Noite da vitória
As pessoas gritavam, pulavam – ’El que no salta es momio’ [Quem não pula é reaça!] -, abraçavam-se para ter certeza de que não estavam sonhando. Ah! Como esse país era magnífico e como eram maravilhosos esses chilenos politizados até a raiz dos cabelos!Pierre Kalfon
Eu me lembro da eleição de Salvador Allende.
Da enorme alegria que pouco a pouco se apoderara da multidão. Risos e abraços na rua com desconhecidos que não eram mais desconhecidos, pois também comemoravam.
Naquele 4 de setembro de 1970, Santiago estava saindo do inverno; a noite vinha caindo. Durante muito tempo se havia esperado o resultado dessa eleição presidencial tão disputada. Tempo demais, sem dúvida, para a impaciência inquieta daqueles que ainda acariciavam a esperança de uma vitória da esquerda e que vibravam de vontade de ir gritar sua alegria pelas ruas.
No início, espalhara-se um boato preocupante. Dos três candidatos, o da direita é que estava ganhando a eleição. Os partidários de Jorge Alessandri já desciam dos bairros ricos para o centro da cidade, agitando, zombeteiros, bandeiras chilenas nas janelas dos carros, num concerto de buzinas. E, depois, o boato murchou, as estimativas tinham virado. Menos fanfarrões, os que buzinavam voltaram para suas mansões na encosta da cordilheira.
El que no salta es momio!
Dos subúrbios pobres do sul e do oeste de Santiago, massas de pessoas afluíam rumo à Alameda, vestidas com roupas de lã coloridas, com xales e ponchos
As pessoas continuaram esperando. E, de repente, foi como uma onda: Allende estava em primeiro lugar! Allende, apoiado pela coalizão da Unidade Popular. Socialistas, comunistas, radicais, cristãos de esquerda se haviam unido diante de uma direita dividida. Desta vez, a vitória chegava. Hesitava-se ainda, quase sem acreditar. No entanto, os números falavam. Não era talvez uma avalanche, mas quem se preocupava com isso? Com mais de 36% dos votos, o candidato da esquerda ultrapassava claramente o velho conservador Alessandri e, de longe, o democrata-cristão Radomiro Tomic. Não havia dúvidas, Allende fora o mais votado. O eterno perdedor das eleições presidenciais, aquele que, depois de três derrotas, ironizava sarcástico a respeito do epitáfio que lhe seria dado no momento de sua morte: “Allende, candidato à Presidência”, agora fazia as Cassandras mentirem.
As pessoas gritavam, pulavam – El que no salta es momio [Quem não pula é reaça!] -, abraçavam-se para ter certeza de que não estavam sonhando. Ah! como esse país era magnífico e como eram maravilhosos esses chilenos politizados até a raiz dos cabelos!
O Chile ia mudar de base
Todo mundo compreendia que se ia dar vuelta a la tortilla (virar a omelete) e que os excluídos iriam poder participar, mais ou menos, da festa nacional
A noite caíra completamente com o frio úmido de setembro. Mas quem ligava para isso? Dos subúrbios pobres do sul e do oeste da capital, massas de pessoas afluíam rumo à Alameda, a via real de Santiago, vestidas com roupas de lã coloridas, com xales e com ponchos. Mulheres, crianças rechonchudas de grandes olhos redondos, homens magros e nervosos de pele morena, o cabelo preto e liso. Um ambiente de festa emanava dessa multidão pacífica e radiante. Para compensar uma iluminação pública embaçada e também para se aquecer, aqui e ali, fogueiras furavam o nevoeiro. De boca em boca se espalhava a notícia: Allende ia falar.
Totalmente de última hora, arranjou-se um som que foi instalado no primeiro andar do prédio da Federação dos Estudantes do Chile, a FECH, situada no coração da cidade, em frente à colina de Santa Lucía, ponto de todos os encontros amorosos. Finalmente, com um alto-falante portátil, Allende dirigiu-se à multidão num discurso claramente improvisado. Empolgado pela inefável delícia de saber que acabava, enfim, de ganhar um combate iniciado trinta anos antes, esse médico de 62 anos encontrava as palavras certas para saudar a vitória popular, agradecer seus partidários, estimular os outros a se juntarem à batalha por maior justiça social. A despeito dos obstáculos futuros, o Chile, dizia ele, ia mudar de base. E todo mundo compreendia que, enfim, se ia dar vuelta a la tortilla (virar a omelete) e que os excluídos da prosperidade econômica iriam poder participar, mais ou menos, do festim nacional.
Dulce patria… Cantava-se o hino nacional chileno, aplaudia-se, exultava-se e, na alegria do momento, surgia a trivialidade clássica do Chile das pessoas felizes: Viva