Nem paz, nem segurança
Os israelenses já começam a desconfiar que o homem que elegeram primeiro-ministro é o “velho Ariel Sharon”, e que ele pretende continuar fazendo o que fez ao longo de toda sua vida: batalhas e guerras, destruição e matançaAmnon Kapeliouk
Os cartazes eleitorais do “novo Sharon” — com os dizeres “somente Sharon trará a paz” — que muros de Israel por todo lado, já desapareceram quase todos, arrancados ou apagados pela chuva. Aqui e ali ainda são visíveis, mostrando o retrato de um homem sereno e seguro de si. O pedestre que passa e vê não pode deixar de se perguntar: “E onde está afinal essa paz, tão prometida?”
Nesta primavera que prenuncia um verão sujeito a tempestades, a opinião pública questiona — preocupada, e com razão, com o bombardeio de uma estação de radar Síria instalada no Líbano, no dia 15 de abril — o futuro das relações com os palestinos e os outros países vizinhos. Os israelenses já começam a desconfiar que o homem que elegeram é o “velho Sharon” e que ele pretende continuar fazendo o que fez ao longo de toda sua vida: batalhas e guerras, destruição e matança.
A guerra de 1948 continua…
Ele iniciou sua carreira com o massacre de Kibié, uma aldeia na Cisjordânia onde a unidade que ele comandava detonou as casas junto com seus moradores, provocando 70 mortes (outubro de 1953). Prosseguiu com as execuções sumárias de centenas de pessoas “procuradas”, em Gaza (início da década de 70), e depois com a invasão do Líbano e os massacres de Sabra e Chatila (1982).
O próprio Sharon parece fazer o possível para demonstrar que não mudou. Numa entrevista recente,1 a uma pergunta que lhe foi feita sobre o futuro das relações com os árabes, mas na forma de um versículo do Livro de Samuel, da Bíblia — “Continuará a espada devorando?” —, ele respondeu com desdém: “Um povo normal não faz esse tipo de pergunta.” E o jornalista continuou: “O senhor não pretende ser um De Gaulle israelense?” Resposta: “Com que objetivo? O problema não está em assinar um papelzinho qualquer. Eu posso lhe dar um em uma semana. E isso vai levar onde? A lugar algum.” E afirmou que a guerra da independência de Israel, começada em 1948, continua…
Rejeição ao Estado palestino
Ariel Sharon quer trazer para o país um milhão de judeus em 12 anos, desenvolver o Neguev e a Galiléia, e reinstituir o ensino dos valores sionistas
Ariel Sharon define três objetivos para o povo de Israel: trazer para o país um milhão de judeus em 12 anos, desenvolver o deserto do Neguev (Sul de Israel) e a Galiléia, e reinstituir o ensino dos valores sionistas. A paz não está entre as suas prioridades. E explica: “Não acho que seja o caso de querermos um objetivo tão pretensioso. Podemos contentar-nos com um acordo de não-beligerância por um prazo longo, indeterminado.” Uma Esparta dos tempos modernos, eis o que o general Sharon deseja para seu país. Pelo menos, tem o mérito da franqueza.
Sharon gostaria de transportar Israel ao período que antecedeu os acordos de Oslo (1993), quando a paz não estava na ordem do dia e o esforço prioritário era o de colonizar os territórios ocupados. Ele já frisou que se opõe à demolição de toda e qualquer colônia, por mais distante que ela seja. Para ele, todas têm “uma enorme importância para a defesa nacional”.
Sharon rejeita a criação de um Estado viável ao lado do Estado de Israel. A direção palestina aceitou, ao assinar os acordos de Oslo, um compromisso doloroso, contentando-se em ficar com cerca de 22% do território da Palestina histórica (a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, ocupadas por Israel em 1967). Sharon aceitaria dar-lhes cerca de 40% dessa área, e desde que fossem “ilhotas” separadas, interligadas por túneis. Israel continuaria com o controle sobre Jerusalém e o Vale do Jordão, região onde o futuro Estado palestino poderia absorver grande número de refugiados. E o controle das fronteiras externas permaneceria nas mãos de israelenses.
Arafat, o “chefe terrorista”
A paz não está entre as suas prioridades. “Não acho que seja o caso de querermos um objetivo tão pretensioso”, diz o primeiro- ministro
Para chegar a esses objetivos, o primeiro-ministro tem plano, em duas etapas. A primeira, seqüência da política de seu antecessor, Ehud Barak, resumiu da seguinte forma: “Ataques militares contra Arafat para o enfraquecer e diminuir seu prestígio jun to a seu povo.”2 Não se trata de realizar ataques espetaculares, que poderiam ser contraproducentes e provocar críticas no cenário internacional. É um plano que vem sendo realizado diariamente: destruição de posições e bases das forças palestinas através de tiros de blindados ou de tanques; um atirador de elite assassinando um militar ou um ativista da Autoridade Palestina ou do Fatah, coluna vertebral do regime; derrubada de dezenas de casas num campo de refugiados, em Gaza; devastação de campos de cultivo, derrubada de árvores e, naturalmente, bloqueio do acesso a cidades e aldeias, o que torna a vida cotidiana insuportável. A imaginação destruidora não tem limites… Sharon disse aos militares: “Não se trata de falar, mas de agir. Todos os dias.”
Paralelamente, vem se desenvolvendo uma campanha de propaganda odiosa contra Yasser Arafat, com o objetivo de o desacreditar e de minar a sua legitimidade. Essa campanha teve início após a recusa, por parte de Arafat, de concordar com as ordens que lhe foram dadas em Camp David, em julho de 2000.3 Sharon referiu-se a Arafat como “chefe terrorista”. Os ministros extremistas — há vários deles, no governo de Sharon — conclamam abertamente à “liquidação de Arafat”. Outros propõem impedir o acesso do líder palestino às zonas autônomas. Há várias semanas, ele deixou de ter o direito de utilizar seu helicóptero pessoal e vem sendo obrigado a utilizar o do rei Abdallah, da Jordânia.
A tentação do uso da força
Sharon opõe-se à demolição de toda e qualquer colônia existente. Para ele, todas têm “uma enorme importância para a defesa nacional”
Em novembro de 2000, Sharon revelou o que pensava sobre Arafat: “um assassino, um mentiroso e um inimigo cruel”. E acrescentou que “a idéia de alcançar a paz com os palestinos é absurda”. Suas opiniões foram publicadas cerca de dez dias antes das eleições4 e Sharon não as desmentiu.
A segunda etapa do plano Sharon virá quando a Autoridade Palestina estiver à beira do colapso. É aí que Sharon irá impor a Arafat, ou a seu sucessor, o acordo de longo prazo com que sonha. A quem discorda, ele responde: “Os palestinos não terão alternativa, enquanto eu for primeiro-ministro de Israel.” Sharon sempre diz que o mundo pode ser refeito pela força. Em 1982, por ocasião da invasão do Líbano, ele queria aniquilar a OLP e criar, nos territórios ocupados, uma liderança de colaboradores (as “Ligas das aldeias”). Essa estratégia fracassou completamente, Arafat voltou do exílio e tornou-se o líder da Autoridade Palestina. Mas, uma vez mais, o mesmo Sharon volta a tentar soluções de força.
Sociedade unida contra a paz
A primeira etapa de seu plano consiste em “ataques militares contra Arafat para o enfraquecer e diminuir seu prestígio jun to a seu povo”
Para concretizar seu plano, Sharon deve levar em consideração vários fatores: o cenário político interno, a Europa, o mundo árabe e, por fim, o amigo norte-americano. A maioria dos israelenses apóia seu primeiro-ministro. Segundo uma pesquisa, 63% das pessoas entrevistadas estão convencidas de que não é possível um acordo de paz com os palestinos. A própria oposição de esquerda — o Meretz — mostra-se leal e seu dirigente Yossi Sarid não se cansa de lembrar “o erro de Arafat”, que teria recusado propostas generosas em Camp David. Essa posição — que foi defendida por Barak — é a da quase totalidade dos dirigentes políticos e intelectuais.
No entanto, um dos comentaristas políticos mais respeitados de Israel, Shimon Schiffer, do jornal Yedioth Aharonoth, que acompanhou Ehud Barak em todas as suas viagens e conhece os bastidores de sua política, revelou que o ex-primeiro-ministro teria deteriorado de forma irreversível o processo de paz, deixando atrás de si uma esteira de “terra queimada”. Além disso, teria criado entre os israelenses o sentimento de que os palestinos são “extremistas que só querem o confronto”. A política de Barak teria conseguido unir a sociedade israelense contra uma paz real com os palestinos.
Aliviando o peso das críticas
No dia 28 de setembro de 2000, Sharon realizaria a visita de provocação à Esplanada das Mesquitas. A partir do dia seguinte, centenas de policiais atiraram, com balas de verdade, sobre jovens palestinos que protestavam jogando pedras: 14 mortos e 500 feridos em dois dias… Começava a Intifada…
Sharon saiu em busca de um “trunfo” em seu governo — o mais famoso chamava-se Shimon Peres. Passou a utilizá-lo no cenário internacional, poupando-se de reuniões com dirigentes estrangeiros. Peres cumpriu a tarefa com êxito. Quem ousaria criticar um Prêmio Nobel da Paz? No entanto, dentro de Israel surgem críticas ao fato de Peres estar a serviço da política de Sharon, aliviando o peso das críticas e receios de que esta é objeto no exterior. Estaria ele tentando prolongar sua vida política ou tentando evitar que Sharon tomasse decisões catastróficas? Ele pode, evidentemente, renunciar a qualquer momento — para evitar um desgaste excessivo —, mas Sharon já antecipa a resposta: “Por mim, tudo bem se Peres renunciar…”
As “vítimas definitivas”
Sharon referiu-se a Arafat como “chefe terrorista”. Os ministros extremistas — há vários deles — conclamam abertamente à “liquidação de Arafat”
Apesar do contexto favorável a Sharon, o moral da população israelense está muito baixo. Foram convocadas forças para ajudar nos pontos nevrálgicos dos conflitos. Enquanto no Sul do Líbano as tropas israelenses eram compostas somente de jovens cumprindo o serviço militar e soldados profissionais, na Cisjordânia e na Faixa de Gaza foram convocados reservistas. No caso do Líbano, um movimento de mães de soldados exigia que seus “filhos” saíssem do atoleiro do Norte. Hoje são os próprios reservistas que lideram os protestos. Dezenas de milhares de assalariados sofrem financeiramente com esta convocação militar; inúmeros estudantes se sentem prejudicados, enquanto dezenas de milhares de alunos das escolas judaicas — isentos do serviço militar — ainda recebem uma ajuda do governo para estudar a Torá. Porém, é uma minoria pequena que coloca as questões políticas: “Não compreendemos por que razão devemos servir nos territórios, arriscando nossas vidas. Para qualquer pessoa que chegue aos territórios, especialmente na Faixa de Gaza, é incompreensível a lógica perversa que levou a construir colônias em pleno território palestino, quando é perfeitamente claro para todo mundo que esse território jamais fará parte do Estado de Israel.5
No plano externo, Sharon não teme os europeus, que ele chama de “covardes”. Joga com seu sentimento de culpa, cuja origem se situa no genocídio dos judeus durante a II Guerra Mundial. Como constata, com tristeza, Shulamith Aloni, ex-ministra e militante pacifista: “Jamais seremos levados perante um tribunal internacional porque somos judeus, e os europeus e os cristãos têm sentimentos de culpa com relação a nós. Somos as vítimas definitivas, e enquanto tais, podemos permitir-nos qualquer coisa.”
Uma lição para meditar
Em novembro de 2000, Ariel Sharon revelou que “a idéia de alcançar a paz com os palestinos é absurda”. Sua opinião foi publicada e ele não a desmentiu
Com relação ao mundo árabe, Sharon só se preocupa com as reações por parte da Jordânia e do Egito. Um golpe demasiado forte na Autoridade Palestina obrigaria esses dois países a reverem suas relações com Israel — fosse por um período curto ou longo —, o que representaria um atraso de 25 anos.
Sobram os Estados Unidos, que ninguém pode ignorar. O presidente George W. Bush e o seu governo dedicam-se de forma obsessiva ao problema iraquiano e, portanto, tentam evitar atritos com os países árabes moderados, atritos que poderiam comprometer ainda mais a coalizão hostil ao presidente Saddam Hussein. O que significa que eles não podem deixar Israel de mãos livres para enfrentar o problema palestino. Uma parada demasiado perigosa para deixar os protagonistas agirem sozinhos. Mais ainda por ser conhecido o anti-americanismo de Ariel Sharon: quando era ministro das Relações Exteriores, chegou a afirmar, referindo-se ao Kosovo: “Israel não deve legitimar a intervenção agressora da Otan, com os Estados Unidos à frente, [pois] poderá ser a próxima vítima desse tipo de ação.”6
Por ocasião de seu encontro na Casa Branca, a 20 de março de 2001, Sharon prometeu ao presidente Bush não “surpreender”, ou seja, não tomar qualquer iniciativa importante sem o consultar. Isso funcionou até a operação lançada pelo exército israelense em Gaza, no dia 17 de abril, e as declarações de um general, segundo o qual “caso seja necessário, ficaremos aqui dias, semanas ou meses”. Essa violação flagrante das fronteiras da Zona A provocou a ira dos dirigentes da Casa Branca. Com dois telefonemas a Ariel Sharon, as forças israelenses retiraram-se imediatamente. Com sua intervenção, George W. Bush e Colin Powell mostraram a Sharon que a opção militar contra os palestinos somente pode ocorrer num contexto diplomático restrito. Uma lição sobre a qual o novo primeiro-ministro deveria meditar…
(Trad. Jô Amado)
1 – Ao suplemento semanal do jornal Haaretz, 13 de abril de 2001.
2 – Yedioth Aharonoth, 13 de abril de 2001.
3 – Ver o mapa, com as propostas israelenses, publ