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Florence Montreynaud resolveu recuperar e escrever a história das mulheres do mundo inteiro de 1900 a 1999, abrangendo um século de transição, que testemunhou uma revolução sem precedentes da condição femininaBrigitte Pätzold
Foi após o nascimento de sua primeira filha que Florence Montreynaud teve a idéia de empreender um imenso trabalho: preencher um vazio na história das mulheres, contando o século XX através delas. “O que transmitir a minha filha sobre as mulheres que a antecederam?” perguntava-se ela. O que contar sobre as mulheres ignoradas pelos historiadores, únicos narradores da história, a ponto de se poder acreditar que os homens tenham sido seus únicos, ou quase únicos, atores? Mas Florence decidiu aceitar o desafio: [1] recuperar e escrever a história das mulheres do mundo inteiro, ano a ano, de 1900 a 1999, trabalho bastante importante, pois abrange um século de transição que testemunhou uma revolução sem precedentes da condição feminina. O que ainda prevalece são datas e clichês do tipo: o general De Gaulle havia “dado” o direito de voto às mulheres em 1945; Marie Curie descobriu o rádio com o seu marido Pierre Curie.
Ilustres desconhecidas
Mas quem já ouviu falar de Emmy Noether, inventora da álgebra moderna e do “teorema de Noether”, que em 1900 foi admitida na universidade… como ouvinte e que em 1915 tornou-se professora… sem remuneração? E quem conhece Lady Constance Lytton, que ficou paralítica em conseqüência da agressão de policiais durante uma manifestação ocorrida em 1909, em Londres, pelo direito de voto das mulheres? Ou ainda a norueguesa Elise Ottesen-Jensen, que, já em 1923, defendia que “toda a criança deve ser desejada” e, dez anos depois, fundava o planejamento de controle familiar sueco?
Atrasos e avanços
A comparação com outros países dá uma perspectiva dos avanços e recuos das mulheres durante este século e permite destacar que as francesas estão em considerável atraso no que se refere à obtenção dos direitos de cidadãs. Para terem o direito de voto, concedido às britânicas e alemãs em 1918, tiveram que esperar até 1945. Causará talvez surpresa saber que em 1931 as espanholas possuíam uma situação de igualdade à das sociedades mais avançadas da Europa — e isto graças à vitória da esquerda na Espanha. E que, em 1935, as mulheres turcas se modernizaram tão rapidamente que a Turquia foi considerado o “mais jovem país feminista”.
Se o século XX é o das conquistas das mulheres nos países ocidentais — educação, direito de voto e contracepção — ele vê também o crescimento do fundamentalismo religioso durante os últimos vinte anos. No Iraque, uma lei de 1990 justifica o assassinato de uma mulher adúltera por qualquer homem de sua família. Na Arábia Saudita, as mulheres são proibidas de dirigir. No Afeganistão, as jovens são excluídas de educação.
O sonho é necessário
Também na Europa Oriental ocorre um retrocesso depois da queda do muro de Berlim. Assistimos a uma redução espetacular no número de mulheres eleitas (de 30% para 6% na República Checa). Na Polônia, a questão da contracepção e aborto foi reaberta. A prostituição floresce e as adolescentes soviéticas encontram nela uma “profissão ideal”. O último capítulo sobre o ano 2000 lembra que as feministas do mundo inteiro marcharão contra a pobreza e as violências sofridas pelas mulheres (leia “Contra a pobreza e a violência”, nesta edição). 70% dos pobres do mundo são mulheres. São constantemente estupradas, hostilizadas e espancadas.
Mas o ano 2000 vê também a realização dos sonhos de algumas feministas do começo do século. Em 1917, na União Soviética, Alexandra Kollontaï, primeira mulher do mundo a fazer parte de um governo, quis quebrar o “jugo doméstico” tornando coletivas as tarefas domésticas. No ano 2000, a finlandesa Liisa Joronen, fundadora da empresa Sol, realizou o sonho da brilhante intelectual russa. Entre seus 2.700 empregados, não há secretárias nem faxineiras: as tarefas ingratas são divididas por todos.
A autora lembra ainda que os sonhos são necessários. Quem em 1900 teria imaginado que as mulheres pudessem um dia dominar a fertilidade? Se no ano 2000, um mundo sem prostituição nem violências parece ilusório para alguns, outros são