espécie, tomando o cuidado de que não haja nenhum comprovante, não lhe permitem tomar um táxi.
Exploração de trabalho ilegal
Mohamed, por seu lado, tem um documento que o autoriza a trabalhar para um ano. Porém, foi vítima de um acidente e seu patrão se recusa fazer a declaração e mandá-lo ao médico do trabalho. O seguro social, por sua vez, recusa-se a pagar seus direitos. Mohamed foi à justiça trabalhista e denunciou o patrão. Isso é absolutamente excepcional, pois a maioria dos trabalhadores comorianos prefere não protestar com medo de perder os vistos de permanência e os empregos.
A direção do Serviço Estadual do Trabalho, [4] assim como a polícia, avalia que não existem “problemas específicos com relação à mão-de-obra comoriana”. Na verdade, só recensearam 2.679 comorianos residindo na região de Bouches-du-Rhône, em 1997. As associações estimam que sejam 40 mil. Além disso, foram aplicadas só 273 multas, durante esse mesmo ano, devido ao trabalho ilegal, quando apenas o setor da restaurantes conta com cerca de 6 mil estabelecimentos.
Alojamentos degradados
No tempo do império colonial francês, os comorianos eram contratados pela marinha mercante para carregar as caldeiras. Depois, com a modernização da frota, foram encarregados da limpeza e da cozinha. No pós-guerra, eles garantiam principalmente o transporte de tropas de Marselha para a Indochina, já que, para os franceses, os “anamitas” [5] não inspiravam muita confiança. Mas é principalmente a partir de 1975, data da independência do arquipélago, que a comunidade comoriana vem em grande número se instalar na França.
Últimos a chegar, serão os últimos a serem atendidos. Embora, na década de 70, as favelas já tivessem desaparecido, o alojamento degradado estava em plena expansão. Primeiro foram para o bairro Panier, onde famílias inteiras ocupam quartos de 10 a 20 metros quadrados. [6] Depois ocuparam também os prédios da Cidade Bellevue, construídos no fim da década de 50, onde o abastecimento de água e eletricidade é anárquico, os depósitos de lixo entupidos e os elevadores quebrados. Na rua Salengro, há famílias enfiadas em porões que têm por única luz um buraco que permite olhar ao nível da calçada.
O direito à moradia
Os comorianos também são numerosos nos bairros de Belsunce e de Noailles, no centro da cidade, onde a oferta de moradia a baixo custo representa menos de 1%. Um pouco mais distante do centro, as 21 famílias comorianas alojadas num antigo hotel mobiliado na rua Bernard, nº 6, decidiram lutar contra os que vivem da exploração do direito que todos têm de ter um teto para dormir. Com o apoio da Associação pelo Direito à Moradia “Raio de Sol”, exigem dos poderes públicos a possibilidade de serem realojados, recusando-se a pagar de 250 à 300 dólares de aluguel por um quarto de 10 metros quadrados, sem água (os banheiros, com um cano à guisa de chuveiro, ficam no corredor), sem aquecimento e sem gás. O proprietário dessas pocilgas é conhecido na cidade: de acordo com uma imobiliária que constrói conjuntos habitacionais para baixa renda, a “Marseille-Habitat”, ele possui 128 apartamentos que lhe rendem 30 mil dólares por mês.
Ao organizarem uma “jornada de portas abertas”, as famílias propõem se expor à luz do dia, decidi