“Nossos filhos não vão ser estatística”
ONG presente em quase todo o Brasil reúne mais de 2 mil pais e mães de pessoas LGBTQIA+ para lutar contra a violência cotidiana praticada contra seus filhos. A meta da Mães pela Diversidade é formar uma rede de proteção e espalhar informação para combater o preconceito, de modo que ninguém mais precise passar pelo que eles passaram
Há aproximadamente cinco anos, as redes sociais uniram mães de pessoas LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros, queer, intersexo e assexual) preocupadas com a violência e com o discurso LGBTfóbicos, discurso esse muitas vezes proferido por autoridades – inclusive, e muito especialmente hoje em dia, pela maior delas! Nascia a Mães pela Diversidade. Hoje somos uma ONG e estamos em quase todos os estados do Brasil.
Nós acreditamos que o que fomenta o preconceito é a falta de informação e a ignorância. Desse modo, nossa premissa é espalhar informação. Percebemos também que a pregação para convertido é enxugar gelo – apesar do carinho em nosso ego –, o que nos leva de nada a lugar nenhum, porque a informação tem é de furar as bolhas do preconceito!
Quem tem o conhecimento empírico somos nós, mães e pais da pessoa LGBTQIA+. E a primeira lenda que queremos desconstruir é a da “opção”. Com a autoridade da experiência que nos cabe, dizemos que nossos filhos não optaram; eles expressam sua sexualidade e sua identidade de gênero desde a primeira infância.
Queremos descontruir também a lenda de que os pais são “culpados” pela orientação sexual e pela identidade de gênero dos filhos. Temos, por exemplo, várias famílias com três ou mais filhos em que só um é gay, ou ainda famílias com vários filhos e só um trans.
Queremos contar para a sociedade que nossas crianças são – ou foram, já que muitos de nós já temos filhos adultos – aquelas que, ainda cheias de inocência, não entendiam por que ninguém queria tomar lanche com elas na escola, por que elas eram as únicas que não eram convidadas para a festinha, por que eram sempre as últimas escolhidas para os jogos nas aulas de Educação Física ou por que ninguém gostava delas. Ou ainda por que eram humilhadas e muitas vezes sofriam violência física. Queremos mostrar a crueldade contra nossos filhos e a injustiça da hierarquização do ser humano!
Queremos dizer que nós também somos contra a erotização de crianças e a pedofilia; que na expressão da sexualidade e da identidade de gênero de nossos filhos na infância não existia desejo sexual – este só apareceu naturalmente na adolescência, como em todo ser humano! Queremos destruir o rótulo da promiscuidade que tão levianamente colam em nossos filhos. Queremos destruir também o rótulo da marginalidade, já que é a sociedade que os empurra para as bordas ao privá-los da inclusão social, principalmente na escola, quando eles são evadidos por não suportarem o bullying.
Temos uma história clássica, a da Clarice. Ela soube que, aos 8 anos, o filho era vítima da homofobia do professor de francês, que escrevia “Bambi” na lousa e convidava todos os demais alunos a rirem dele. Ela descobriu isso quando o filho tinha mais de 30 anos e não teve a menor dúvida de ir atrás do professor mais de vinte anos depois para tirar satisfação. Porque tudo isso dói demais em nós, os pais! Queremos dizer também que a homotransfobia estrutural destrói vidas, famílias, casamentos, coloca irmãos uns contra os outros.
Quando essas mães vêm até a Mães pela Diversidade, elas chegam a nós com ameaça de suicídio, depressão profunda e fobia social. Isso nos levou a oferecer acolhimento e apoio profissional. Entendemos que os LGBTQIA+ adultos falam por si, lutam com suas armas, e não nos cabe falar por eles. Assim, a Mães pela Diversidade quer jogar luz e dar voz à criança LGBT invisibilizada, silenciada e injustiçada. E também à sua família.
Vai ser difícil nos colar a tarja de esquerdopatas, já que entendemos que uma causa humana tem de permear todo o tecido social. Sendo assim, temos mães e pais de todas as raças, religiões, ideologias políticas, profissões, classes sociais etc. Temos mães auxiliares de limpeza, professoras do ensino infantil ao pós-doutorado, médicas, trabalhadoras domésticas, advogadas, procuradoras, jornalistas, donas de casa. Temos pais engenheiros, empresários, diretores de multinacional, gerentes de venda, seguranças, professores, evangélicos, católicos, espíritas, judeus e ateus.
E temos também pais cujos filhos foram assassinados. Um deles, Alexandre Ivo, filho da Angélica, uma de nossas mães do Rio de Janeiro, foi torturado durante horas antes de ser assassinado aos 14 anos em 2010, crime reconhecido como homofóbico pela polícia e pela justiça. Caso também do jornalista goiano Lucas, de 27 anos, assassinado e desfigurado numa praia do Recife, onde estava a trabalho e cujo pai, Avelino, também está conosco. Neste caso, os assassinos já estão presos. Ou ainda a linda menina trans Laura, de 18 anos, paulistana, morta chegando em casa a pauladas por cinco homens, filha de Jackson e Zilda, que também estão conosco.
As Mães pela Diversidade de São Paulo têm estado na porta do fórum em todas as audiências desse caso, que ainda espera julgamento. Esses pais estão conosco, segundo eles, para que nenhum pai e nenhuma mãe mais tenham de passar pelo que eles passaram. Além disso, a taxa de suicídio do jovem LGBTQIA+ é oito vezes maior que a do jovem cis heterossexual.
Nossa meta é formar uma rede de proteção para nossos filhos e nossas famílias e trazer a sociedade para junto de nós. Num mesmo dia, por exemplo, podemos palestrar no hospital, na multinacional e na pastoral. Estaremos onde nos derem voz para contar nossas histórias, seja na superelitista feira de design ou na feira de gastronomia orgânica ou ainda no popular clipe da Jojo Todynho!
Acreditamos que avançamos muito nessa guerra cultural. Hoje temos exemplos de representatividade positiva. Podemos dizer para os jovens que o senador da República, que o diplomata do Itamaraty e que o juiz da Lava Jato são gays assumidos, que a CEO da maior consultoria do mundo no Brasil é uma mulher trans, que temos inúmeras mulheres lésbicas em altos cargos jurídicos e corporativos!
Não acreditamos em retrocesso por meio de discurso de autoridade LGBTfóbica. Queremos plantar a semente da esperança no coração de cada brasileiro LGBTQIA+ e dizer que eles não estão sozinhos. Hoje somos mais de 2 mil mães e pais espalhados pelo Brasil e unidos para gritar em uníssono: “Nossos filhos não vão ser estatística, tire seu preconceito do caminho, queremos passar com nosso amor! Nosso amor salva vidas, o preconceito mata! É crime, sim! É crueldade em nome de Deus!”.
Maju Giorgi é coordenadora nacional da Mães pela Diversidade.