Nenhum passo à frente, vários passos atrás
Relatório aponta a desorganização da escola democrática em Porto Alegre na gestão Marchezan e pergunta: até quando o tecnicismo substituirá o humano?
A organização do Relatório
Entre março e abril de 2018, no exercício de seu papel fiscalizador, o Vereador Prof. Alex Fraga (PSOL) visitou todas as 56 escolas da rede de Porto Alegre. Falou com direções e professores sobre condições de trabalho e estrutura física. Seu Relatório sobre as condições precárias das Escolas Municipais de Porto Alegre (disponível em https://bit.ly/2w4UeX0) constata problemas graves e um cenário de degradação. Organizado em quatro partes principais, a primeira descreve o mal uso da burocracia que produz desumanização e perda de eficiência, descrevendo os problemas oriundos de uma informatização irracional, os gargalos criados pela centralização do poder decisório e a imposição de diretrizes que tem como consequência o corte dos canais de diálogo entre administração e rede de ensino.
No capítulo segundo, o Relatório critica as mudanças administrativas impostas pela SMED ao corpo docente que envolvem o fim da isonomia hora-atividade, cujo efeito é a queda da qualidade do planejamento, e a perda de direitos em relação a atestados médicos. No terceiro capitulo, o Relatório aponta os problemas introduzidos na política de inclusão no município de Porto Alegre e no capitulo quarto, descreve os problemas da estrutura e manutenção das escolas, apontando problemas no controle de pragas, nas salas dos professores e no uso da tecnologia no ambiente escolar.
Com 41 páginas, a análise é comporta os efeitos de um ano de gestão no campo educacional em Porto Alegre e a metodologia de entrevistas oculta os nomes dos depoentes para preservá-los da perseguição da administração. Além disso, fotografias ilustram os argumentos do relatório, e há um mapeamento da metragem das salas dos professores com o objetivo de sustentar a argumentação do capitulo respectivo que mostra a precarização deste espaço.
A informatização que desinforma
Entre as primeiras conclusões, o Relatório aponta que no período de um ano a SMED substituiu a reunião presencial da administração com as direções das escolas, onde a cada escola saia com uma resposta para seus problemas, por um processo de informatização, através do Sistema SEI, que teve como feito reduzir o feedback às escolas. Fim do debate “cara a cara”, agora a solução é dada por um sistema computadorizado via e-mail “`No caso de uso de e-mail para fazer solicitações, é comum a queixa de que as mensagens enviadas a SMED não costumam ser sequer respondidas”.
A constatação vem a corroborar as teses do sociólogo Vincent de Gaulejac Gestão como doença social (Editora Ideias e Letras, 2007) para quem o poder da ideologia gerencialista se exerce pela obsessão do uso irracional de ferramentas de administração computadorizadas. E, por esta razão, no entender de Gaulejac, a introdução de ferramentas de gerenciamento tem sempre efeito contrário ao prometido, exatamente como no caso da SMED. Ao invés de diminuir o tempo para a solução dos problemas, o Relatório constata que as novas ferramentas só aumentaram os problemas das escolas: a burocratização parece no aumento da insistência com que direções tem de se dirigir a SMED para obter solução de pedidos, ou o fato de que na prática, as direções são transferidas de setor em setor da SMED porque nenhum dos atendentes sabe quem está cuidando das demandas das escolas.
O Relatório também aponta que ocorreu uma redistribuição de poder entre os setores da SMED que trouxe prejuízo a rotina das escolas. O poder ficou concentrado, afirma o documento, no setor pedagógico, as custas de um esvaziamento do setor de RH e Administrativo. Pior, esse setor passou por redução de servidores, agravando o problema. Nessa redistribuição de poder, as escolas perdem autonomia, como no caso na determinação da SMED de que as matriculas de novos alunos sejam feitas no setor de Ajustamento de Vagas e não nas escolas.
Autoritarismo de gestão
O Relatório critica a posição autoritária adotada pela SMED. Não há diálogo entre as escolas e a Secretaria mas somente imposição de normas. A escola manda e–mails com orientações, que não são esclarecidos pela Secretaria e nem possuem espaço de negociação. Em caso de recusa ao cumprimento, a SMED comunica punições. Além disso, ao deixar de realizar reuniões periódicas com as direções das escolas, a SMED encerrou a construção democrática do processo de ensino, substituindo-a por reuniões que tem como objetivo apenas impor as novas regras do jogo.
Além disso, a SMED encastelou-se na sede centro. Não há visitas as escolas nem pelo secretário e nem por seu subordinado. Para o Relatório “todos esses pontos indicam um progressivo movimento de desumanização de processos e de destruição de vias de diálogo, que atentam contra a gestão democrática de ensino. A política atual nega às escolas o direito à participação e a construção dialogada dos procedimentos administrativos“.
O relatório constatou a violação da obrigatoriedade legal pelo Prefeito de 1/3 da carga horária do professor ser dedicada à atividades extra aula e que envolvem preparação de aulas, encontros com pais e reuniões pedagógicas. Segundo o relatório uma determinação produziu “a quebra da isonomia entre professores concursados do município, já que a nova determinação cria um contexto em que apenas os que lecionam dois turnos ao dia tem o direito de realizar sua hora atividade fora da escola”. Segundo o Relatório, os demais professores que possuem 40 horas na mesma escola, porém, no turno da manhã e da noite, perdem esse direito e os professores que possuem 40 horas divididas em duas escolas também, assim como os professores de 30 e 20 horas”. O efeito foi que a administração retirou de 75% do corpo dos professores municipais um direito garantido em lei.
A situação foi objeto de denúncia de representantes do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), dos professores e diretores de escolas do município e do legislativo denunciaram, no dia 27 de abril, à promotora de Educação do Ministério Público Estadual (MP), Danielle Bolzan Teixeira, as imposições da Secretaria Municipal de Educação (Smed) na gestão de Recursos Humanos das escolas. A promotora do encontro foi a vereadora por Sofia Cavedon (PT) para quem “há um engessamento dos horários dos alunos/as e professores/as, que impede a organização de cada escola conforme as suas peculiaridades, além das diversas alterações no ponto dos professores/as, que demandam grandes dificuldades para as direções”, disse ela sobre o que viu em visitas às escolas, conforme noticiado pelo Jornal Sul21 (leia a matéria em https://bit.ly/2Ft4cBe)
Prefeito impõe obrigações, mas não oferece contrapartidas
O Relatório fez questão de cruzar a determinação de extinção da hora atividade com a disponibilidade de estrutura para os professores nas escolas e encontrou uma notável contradição: apesar de estabelecer a obrigatoriedade para o professor preparar suas aulas na escola, o governo não oferece estrutura, mesas, livros ou quais outros recursos necessários para isso, como computadores ou programas. Para o Relatório, o governo revela que desconhece a realidade, pois impõe uma medida para incentivar a fixação do professor na escola quano somente 1/3 tem vínculo, tornando a medida incompatível com todos os demais.
O governo obriga a ficar na escola, mas não tem o mínimo para que o professor possa planejar suas aulas. Não há wifi na maioria das escolas, e sequer uma biblioteca específica para os professores, obrigando os próprios a levarem seu material de estudo. As novas resoluções transformam a Sala dos Professores de espaço de convivência para espaço de planejamento e transformam a sala dos professores em sala de estudos, o que implica no fim do fluxo de alunos, pais e professores, isto é, a exclusão da comunidade escolar da escola. Andreia da Silva e Antonio Lisboa em “Condições do trabalho escolar: desafios para os sistemas municipais de ensino” (disponível em https://bit.ly/2rbtaQg) afirma que as reformas administrativas, ao reorganizarem os sistemas de ensino com base no modelo público-gerencial, afetam o trabalho escolar e frequentemente, desconsideram as condições de trabalho de alunos e professores.
O discurso de Marchezan, aponta o Relatório, é contraditório. Afirma que as contas são deficitárias e que o caixa está quebrado mas põe fim as Hora-Atividade Fora da Escola, que desonera o sistema. Com as HAFE quem paga os custos do preparo da aula fora da escola é o professor: ele usa sua biblioteca pessoal, seu computador, sua internet, prepara suas refeições e esse trabalho não custa para escola, que, como afirma o Relatório “deixa de utilizar água e energia elétrica da escola”. Com a retirada da HAFE, o prejuízo é duplo, para a escola e professores, pois “obriga os professores a cumprirem seu horário na escola, e terem ainda de planejar em casa” e a SMED a pagar os custos que pretendia reduzir. “É um sistema “burro” em que o profissional é pago para planejar na escola, mas não consegue, o que equivale a ser pago para ficar parado na escola quando poderia estar planejando em um lugar com condições adequadas para isso. Ao obrigá-lo a fazer o retrabalho em casa, a SMED piora sua qualidade de vida e agrava a sobrecarga mental e física dos trabalhadores”, diz o Relatório.
Quer dizer, o fim das HAFES só aumentaram as despesas da escola com material de limpeza, água, luz, impressões, uso e necessidade de manutenção de computadores. A reforma não atingiu o objetivo de fazer os professores planejarem na escola e nem de diminuir os custos da escola, foi justamente o contrário. Isso ocorre porque a escola não tem condições de dar espaço para preparo de aula para todos os professores, ”os espaços são exíguos”, produz-se engessamento da rotina escolar. É a comprovação da tese defendida por Mark Blyth em sua obra ”Austeridade”(Editora Autonomia Literária), para quem a adoção de políticas de austeridade só tem feito ampliar a desigualdade “a austeridade é em primeiro lugar e acima de tudo um problema sócio-político de distribuição e não apenas um problema estritamente econômico de contabilidade social.”, afirma.
Controle para aumentar produtividade
Tudo isso acontece porque a SMED tenta aumentar os resultados do IDBE através do controle da hora atividade do professor pelo ponto eletrônico. Usando o estudo de Julia Bortolini Mocheta, intitulado “O Planejamento como necessidade na prática do professor”, o Relatório justifica a necessidade de amplos recursos para realização do planejamento, o que não é oferecido pelas escolas do município e apenas pelo uso de horas atividade extraclasse, que permitem “ir a bibliotecas, pesquisas filmes, visitar lugares, dentre outras maneiras diversas”. Um dos problemas é que essa obrigação impõe aos professores levarem seus recursos pessoais para a escola, como seus notebooks, mas como são escolas de periferia, temem serem assaltados, o que de fato já ocorreu. Ora, mesmo que os professores usassem a biblioteca da escola para seus estudos, isso não é adequado por que a biblioteca escolar é dos alunos e não podem ser ocupados pelos professores em seu planejamento, defende o estudo.
O que aconteceu com o governo Marchezan? Introduziu novas medias sem conhecer a rotina escolar, sem conhecer suas peculiaridades, esquecendo que o foco de qualquer reforma é melhorar a educação, não o contrário. Segundo o Relatório, a SMED “não visita as escolas nem conhece sua realidade”. O que é então significou o fim da HAFE? O Relatório não chega a aprofundar, mas fica claro que é criado um subterfúgio para obrigar ao professor a entrar em sala de aula, a substituir a aula pelo espaço de planejamento, e com isso, ampliar o número de alunos atendidos pelos professores, incrementando estatísticas escolares. Ora, como o Relatório defende, a única forma de ampliar o atendimento escolar é com o chamamento de concursados, custo que a SMED se recusa a assumir.
O Relatório aponta também outro ataque aos direitos trabalhistas: a imposição de limites de comparecimento a consultas médicas. O imbróglio teve início quando Geisa Camilo Tatsch, Diretora de Recursos Humanos Adjunta da SMED enviou, no dia 23 de novembro de 2017 e-mail onde orientou as direções escolares determinando que só serão aceitos 1 atestado por mês para gestantes, estabelecendo contagem bimestral dos atestados de consulta. Para o Relatório, é suprimido um direito trabalhista amparado na Lei 3268/57 e art. 473 da CLT, que regula o abono de falta mediante apresentação de atestado médico. A nova regra estabelece normas para aceitação de atestado porque o mesmo é necessário para o ajuste do ponto, que passando a ser eletrônico, impõe prazos e faz com que os professores sejam obrigados a recorrer a biometria da Prefeitura no Postão do IAPI, “isso é um ataque grave aos direitos dos trabalhadores”, afirma o Relatório.
Uma gestão desumana
No cotidiano as novas regras impedem o professor de viver. Uma professora que fique gripada, quando tinha direito à HAFE, ela usava essas horas para ir ao médico. Mas com as novas regras, ela só pode apresentar a direção da escola 1 atestado a cada três meses, o que significa que ela só pode ficar gripada uma vez a cada três meses”, porém a gripe é imprevisível”, diz o relatório. A lógica da SMED obriga a servidora, que passou um dia de gripe e outro de recuperação, ter de ir no terceiro dia a o Postão do IAPI para garantir seu abono de falta. “Por essa lógica da SMED, que afirma tentar aumentar a presença dos professores em sala de aula, os alunos da professora ficam 2 dias sem aula, pois elas tendem de atravessar a cidade para se deslocar ao IAPI quando poderia ter o atestado aceito pela SMED”.
Outro ponto do Relatório caracteriza o declínio da política de inclusão da rede municipal de Porto Alegre. Com o desmonte do ensino público estadual e a desvalorização da inclusão das escolas particulares devido a lógica mercadológica que diz que estes atrasam os demais para o vestibular, as escolas municipais que são voltadas a inclusão tornaram –se um dos raros espaços de educação para tais grupos em Porto Alegre.
Isso ocorre porque na rede municipal ocorreu a consolidação do SIR, Sala de Integração de Recursos, que realiza atendimento no turno inverso daquele que o aluno frequenta. Ali são vistas suas necessidades especificas e desenvolvidas ações de educação especial e são atendidos alunos com necessidades especiais, nos termos do Estatuto do Adolescente e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, além do Decreto 7.611, de 17 de novembro de 2011, que dispõe sobre educação especial. Graças a ampliação desse serviço, a SMED ampliou os recursos oriundos do Fundeb, já que cada matrícula vale por duas no campo da educação especial.
A demanda por recursos humanos
O Relatório investigou o estado em que se encontra o SIR e levantou o dado de que ao menos 19 escolas necessitam de mais professores porque há listas de esperas de alunos; 21 escolas necessitam de monitores exclusivos para inclusão e para o atendimento de alunos que não possuem independência e 13 escolas afirmaram a necessidade de mais estagiários para auxiliar no acompanhamento de estudantes. Ora, essas carências não atendidas pela SMED significa uma afronta a meta 4 do Plano Municipal de Educação, aprovado em 2015, que justamente, impunha a SMED ampliar equipes profissionais, garantir nomeação de profissionais de poio a inclusão. No Rio Grande do Sul, lembra o Relatório, a 7ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça do RS, em 16 de dezembro de 2015, determinou ao Estado disponibilizar monitor especial para acompanhar as aulas de um menino autista em Bento Gonçalves e o legislador lembrou que tratar com negligência isto, se a autoridade não for capaz de garantir a oferta do serviço, pode ser imputado crime de responsabilidade.
O relatório finaliza com um capítulo extenso sobre a estrutura física e/ou estado de manutenção dos prédios, pátios e mobiliários de todas as escolas. A constatação é que a SMED falha em dar suporte a manutenção da maioria das escolas, que necessitam serem feitos reparos. Segundo o Relatório, os reparos são solicitados, mas não são atendidos pela SMED obrigando as escolas “a obter pelos seus próprios meios recursos para sanar as deteriorações produzidas pela ação do tempo e pelo uso, bem como contar com a ajuda de familiares e amigos em mutirões de reparos”. Ora, no meu entendimento, isso é outro artificio para produzir economia de recursos a custas da transferência de obrigações que são da SMED para a comunidade escolar.
O Relatório enumera que a SMED tem deixado de realizar pinturas para preservação de estruturas metálicas, o que evita corrosão, o desentupimento de calhas, troca de lâmpadas, colocação de lajotas, consertos de telas, serviços de capina e poda de árvores, reparos em calçadas, remoção de cupins e reposição de telhas entre outros serviços. Em Educação e Poder Legislativo, mostrei que muitas desta demandas de serviços no período 2001-2008 eram encaminhados à SMED através de Pedidos de Providência de vereadores e que eram atendidos; agora, via processo eletrônico, não são atendidos. Porquê? Primeiro porque são insuficientes os servidores da SMED para atender as 56 unidades de ensino: segundo o Portal Transparência, há apenas 1 pedreiro, 1 pintor e 2 marceneiros para toda a secretaria. O Relatório construiu uma tabela para apresentar os servidores relacionados a manutenção em março de 2018 e revelou o total de 47 operários celetistas contra apenas há 2 marceneiros e 3 eletricistas. É muito pouco segundo o Relatório, que critica a secretaria por não ter feito contratos para ampliar seu número, já que as últimas empresas terceirizadas contratadas são para execução de outros serviços. O relatório comprova o fato porque mostra que o Executivo não faz esforço algum para resolver o problema, pois há 38 vagas abertas para pintor, que poderiam originar servidores para atender as escolas. Quando pais passam a executar o serviço de pintura que deveria ser da prefeitura, não temos um caso de enriquecimento ilícito do poder público?
O poder executivo tem-se revelado incompetente para resolver os problemas das escolas, aponta o Relatório. Ele cita a visita a uma escola que tinha uma fossa entupida. O problema, comunicado há uma semana, teve como resposta que o serviço não podia ser feito por falta de material. O relatório aponta que morosidade, falta de material e não atendimento pela SMED são reclamações constantes dos diretores das demais escolas.
Risco escolar
O relatório ponta particularidades que implicam em situação de risco em diversas escolas para alunos e professores.. Há problemas urgentes que precisam serem solucionados e que vão além da troca de lâmpadas quebradas que não são atendidas: há arvores que estão na iminência de cair sobre o prédios das escolas, com troncos de árvores comprometendo espaços; há problemas elétricos que comprometem a rede elétrica de escolas e que precisam serem totalmente refeitos pelo risco de curto circuito; há dutos de cabos de alta tensão que chagam a voltagem de 11 mil volts que estão sob o risco de rompimento, podendo vitimar crianças; há chão de espaços escolares está cedendo devido as chuvas e existência de galerias antigas do esgoto pluvial abaixo do terreno das escolas que estão cedendo; há muitos problemas que afetam a circulação de cadeirantes na escolas, com prejuízos a acessibilidade e há escolas de madeira com assoalho cedendo que tiveram como resposta da solicitação de manutenção “que a escola deve pagar por ela”. Vazamentos de esgoto, desníveis no pátio e situações de risco de choque elétrico para alunos tem-se tornado comum pela precariedade das instalações. Muitas destas instalações foram condenadas pela própria Prefeitura mas o pedido de seu conserto não é atendido pela SMED. E para finalizar, a falta de iluminação noturna e falta de alarmes em 55 escolas municipais prejudica a segurança de alunos e professores.
Entendo que a SMED se desresponsabiliza do sistema de ensino quando quer que as escolas, com a pouca verba que recebem, também arquem com estes custos. A SMED exerce seu poder limitando a concessão de verbas extras, dificultando o atendimento de pedidos pela imposição da morosidade na liberação de recursos, inclusive para necessidades urgentes. Ora, o problema ´e que uma situação grave não está afastada, podendo acontecer acidentes com alunos graves.
E não são apenas acidentes, mas doenças graves. O controle de pragas feita pela SMED nas escolas é deficitário. Há infestação de pombos e ratos nas escolas e suas fezes são corrosivas ao patrimônio, podendo causar doenças graves inclusive, não é incomum, o caso de piolhos. Escolas já tiveram de usar sua verba para contratar especialistas na sua remoção. Pior: segundo o Portal Transparência, não está previsto nenhum contrato de serviço para o exercício de 2018 neste campo.
Tecnologia precária
Mesmo em campos em que o Executivo defende seu avanço como a informática, esta realidade está bem distante das escolas. O relatório constatou equipamentos defasados, máquinas com pouca capacidade e processadores antigos rodando softwares modernos, o que compromete o desempenho. Há muitas escolas que não tem internet nos computadores ou o sinal é ruim, e sequer há wi-fi nas escolas. Há computadores que não funcionam porque estão estragados e outros sem aproveitamento porque não foram instalados. É morosa a solução porque a Procempa é muito exigente com as escolas no momento do chamado, fazendo que cada problema seja objeto de várias visitas dos técnicos “Esse procedimento se repete até mesmo para coisas simples. Todo esse processo é demorado: trabalho e tempo que seriam evitados se os profissionais já fossem preparados para atender problemas rotineiros”.
Das 56 escolas, somente 8 tem internet e dessas 8, o sinal cai frequentemente. Na sala dos professores, a maioria dos computadores não funciona ou não tem internet. É o retrato do caos. Como é possível para professores obrigados a ficar na escolar lançar notas de caderno de chamados, se muitos profissionais dispõem de poucos equipamentos? “Algo que chama (negativamente) a atenção é o fato de haver somente uma pessoa na SMED que cuida da parte digital das escolas. Segundo os relatos das direções é muito difícil contatar essa funcionária pessoalmente, por e-mail ou telefone e porque ela cuida também de outras questões na secretaria, como o ponto eletrônico”. Por esta razão, há louças digitais nas escolas aguardando a nãos instalação.
A conclusão é que o governo assume com o discurso de eficiência, mas na prática engessa as rotinas das escolas, concluindo o Relatório que a era da informação é substituída pelo atraso burocrático. Não apenas as louças digitais estão paradas nas escolas, mas equipamentos doados por tribunais de contas estão sem uso porque a SMED não tomou as providências que ela tem de tomar, como desbloqueios e autorização da Procempa.
Precariedade dos espaços, precariedade da escola
Uma crítica importante constante no Relatório foi quanto as condições das salas dos professores das escolas. Foram medidas as salas e relacionados com os professores e chegou-se a algumas conclusões. Seu tamanho médio é de 37 metros, utilizado por um número médio de 61 professores ao longo do dia, concentrados na maior parte na manhã, o que significa que cada professor teria 0,60m de espaço para ocupar. A situação torna-se surreal ao ver-se professores disputando espaço com mesas e cadeiras, revelando as condições precárias de trabalho nas escolas municipais. Quer dizer, as salas dos professores não dão condições dignas de descanso, convivência e suporte as atividades dos servidores.
O Relatório não aprofunda, em suas conclusões, as razões pelas quais a Prefeitura age assim. Arrisco uma: esse desmonte é etapa necessária para introdução de parcerias público-privadas na educação municipal. Em 19/2/2018, Zero Hora publica “Prefeitura de Porto Alegre faz primeira parceria com escola privada de Ensino Fundamental” onde revela que a Secretaria Municipal da Educação (Smed) define o termo de colaboração assinado com a Pequena Casa da Criança. Ainda que a reportagem afirme que a iniciativa já tenha começado com problemas, entendo que a intenção é introduzir as regras do Marco Regulatório das da Sociedade Civil, lei federal que normatizou a relação entre o setor público e as organizações privadas e prevê novas parcerias para 2019.
A iniciativa é criticada por educadores, para quem devem ser oferecidas vagas no sistema público, enquanto que o Secretário Adriano Naves de Brito defendem que as vagas privadas são mais rápidas e não dependem de concurso. É claro a inteção de economizar recursos sob o disfarce de aumentar a pluralidade da oferta. O problema, segundo os educadores, é que no sistema privado, é mais difícil o controle sobre a qualidade dos processos. Pior, sequer o Conselho Municipal de Educação não foi consultado sobre as mudanças, como afirma sua presidente, Isabel Medeiros:” Não houve consulta prévia nem parecer do conselho sobre esse novo modelo de conveniamento, que fere o Plano Municipal de Educação ao priorizar o aumento das vagas na iniciativa privada, e não na escola pública. É uma política que vai na contramão de tudo que era feito e agora teremos de analisar as condições para esse funcionamento.”
A conclusão do Relatório é que a administração atual está “promovendo um desmonte de tudo que se construiu de positivo nas últimas décadas na educação pública da cidade”. Os instrumentos dessa estratégia passam pela criação de um labirinto burocrático que dificulta a comunicação e a resolução de problemas, a imposição da obrigatoriedade aos professores de planejar suas aulas numa escola sem estrutura para isso, assim como limitar os atestados médicos a um número desumano, coibindo que os trabalhadores fiquem doentes, além de precarizar a solução dos problemas dos portadores de necessidades especiais. O Relatório mostra que a politica educacional em Porto Alegre está sendo contaminada pela gestão, o primado é do econômico sobre o politico-educacional. A politica adotada na educação municipal transforma a educação em serva da economia, perdendo-se nesse processo a construção do comum na escola, como preconiza Antônio Negri. Reformas educacionais com base no gerenciamento, na introdução de rotinas burocráticas degradam as condições de trabalho. O sucesso, que desejam seus administradores, é um valor pervertido porque além da economia que pretende alcançar, antes vem as necessidades e desejos de construir uma educação melhor. Os instrumentos de gestão se apresentam como neutros, mas funcionam ao contrário como canal de uma ideologia gerencialista que promove a adesão a um universo paradoxal onde só existe a ética de resultados.
*Jorge Barcellos é historiador, mestre e doutor em Educação. É licenciado e bacharel em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1989) e Mestre e Doutor em Educação pela Faculdade de Educação/UFRGS(2013). Recebeu a Menção Honrosa do Prêmio José Reis de Divulgação Científica (2006) e o Troféu Expressão da FINEP (2006). É autor de Educação e Poder Legislativo (Aedos Editora, 2014) e O Tribunal de Contas e a Educação Municipal (Editora Fi, 2017). Mantém a coluna Democracia e Politica do Jornal O Estado de Direito.