Nem tão heróis assim: como a Disney equilibra o nível mental entre adultos e adolescentes
A infantilização da cultura de massa vem do processo de americanização do mundo. Desde os anos 1970, pelo menos, as crianças tem mais conhecimento sobre os personagens da Disney que dos heróis nacionais.
A indústria do cinema vem batendo recorde atrás de recorde nos últimos anos por um motivo muito simples: os filmes e acessórios que tinham como alvo os adolescentes, hoje são também consumidos por adultos. Isso se dá pelo fato de os adolescentes de outrora terem crescido em um mundo bombardeado por essa indústria nas mais diversas telas que carregam como partes inseparáveis de seus corpos.
Adolescente: consumidor caseiro
Mas tudo começou com Walt Disney quando o empreendedor, em 1934, decidiu lançar um longa metragem de Branca de neve e os sete anões. Este foi o primeiro filme que, além de ser um sucesso de bilheteria, promoveu vendas em outras mídias como, por exemplo, discos de sua trilha sonora. Os personagens licenciados da Disney ganharam vida longa primeiro como brinquedos e depois como atrações de parques temáticos. Muitos acreditaram que era uma “loucura de Disney”, mas ao longo da história de Hollywood todos perceberam que se estava inaugurando uma nova configuração do cinema.
Até os anos 2000, o lucro dos estúdios era proveniente do entretenimento doméstico. Em 2003, por exemplo, “eles acabaram pagando mais para chamar a atenção do público potencial para a próxima estreia e para fornecer cópias aos cinemas do que a soma que recuperaram com a venda dos ingressos”.1
Os estúdios, no entanto, escondem os prejuízos que levam porque o prestígio que adquiriram vem justamente desses filmes e não dos seus negócios mais lucrativos como as vendas para TV e os parques temáticos.
Disney estava certo. Até os anos 2000, as crianças e os adolescentes davam pujança ao entretenimento doméstico. Esses consumidores cresceram (e saíram de casa) e os estúdios os amarraram, atualizando, nas telas de cinema, o que se via na infância. Lucra-se com a nostalgia. Assim, a Disney, por exemplo, fatura várias vezes com seu acervo licenciado.
A Disney é também proprietária dos estúdios Marvel cujos filmes vem batendo recordes de bilheterias. Os filmes continuam tendo como alvo as crianças e os adolescentes, contudo, com a infantilização da cultura de massas e o acesso a um conteúdo mais maduro por crianças e adolescentes (principalmente com as séries da Netflix), o nível mental do público (adultos e crianças) são nivelados.
O cinema global é sem dúvida fragmentado. “Os desenhos animados não se reduzem mais a seu público infantil, mas se dirigem aos adultos”2, dizem Gilles Lipovetsky e Jean Serroy. “Dos 8 aos 80” foi a frase usada por um produtor americano (Wangler) que, segundo Jean Bernardet, consiste no fato de que um “filme deve conter ingredientes suscetíveis de agradar ao público dos 8 aos 80 anos”.3 A questão é que hoje esses ingredientes não são tão adversos assim, e a fórmula do entretenimento para atrair um público amplo que atinge as diversas faixas etárias (“8 aos 80”) está cada vez mais fácil de ser produzida pelos estúdios.
O império Disney assume a dianteira por ter sido o primeiro a apostar no público adolescente. Agora ele comprou a FOX que também possui diversos títulos que atraem o público adolescente, como X-Men, os Simpsons etc.. Será que as cinco gigantes do entretenimento – Disney, Warner, Universal, Sony e Viacom (podemos inserir a Lionsgate?) – pensam que não seguir o caminho lucrativo determinado pela Disney seria um risco? Uma narrativa mais complexa, que não conta a história de alguém fantasiado batendo em um vilão ou de um adolescente inspirado em um livro juvenil tornou-se uma aventura financeira arriscada? Vivemos em um tempo em que os filmes para adultos tornaram-se filme B. Será que ficaremos submetidos a um discurso cinematográfico infantil que enfeitiça a todos por meio de imagens sobrenaturais feitas por computador? Quando esse tempo irá passar?
A velha história nova: a americanização do mundo
Essa infantilização da cultura de massa vem do processo de americanização do mundo. Desde os anos 1970, pelo menos, as crianças tem mais conhecimento sobre os personagens da Disney que dos heróis nacionais.
Em 1917 (ano da Revolução Russa) os estúdios de Hollywood convenceram o governo federal dos EUA de que os filmes seriam fundamentais para vender a imagem do país para o mundo. O presidente Woodrow Wilson chegou a concluir que o cinema havia alcançado “a categoria de mais alto meio de disseminação da inteligência pública [e] presta significativamente para a apresentação dos planos e propósitos do país”.4
Por isso, “seria falso afirmar que Walt Disney é um mero comerciante”.5 O primeiro Vingadores trata-se de Nova York. Além disso, por mais que haja, aparentemente, uma igualdade entre os heróis (buscou-se até dar protagonismo a um herói negro e a uma heroína com filmes solos), o Capitão América é o líder, capaz de levantar o martelo de um deus da mitologia escandinava e salvar todo o universo.
Vivemos sob o império de uma indústria do entretenimento que se resume a infantilização e americanização de jovens e adultos. Os mais afetados são as camadas populares que se quiserem ir ao cinema só têm como atração esse tipo de conteúdo (com base nos cinemas de Campo Grande e Bangu, Zona Oeste do Rio de Janeiro, que exibem cerca de 70% a 80% do seu catálogo esse tipo de filme). O que faz jus ao conceito de cultura de massa.
1 EPSTEIN, E. J. O grande filme: dinheiro e poder em Hollywood. São Paulo: Summus, 2008. P. 27.
2 LIPOVETSKY, Gilles & SERROY, Jean. A Tela Global: mídias culturais e cinema na era hipermoderna. Ed. Sulina, Porto Alegre: 2009. p. 17.
3 BERNARDET, Jean. O que é cinema? Rio de Janeiro: Brasiliense, 1990. p. 62.
4 EPSTEIN, op. Cit. P. 93.
5 DORFMAN, A e MATTELART, A. Para ler o Pato Donald: comunicação de massa e colonialismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2010. P. 13.