No longo prazo todos estaremos mortos!
Apesar de praticamente todo o mundo desenvolvido estar fazendo grandes pacotes de intervenção na economia, no Brasil uma parte ainda defende ajuste fiscal e controle das contas, mesmo nessa situação de calamidade.
Após a grande depressão econômica de 1929, existia um debate na economia norte americana e no mundo, o estado deve ou não intervir na economia em momentos de crise? Este debate está presente até hoje.
Em março de 1933 o presidente Franklin D. Roosevelt lançou as frases “Only Thing We Have to Fear Is Fear Itself” e “This Nation asks for action, and action now”, numa tradução livre, ele argumentava que o único medo que devemos ter é de ter medo e que a nação clamava por ações enérgicas e ação rápidas. Isso tudo, anunciava um grande pacote de intervenção do Estado na economia norte americana para recuperá-la da grande depressão econômica.
Por um lado, alguns autores liberais como Friedrich Hayek argumentavam que o ser humano era tão estúpido que qualquer tentativa de corrigir uma crise acarretaria necessariamente em outra crise e talvez maior. Ou seja, defendia a não intervenção, num português claro “deixa o circo pegar fogo, que a coisa se acerta em algum momento”.

Já outro pensador econômico defensor do capitalismo, mas um capitalismo com intervenções nos momentos de crise, foi John Maynard Keynes. Keynes era um lorde inglês com rigorosa formação matemática e econômica. A famosa frase do Keynes nunca fez tanto sentido literal no contexto do Brasil e do mundo recente. Ao justificar que o Estado deve intervir na economia e tirar o país da recessão, Keynes foi questionado se isso não geraria dívidas e problemas para o longo prazo, ele contra-argumentou “No Longo Prazo todos estaremos mortos”. Ou seja, vamos resolver os problemas do presente para que exista um longo prazo.
Para ilustrar, um exemplo simbólico foi dado pelo Brasil, mesmo sem ter a intenção, o Brasil adotou uma política anticíclica na época da grande depressão, chamada “queima de café”. Ou seja, uma medida que à primeira vista parece ser estúpida, o governo comprava café, estocava, até queimando parte deste estoque. Ao fazer isso, o governo manteve os fazendeiros produzindo, pagando salários aos trabalhadores e estes trabalhadores por sua vez recebendo salários continuavam consumindo, gerando um multiplicador de renda e a economia girando. Alguns estudos apontam que o Brasil foi um dos primeiros países a sair da crise de 1929, pois como não permitiu que a “teia” social produtiva se desmantelasse, tão logo o pior da crise passou, a economia já estava mais ou menos organizada.
Trazendo o debate para o Brasil atual, considerando este momento gravíssimo de pandemia, apesar de praticamente todo o mundo desenvolvido estar fazendo grandes pacotes de intervenção na economia, no Brasil uma parte ainda defende ajuste fiscal e controle das contas, mesmo nessa situação de calamidade.
Penso que o momento é sério e demanda ações de grande impacto. É melhor ter uma dívida para pagar no futuro, via aumento de impostos no futuro, do que não termos alguns entes queridos no futuro. Penso que o brasileiro não liga de pagar mais impostos no futuro, ele reclama sobretudo que os impostos são muitas vezes desviados ou mal gastos. No limite, não faz sentido termos reservas ao redor de 1 trilão e 800 bilhões de reais enquanto parte da população não tem nem sabão para lavar as mãos.
Mateus Boldrine Abrita é professor efetivo na UEMS. Doutor em economia pela UFRGS. Possui trabalhos científicos publicados no Brasil e no Exterior.