Neorrurais: os imigrantes da utopia
Os neorrurais parecem estar buscando um rural ampliado pela sua imaginação, no rastro de um símbolo de harmonia, solidariedade e comunidade
Novos rurais ou neorrurais. Os adeptos do neorruralismo. Mais uma tribo pós-moderna? De onde vem esse povo; ou melhor, pra onde vai?
Primeiro vamos olhar a definições de neorrurais e de neorrualismo, que já são objeto de estudos de alguns pesquisadores, muitos deles da área da Geografia.
O geógrafo espanhol Joan Nogué i Font, em um capítulo do livro New Ruralism, define os novos rurais como pessoas – que podem ser tão diversas quanto as atividades a serem realizadas – que saem da cidade e vão para o campo com um projeto de vida alternativo.
Gian Mario Giuliani, sociólogo e professor da UFRJ, mostra que é o/a agricultor/a que, por uma livre escolha, bem precisa e particular, decide não mais morar na cidade e não mais trabalhar em profissões urbanas. Muda para o campo e passa a trabalhar na agricultura ou na criação de animais.
Já para Luciana Trimano, que estudou o tema na Argentina durante sua pesquisa de doutorado em Comunicação Social, o neorruralismo é um tipo de mobilidade populacional e residencial gestada no calor de uma sociedade contemporânea que busca uma maneira diferente de habitar o mundo capitalista. É um deslocamento humano lutando para refazer os rastros da modernidade no imaginário e nas experiências cotidianas, nas quais o vital se sobrepõe ao econômico. Ou seja, é quando a vida se torna mais essencial do que o dinheiro.
Sob o olhar dos geógrafos europeus Roland Loeffler e Ernst Steinicke, o neorruralismo são vários movimentos feitos pela população em direção às montanhas para residir ao longo do ano ou permanentemente, buscando qualidade do meio ambiente e uma diferenciação cultural.
Nicole Eizner, socióloga francesa especializada em questões rurais, analisa o neorruralismo como uma forma de protesto. Um protesto contra o trabalho parcelado, o gigantismo urbano, a degradação das relações sociais, contra a feiura e a uniformidade do ambiente físico das cidades.
Novas ruralidades
O neorruralismo entra no conceito guarda chuva de novas ruralidades. Quem estuda novas ruralidades quer entender as mudanças que acontecem no meio rural contemporâneo. Que são muitas. Uma dela é a pluriatividade da agricultura familiar. Ou seja, a variedade de tarefas que o agricultor/a e sua família passam a assumir nas propriedades. Os agricultores não só cultivam alimentos e cuidam dos animais, mas trabalham fora da propriedade, estudam, administram o negócio, transportam, comercializam. Jornadas múltiplas.
Outro fenômeno das novas ruralidades é o movimento feminista no campo expresso pelo desejo das mulheres de ter seu nome na propriedade e direito a financiamentos, bem como de participar das associações rurais e da vida política. As mulheres rurais reivindicam a saída das cozinhas e dos canteiros ao redor das casas, tomam as motosserra e o trator nas mãos e não querem mais sofrer com o descaso, com a violência doméstica, com o assédio masculino e todas as formas de invisibilidade que assolam o meio rural feminino.
Voltando ao neorruralismo como objeto de estudo das novas ruralidades. O neorruralismo é um tipo de êxodo urbano que ainda não tem o impacto numérico do perverso êxodo rural que esvaziou o campo entre os anos 1960 e 1980 por causa da adoção do sistema agroalimentar convencional que levou milhares de pequenos agricultores a largar ou vender suas terras porque não conseguiam arcar com os custos do pacote fertilizantes+agrotóxicos+monocultura+mecanização+confinamento, nem com a falta secular de incentivo do Estado e de políticas públicas para a agricultura familiar e para a segurança e soberania alimentar.
E desde quando esse povo está migrando das cidades para o meio rural?
A data é imprecisa, mas podemos dizer quando começaram a estudar esse fenômeno. Dois geógrafos norte-americanos, Edward Ullman, na década de 1950, e Brian Berry, nos anos 1970, já estavam de olho na migração urbano rural. Em 1960 e 1970, essa mobilidade aconteceu junto aos movimentos de contracultura, com os hippies. Berry cunhou, inclusive, o conceito de contraurbanização para definir o movimento. Já o geógrafo Laurence Moss criou outro termo: migração de amenidades. No planejamento da propriedade e do uso do solo, o conceito de amenidade é algo que beneficia um local, contribui para sua fruição e aumenta seu valor. O seu livro, escrito com Romella Glorioso, aborda as dimensões ambientais, culturais e espirituais dessa busca de um Shangri-lá contemporâneo.
Já o termo neorruralismo parece ter surgido na França na década de 1960, e qualificado como uma nostalgia pelo rústico pelo Gian Giuliani ou uma imigração da utopia pela Luciana Trimano.
Cabe o termo utopia, pois os neorrurais parecem estar buscando um rural ampliado pela sua imaginação, no rastro de um símbolo de harmonia, solidariedade e comunidade. Que muita gente discorda que existe. Como filha de um produtor rural e pesquisadora da agricultura familiar, sei que existe um real rural das dificuldades. O rural da solidão dos mais velhos que estimulam o êxodo dos jovens na busca de uma vida melhor nas cidades. O rural da chuva que nunca vem, da inundação que acaba com as estradas e da geada que destrói as colheitas e os planos. O rural do desemprego, do agrotóxico, da falta de escolas, de hospitais e da cultura; o rural da desesperança, do adeus no pau de arara, do alcoolismo e da depressão causadas pela falta de reconhecimento, de políticas públicas e de financiamento para manter a dignidade.
Mas não é sobre esse rural que a gente veio falar aqui. É um novo rural que revela outas facetas sem ignorar essas e instiga algumas questões.

O que impulsiona esse novo movimento de colonização? O que esse movimento é capaz de criar no meio rural e na sociedade em geral?
Para todos os autores que estudam o neorruralismo, a busca por melhor qualidade de vida foi o principal motivo para as decisões de imigração das grandes cidades às áreas rurais. Eles saem em busca da natureza, da liberdade de movimento, da manutenção da individualidade em pequenos grupos homogêneos e do encontro com seus iguais. Buscam a sua turma. A sua tribo rural, para remeter ao fenômeno das tribos urbanas estudadas pelo sociólogo Michel Maffesoli.
E, por fim, outra razão quase unânime para os imigrantes da utopia irem para o campo é para escapar dos efeitos sociais da economia capitalista. Que efeitos? Se você não sabe, nunca vai ser um neorrural. Mas entre eles estão o controle sobre o tempo, sobre as horas trabalhadas e sobre os intervalos de descanso e de férias, os salários baixos, as longas jornadas, o assédio ou, na ausência deles, o desemprego, a desilusão de não ter um trabalho ou de ter que fazer qualquer coisa para sobreviver, sem prazer, sem vocação.
Giuliani enfatiza que a vida urbana e industrial construiu redes de condicionamento e de controle social mais fechadas. Nelas, uma suposta autonomia individual se expressa quase exclusivamente pelo desejo de consumo e por atividades de lazer esporádicos. Muitos urbanos trabalham para pagar o lazer dos fins de semana e feriados. Mas não dá para botar mais tempo no seu dia de hoje mesmo e não esperar pelo fim de semana, pelas férias anuais ou pela aposentadoria? Afinal, a vida acontece no hoje; amanhã podemos nem estar mais aqui, como nos relembra dolorosa e diariamente o coronavírus.
Para esse pesquisador da UFRJ, o neorruralismo estende a esfera da individualidade a atividades que não têm objetivos prioritariamente econômicos e cuja finalidade pode ser uma prática prazerosa. Colher acerolas com os filhos, fazer o próprio pão ou o pomar têm a ver com controle do próprio tempo e prazer e podem entrar em outra dimensão para além da obrigação laboral.
Esta dimensão do prazer em fazer e viver no tempo escolhido orienta a escolha de novas atividades, de novas relações sociais, de novas formas de sociabilidade, de lazer e de identificação que ainda persistem no meio rural.
Muitos novos rurais chegam ao campo com informações precisas sobre o impacto da agropecuária sobre o meio ambiente e pensam em cuidar da natureza. São ambientalistas e querem uma agricultura viável, mas também vivível como fala o Giuliani. Não querem viver em um rural degradado, sem águas e sem sombra. Não querem o silêncio sepulcral das propriedades esvaziadas e da monocultura, quebrado pelos sons das motosserras, dos tratores e das colheitadeiras digitais. E aí muitos novos rurais chegam para resgatar práticas de agricultura responsável: orgânica, natural, biodinâmica, permacultura, agrofloresta. Passam a aprender novas técnicas agrícolas e acabam trazendo visibilidade e o comedor para o meio rural através de entrevistas, visitas, turismo rural, vivências escolares, experiências de coleta de alimentos, de ordenha, de coleta de ovos para ensinar para os urbanos de onde vem o leite e as galinhas….
Outra dimensão importante do neorruralismo a ser destacada é a problematização do individualismo que perde protagonismo na roça. Aqui trocam-se receitas, conversas na porta, ovo por banana, trator por roçadeira, bolo por queijo. E não se passa pelo vizinho sem cumprimentar.
O neorruralismo pode ser o resultado de um processo de profundas transformações na cidade e no campo e, longe de ser abordado simplesmente como uma aglomeração de concepções reacionárias da vida social, como mostra Giuliani, pode ajudar na superação dos estereótipos ligados ao meio rural e a seus métodos produtivos. Assim, o fenômeno pode ajudar a promover uma transformação identitária do rural. Em outras palavras, os nerrorurais podem contribuir para mudar a noção de caipira deseducado, atrasado, monótono e desinteressante que se construiu na modernidade e que olhava para as cidades e para o estilo de vida urbano como superior.
O neorruralismo acaba também por promover a visibilidade do rural. Muitos novos rurais em seus sítios orgânicos usam suas redes sociais para divulgar seus trabalhos e mostrar as dificuldades da rotina no campo. Eu acompanho pelo Instagram muitos deles e, junto, lamento a morte da cabra Gilberta durante o parto e a orfandade da cria. Conheço os calos da enxada e as unhas encardidas. Sigo as crianças acompanhando os pais tatuados na roçada dos fins de semana. Acabo sabendo que acabou a época de physalis e começou a do morango. As foices ganham destaque nas redes sociais e revelam um trabalho duro e desafiador, mas também revelam uma inevitável positivação das atividades cotidianas rurais. Sob as lentes dos neorruralismo, a vida no interior nunca foi tão espetacularizada como tem sido.
Uma grande referência desse fenômeno é Li Ziqi, que vive na província rural de Sichuan, na China, e posta vídeos da sua rotina rural no canal do Youtube com o intuito de mostrar de onde vem nossa comida e como viver com menos estresse e ansiedade urbanas. Suas gravações silenciosas e esteticamente perfeitas acabam revelando uma vida idílica que faz a gente pensar: o que estamos mesmo fazendo nas cidades?
Recentemente, vi no Instagram um neorrural mostrando sua foto andando na chuva com seu filho e um post mais ou menos assim: quando a água termina aqui não dá para ligar para o 0800, nem reclamar para companhia de água e saneamento ou no Twitter. Quando a água acaba, as autoridades responsáveis pela manutenção somos nós! Nós temos que encaixar a mangueira que soltou, ver se entupiu a bomba, andar na lama morro acima e na chuva. A responsabilidade está nas nossas mãos. Mas aí ele adiciona: mas que água tem aqui viu?
É o agricultor/a que resolve o problema e, se não sabe como, tem que aprender, flexibilizar, usar a criatividade.
Soberania implica em construção de múltiplos saberes e no fazer com as próprias mãos. E isso o rural oferta. Quem de nós tem água de qualidade na cidade? Quem tem comida na horta e sementes no paiol sem medo da greve de caminhoneiros ou da inflação sobre a cesta básica? E, finalmente, quem tem silêncio e espaço seguro para andar sem máscaras, sem aglomerações e olhando para um céu estrelado no meio da pandemia?
Então, para resumir, o rural promete um mundo melhor. Os novos rurais tendem a aspirar a relações diretas com a natureza, a ciclos produtivos e tempo de trabalho mais longos e menos rígidos, ao prazer de viver, ao ar puro e a tranquilidade, assim como desejam soberania e relações sociais mais profundas.

E como são esses novos habitantes do meio rural?
É preciso mais estudos na área, mas alguns perfis apontam jovens, de classe média e alta. Pertencem, em geral, a famílias de posse que os ajudam no novo empreendimento ou que já têm terras para viver. Por serem de famílias ricas, eles têm experiências prévias de viagens ao exterior e um alto nível de instrução. São os urbanos que estudaram e não querem aplicar o que estudaram. Ou que estão cansados, desiludidos com a vida profissional urbana ou ainda desempregados. São os desaceleradores, os minimalistas, os anticonsumistas, os microrrevolucionários.
Parece que eles estão em diferentes regiões – muitos ainda ao redor de grandes capitais – e vivem, em geral, em extensões de terra de tamanho pequeno ou médio.
São jovens casais. Pais e mães que desejam oferecer uma vida melhor para suas crianças presas nos muros dos condomínios, nas grades da varanda dos apartamentos, impossibilitadas de brincar pelo medo da violência, pela falta de tempo, pela solidão e falta de vizinhos ou de uma comunidade infantil. Crianças sem infância, estáticas na frente de computadores, TVs e telas de celulares.
E se pesquisarmos agora, devem estar chegando no campo os neorrurais impactados pela pandemia. Os imigrantes do Covid-19 que têm medo das aglomerações e anseiam por um jardim. Indivíduos que entenderam que um céu quadrado é opressor e que estão desiludidos com a falta de cooperação urbana que o vírus revela a cada dia.
Os pesquisadores falam de algumas tensões geradas por essa mobilidade e mesmo sem pesquisas mais recentes por aqui, o meu ouvido atento já ouviu algumas reclamações sobre os novos rurais. São acusados de não saberem plantar ou trabalhar na terra; só querem flanar nas terras herdadas da família. São intelectualmente arrogantes e desqualificam o saber local. São reacionários, ou seja, são contra a vida e condições sociais de onde vieram. Viajões. Fogem da realidade. Vão acabar influenciando negativamente o meio rural trazendo mudanças e necessidades urbanas ou pior; enquanto os locais querem o progresso que nunca tiveram – pavimentação de estradas, shoppings e facilidades urbanas para o campo – os novos moradores querem manter o local idílico, mas atrasado.
Para comprovar isso, precisamos de mais estudos. Todos sabemos que a relação nativos/locais versus forasteiros/imigrantes são frequentemente tensas, mas como essa relação é relativamente recente no Brasil, somente pesquisas qualitativas podem revelar o que anda acontecendo nesses encontros.
Os novos rurais de lá e os de cá
No seu estudo, Giuliani comparou neorrurais franceses e brasileiros e confirmou que as motivações de ambos os grupos para assumir um estilo de vida rural permanecem as mesmas. Valorizar o tempo para viver e o espaço cotidiano, tornando-o suportável, desejável, consumível é comum aos dois grupos. Franceses e brasileiros fazem muitos elogios a qualidades da vida rural e definem como degradadas e degradantes as condições de vida nas cidades.
Importante ressaltar o ano da pesquisa, 1990. Depois de 31 anos as coisas estão mudando, mas acho interessante mostrar algumas importantes diferenças que o estudo encontrou entre os novos rurais de lá e de cá. Essas diferenças acontecem em razão de diferentes processos históricos sob os quais a agricultura e a sociedade se desenvolveram nos dois países.
Como em todo o mundo, o desenvolvimento da agropecuária na França reduziu muito a população ocupada no meio rural. Há poucos trabalhadores disponíveis no campo. Então, quem faz o trabalho é a família mesmo. Apesar do aumento crescente da concentração de terras e da desqualificação da agricultura familiar, a França ainda mantém solidamente o caráter familiar da produção e de grupos de agricultores associados que unem terra, trabalho e capital e perfazem cerca de 30% das terras agrícolas no país. Quase metade da população ativa na agricultura familiar francesa é constituída pelos próprios agricultores, cônjuges, seus filhos, e os trabalhadores assalariados ainda são minoria nesse sistema familiar. E o rural, assim como o campesinato, tem passado por um processo de reestruturação e revitalização que inclui desde as preocupações com as condições de trabalho dos agricultores até a valorização das comidas locais, como o queijo camembert e a champanhe. Na verdade, isso tem acontecido em vários países desenvolvidos e por aqui respingam gotas desse fenômeno.
Já no Brasil, quase metade das terras está nas mãos de latifundiários No Centro-Oeste, o tamanho médio dos imóveis rurais é de 339 hectares, contra uma média nacional de 79 hectares. Esses produtores, além de não produzirem comida, mas produtos de exportação, PIB e acumulação de renda, também não trabalham nas propriedades e utilizam, invariavelmente, mão de obra externa. E até mesmo as propriedades pequenas e médias com perfis diversos de agricultura familiar contratam mão de obra assalariada. E como falei acima, o país sempre valorizou mesmo é a monocultura e o agronegócio. A agricultura familiar sofre há 520 anos com a desqualificação secular do meio rural e desse sistema que, surpreendentemente, produz a comida do brasileiro.
Então, para Giuliani, diferentes dos europeus que vão (ou iam) ao campo reproduzindo o modelo de produção familiar, os novos rurais daqui vão (ou iam) ao campo reproduzindo o modelo de produção do agronegócio patronal. Ou seja, levam junto a secular racionalidade escravocrata patrão-empregado.
Os neorrurais verde e amarelos pesquisados por Giuliani guardam uma parte do capital para sustentar a sua produção durante o período inicial, durante o qual ainda não se gera retorno. Através do acesso a publicações e viagens conhecem produtos novos, apreciam seu consumo e avaliam a possibilidade de fazer isso no Brasil. Seu alto grau de instrução os coloca em condições de se prepararem tecnicamente para uma atividade nunca exercida. Fazem cursos ou conversam com técnicos especialistas, mantêm correspondência com outros produtores nacionais ou estrangeiros. Mas não sabem produzir sozinhos. Precisam do expertise de agricultores e da experiência dos empregados rurais. E nesse mundo idílico, os empregados parecem ser o único e verdadeiro problema que os novos-rurais enfrentam. Na pesquisa de Giuliani todos eles afirmavam que “seus trabalhadores resistem em adotar as novas técnicas ou que não têm cultura suficiente para assimilá-las. Além disso, para os patrões os empregados nunca demonstram ter a paciência e a determinação indispensáveis para enfrentar as constantes dificuldades, problemas e imprevistos”.

A partir dessa diferença, Giuliani termina seu artigo denunciando que não há nada de novo nas considerações que os novos-rurais fazem a respeito de seus trabalhadores. Pelo menos em 1991. Para o sociólogo, “eles simplesmente reproduzem a arcaica e surrada ideologia burguesa que faz de conta que o que é bom para os empresários deve ser bom para toda a sociedade. Com um agravante: ainda exigem de seus trabalhadores uma racionalidade urbana na organização do trabalho e no processo produtivo, sob condições rurais tradicionais quando se trata de salário, moradia ou jornada de trabalho. Não compreendem por que os problemas que eles teriam superado, ainda estaria ofuscando a mente de seus trabalhadores”.
E hoje? Como anda a racionalidade dos novos rurais brasileiros? Será que no plano social nossos novos agricultores estão contribuindo para alguma mudança? Estão promovendo uma verdadeira “reterritorialização”? Sua inserção no campo está, de alguma maneira, mudando as formas de comportamento social e de relações laborais? Sua organização da produção e da vida cotidiana configuram modelos alternativos que contestam, ao mesmo tempo, a sufocante vida urbana e o tradicionalismo estagnante da vida rural? E a secular sombra da escravidão imposta sobre os trabalhadores rurais? Será que os neorrurais de hoje pensam que o território (local) de sua inserção deve ser objeto de reflexão e de ação, no sentido de estender as preocupações sociais do trabalho que os levaram a escolher o campo em lugar da cidade? Eles têm consciência de serem potencialmente veículos de uma nova moral social produtiva e associativa? Eles pensam no seu papel de mudar as desigualdades sociais do país? De promover micro reformas agrárias trocando expertise por terras?
Se essas perguntas forem levadas aos neorrurais e respondidas com responsabilidade, o neorruralismo pode ser uma oportunidade de microrrevolução no campo. Embora ainda minoritário, os neorrurais são uma parcela populacional que têm um grande potencial transformador do meio rural. Uma voz mais estridente para exigir a adoção de políticas de acesso a terras e de bem estar social para a agricultura familiar, além de um desenvolvimento rural social e ambientalmente sustentável e uma economia rural mais solidária.
Elaine de Azevedo é nutricionista e socióloga, professora da Universidade Federal do Espirito Santo e autora do livro Alimentos orgânicos, do podcast Panela de Impressão e da Escola Livre ComidaETC.