O avanço da extrema-direita em Flandres
Na eleições legislativas de 18 de maio, Flandres espera um avanço sombrio: o ’Vlaams Blok’ deverá realizar ali um rápido progresso. Dirigentes políticos e intelectuais começam a esboçar o balanço crítico da “batalha antifascista” que inclui a imprensaRink Van den Brink
Pobre Flandres! Ela parece hipnotizada pela serpente que surge nas margens do Escalda. Há 16 anos, eleição após eleição, a extrema-direita flamenga vê aumentar sua influência1 e seu partido, o Vlaams Blok (Bloco Flamengo), implanta-se cada vez mais sólido. As últimas pesquisas atribuem-lhe mais de 17% dos votos nas eleições legislativas e senatoriais de 18 de maio2.
Do lado francófono, a situação é completamente diferente: segundo as mesmas pesquisas, a extrema-direita, com todas as tendências, não obteria na Valônia senão 4,6% dos votos (contra 4,1% em 1999). A Frente Nacional (FN) parece não estar em condições de conservar o doutor Daniel Féret na presidência da Câmara – a adoção de uma votação mínima de 5%, juntamente com a provável concorrência de outros movimentos, pode provocar sua derrota. A extrema-direita francófona, pulverizada, conta, entretanto, com alguns baluartes, como Charleroi, e a comuna de Molenbeek, em Bruxelas.
“O Centro para a Igualdade de Oportunidades e de Luta contra o Racismo3 certamente contribuiu para o fracasso da extrema-direita francófona”, explica um de seus especialistas, Manuel Abramowicz. “Conseguimos alimentar a mídia, os grupos de ação, os sindicatos, os partidos políticos e também os professores, com informações sobre o caráter detestável da extrema-direita. O que, sem dúvida, reforçou o combate democrático.”
Pressão jurídica não funciona em Flandres
A pressão jurídica também contribuiu. Por exemplo, o ex-policial de elite Hubert Defourny -ex-vereador pela província de Liège e ex-conselheiro pela comuna de Verviers -foi mais de uma vez condenado por incitação ao ódio racial. Derrotas que paralisaram suas atividades políticas, assim como a dos grupelhos que co-dirigia4. Em 31 de março de 2003, foi a vez de Féret comparecer: o deputado da Frente Nacional devia responder pela difusão de panfletos racistas. “Trata-se de fazer aplicar a lei”, explica Manuel Abramowicz. “Cada um de nossos êxitos jurídicos é um duro golpe na extrema-direita. Os processos têm conseqüências no interior dos partidos; desencorajam os integrantes mais moderados, mas também muitos dos eleitores em potencial.”
A pressão jurídica para eliminar o Blok se revelou uma imprudência, já que não dispersou os eleitores, consolidou suas fileiras e fortaleceu a militância
Nada disso ocorre na Flandres. Apesar dos processos, o Vlaams Blok continua a crescer. Os advogados do Centro para a Igualdade de oportunidades e de Luta contra o Racismo e a Liga dos Direitos Humanos (LDH) dedicaram muitos anos a essa questão, mas até agora, em vão. Da mesma forma que o tribunal correcional, em junho de 2001, a Corte de apelação de Bruxelas declarou-se incompetente, em 26 de fevereiro de 2003, para julgar três associações com fins não lucrativos, satélites do Vlaams Blok, citadas por infração à lei do racismo: os delitos políticos seriam absolvidos em segunda instância. “Absurdo jurídico”, replica o advogado da LDH, Jos Vandervelpen. “Por que o dono de um café que impede a entrada de um não-europeu é culpado, segundo a lei que reprime o racismo, e não o Vlaams Blok, que é culpado de discriminar não-europeus em seus panfletos?” O processo acabaria sendo anulado.
Um processo imprudente
Mas os extremistas estavam preparados para o pior, visto que a condenação da associação pela qual transita a dotação do Estado canalizada ao Vlaams Blok (4 milhões de euros por ano, ou 13,4 milhões de reais) a teria suprimido. O Blok pretendia fundar logo um novo partido: “Temíamos que os principais dirigentes do partido, responsáveis pelas associações incriminadas, perdessem seus direitos civis após uma condenação”, explica Gerolf Annemans, advogado e chefe do grupo do partido na Câmara. “Eventualmente, as senhoras Annemans, Dewinter e Vanhecke serão candidatas e nós continuaremos nosso trabalho sem mandato. É verdade que o processo nos custou um tempo louco e muito dinheiro.”
Para Annemans, essa pressão jurídica “consolidou nossas fileiras e fortaleceu nossos militantes. Os eleitores também não se dispersaram. Os partidos estabelecidos têm medo de nós, não ousam debater conosco, e por isso tentam nos fazer calar pela via legal”. Não é de se surpreender que o Blok tenha festejado o desenlace do processo como uma grande vitória. A opinião pública pensa da mesma forma: “Esse processo foi muito imprudente”, admite Robert Voorhamme, presidente do Partido Socialista Flamengo de Antuérpia (SP.A). “Não é inteligente tentar eliminar um partido político pela via jurídica, sobretudo quando tem tantos eleitores.”
Cientista político, especialista em extrema-direita e professor na Universidade de Antuérpia (UFSIA), Cas Mudde partilha da mesma opinião. “Quanto ao risco desse processo, era preciso ter se prevenido há muito tempo. Hoje, o Vlaams Blok é uma organização eficiente e uma força política estabelecida. O Centro para Igualdade de Oportunidades e de Luta contra o Racismo não consegue persuadir por sua ação em favor de uma sociedade multicultural. A meu ver, não é de se estranhar a escolha de perseguir juridicamente o Blok. Esse combate jurídico é essencial para sua credibilidade”.
A direita clássica é contaminada pelo radicalismo
O combate contra o Blok foi banalizado e se tornou inócuo, enquanto as fronteiras entre a direita clássica e a extrema-direita se tornaram mais vagas
A triste realidade é que, em Flandres, há poucas experiências positivas de luta contra a extrema-direita. Os diferentes movimentos antifascistas não se mostraram eficientes. Após as eleições municipais em 2000, quando o Vlaams Blok, crescendo por toda parte, passou de 28% para 33% em Antuérpia, o grupo Charte 91, um movimento de intelectuais anti-Vlaams Blok fundado após o primeiro crescimento eleitoral do Blok, publicou um texto severamente crítico5: “Mais uma vitória eleitoral do Vlaams Blok. Difícil camuflar a angústia e até a desmoralização em todos os que esperaram que, dessa vez, o vento mudaria de direção. Em nenhum lugar as medidas políticas puderam fazer recuar o Blok. A teoria do limite máximo sociológico foi invalidada.”
Entre os autores desse texto, Eric Corijn, sociólogo e filósofo, admite: “É verdade, o desespero nos domina, às vezes. O combate das forças militantes dentro da sociedade civil contra o Blok não tem efeitos políticos. Ao contrário, ele se tornou normal, seus temas e prioridades foram retomados por outros, seu discurso foi banalizado”. De fato, as fronteiras entre a direita clássica e a extrema-direita tornaram-se mais vagas. Um exemplo: no final de 2001, o Senado belga debateu a outorga do direito de voto nas eleições municipais aos imigrantes não-europeus. Eric Corijn prossegue: “Alguns oradores desfiaram argumentos que recaíam sob o efeito da lei. Jeanine Leduc, presidente do grupo de liberais flamengos (VLD6) defendeu posições abertamente racistas, atacando os marroquinos, ?que não querem trabalhar?, a tal ponto que o Vlaams Blok não precisou interferir. E ninguém protestou. Com um tal Parlamento, como fazer frente ao Blok?”
Explorando o denuncismo
O Blok utiliza o bloqueio da mídia para denunciar manipulação da esquerda e ganha votos denunciando escândalos de corrupção, como fez em Antuérpia
Desde o início, esclarece Eric Corijn, o diagnóstico estava errado: “Insistiu-se no caráter de protesto do voto no Vlaams Blok e não se reconheceu a necessidade de avaliar seu conteúdo ideológico. Não somente o Blok representa uma tendência racista que existe em nossa sociedade, mas é o único partido anti-sistema”. Daí o efeito perverso do “cordão sanitário”: esse compromisso de todos os partidos democráticos nunca cooperarem com esse partido quase sempre serviu de álibi para evitar o debate contraditório sobre seus temas. Eric Corijn estima que “sem o cordão, a situação teria sido bem pior. Mas, esse não passa de um primeiro elemento de uma estratégia anti-Vlaams Blok. Ele evita que um certo número de dirigentes fiquem tentados a buscar apoio fora do campo democrático para impor uma política mais reacionária. Assim, o ?cordão? antes de tudo enfraquece a direita. E o Blok não perde nenhuma oportunidade de denunciá-lo como invenção da esquerda para permanecer no poder”.
Antuérpia está na vanguarda da batalha contra a extrema-direita. Principal partido da cidade, com 19 das 54 cadeiras do conselho comunal, o Blok constitui, ali, a única força de oposição. Em 2006, quando os prefeitos serão eleitos diretamente pela lista proporcional integral, Filip Dewinter poderia vir a assumir a prefeitura. Suas chances aumentaram após os acontecimentos de março de 2003: o colegiado dos assessores jurídicos do prefeito foi obrigado a renunciar devido às revelações do Vlaams Blok sobre o uso duvidoso de cartões de crédito para cobertura de despesas profissionais. A esse escândalo, acrescenta-se o fato de que os três funcionários mais graduados foram acusados de fraude, de corrupção e de falsificação de documentos. O mesmo ocorreu com o chefe da polícia de Antuérpia e um de seus comissários superiores. Responsável pela investigação interna que confirmou os rumores, o secretário de assuntos escolares, Tuur Van Wallendael, avalia os estragos da bomba que ele contribuiu para fazer explodir. “Os casos tiveram um efeito catastrófico. Tudo o que o colegiado fez de bom por mais de dois anos, hoje está perdido. O Vlaams Blok explora tudo isso com o único objetivo de ganhar votos ao gritar: escândalo!”
Esquerda valã acaba beneficiando Blok
A esquerda francófona busca ganhar eleitores atacando o Blok, que por sua vez lucra com estes ataques e fica cada vez mais forte na Bélgica flamenga
O que esperar de diferente de um partido de extrema-direita literalmente acuado? Van Wallendael enfatiza os riscos da estratégia do cordão sanitário. “Seria melhor pesar as vantagens e os inconvenientes. Tenho a impressão que fazemos um grande serviço ao Vlaams Blok. É claro que um partido eleito democraticamente não é, obrigatoriamente, um partido democrático. Mas não se pode impedir um grupo representativo de 15% dos flamengos de participar do debate e organizar seu congresso em uma sala do município”. Um assunto explosivo: em 1995 e em 1998, ministros socialistas francófonos recusaram-se a alugar o Palácio do Congresso de Bruxelas ao partido de extrema-direita, garantindo assim a esse último uma formidável publicidade. “O grau de incompreensão da situação flamenga pelos francófonos é inacreditável”, conclui Van Wallendael. “Essas pessoas representam de bom grado os antifascistas sem se preocupar com as repercussões de sua atitude aqui.”
Guardando o anonimato, um dirigente do Partido Socialista (PS) raciocina: “Imagine que você seja um cientista político de outro planeta que chegou à Terra para analisar a vida política belga. Você não concluiria que o PS e o partido Ecologista tentam sobretudo ganhar os eleitores na Valônia, ao assumirem uma distinção mais radical do Vlaams Blok? Mas, este último, nesse momento, fica ainda mais forte em Flandres, o que torna a esquerda francófona ainda mais heróica. Não esqueçamos as tensões lingüísticas como pano de fundo: é o Blok que lucra com os ataques dos francófonos.”
Um exemplo de recuo da extrema direita
O presidente do partido socialista francófono acredita que a extrema-direita flamenga, a exemplo da esquerda valã, obtém sucesso porque sai às ruas e ouve os eleitores
Durante um jantar, numa noite de fevereiro. Em uma Casa de Cultura super-moderna, o PS francófono realiza um comício eleitoral. Aproximadamente 700 pessoas aclamam a vedete da noite, Elio di Rupo, prefeito de Mons e presidente do partido, um dos homens mais poderosos do país. Veste um terno azul, camisa branca e o inevitável nó de borboleta vermelha. “Os que têm medo de sair à noite, que correm o risco de perder o emprego, que são vítimas de uma inseguraça existencial, têm tendência a votar na extrema-direita”, afirma. Em relação a essa questão, em que o “Norte” (flamengo) se distingue do “Sul”(valão), diz: “Nós escutamos os eleitores. Estamos nas ruas. No Norte, eles não acham isso necessário. Mas nas ruas encontra-se a extrema-direita, que todos os partidos democráticos flamengos banalizaram, e eu lamento – isso vale também para nossos companheiros do PS. E os meios de comunicação têm sua parcela de responsabilidade. Na rádio e televisão flamenga ouvem-se os deputados do Vlaams Blok se manifestarem. É inacreditável… Não se deve ser piedoso com os que enterram a democracia.”
Prova disso é La Louvière7: esta comuna da Valônia fez com que a extrema-direita recuasse de verdade. Em 1994, o PS perdeu 10% dos votos nas eleições comunais, conservando a maioria por pouco (21 das 41 cadeiras). A FN elegeu seis candidatos. “Uma derrota dura de engolir”, comenta Willy Taminiaux, atual prefeito da cidade e, na época, ministro do governo regional valão. “Eu não tinha como ficar indiferente enquanto as balas silvavam sobre minha cabeça. Assumi minhas responsabilidades e propus encabeçar a lista para as eleições da comuna, em 2000”. A atitude acabou dando certo e permitiu, em 2000, que o PS recuperasse o terreno perdido. Sua lista, multicultural, com muitos candidatos de origem estrangeira, conquistou 29 das 41 cadeiras e a FN desapareceu da Câmara da comuna.
Reivindicações sociais
A extrema-direita não recuará em Flandres enquanto as camadas populares permanecerem abandonadas e suas reivindicações forem ignoradas
Taminiaux renunciou a seus cargos de ministro e deputado para se dedicar à sua cidade. Adepto da política de proximidade, garante: “A mola-mestra de nosso programa é a democracia participativa. É preciso criar políticas de bairro, escutar as pessoas. Das dezenas de reuniões de bairro que fizemos, umas foram muito difíceis, outras muito positivas. Mas o essencial é que as pessoas possam falar e que nós as escutemos, discutamos com elas”. Cada reunião trata de um tema específico: aqui, um problema de trânsito, ali uma questão ligada à segurança. “Prefeito e auxiliares participam, mas os servidores municipais nos acompanham, há sempre alguém para responder à população de maneira prática e depois para prosseguir com execução das idéias mencionadas”.
Convencido da necessidade de uma política de proximidade para vencer o descontentamento e a xenofobia sobre os quais a FN baseou sua expansão em 1994, Taminiaux relativiza, contudo, a derrota da extrema-direita local. “Os parlamentares da extrema-direita são os principais responsáveis por seu próprio desaparecimento. Aqui, eles não tinham um verdadeiro líder. Eles se auto-destruíram, por falta de coerência política. Mas, se tivéssemos enfrentado uma extrema-direita estruturada, como em Flandres, teria sido outra história”.
Em Flandres, como em outros lugares da Europa, a extrema-direita não recuará por muito tempo enquanto as camadas populares permanecerem abandonadas, seu mal-estar desprezado e suas reivindicações ignoradas. Estrela ascendente do PS, adjunto de um subprefeito de Antuérpia, Mimount Bouslaka convoca os amigos a “levarem finalmente em conta a criminalidade e a insegurança em todos os sentidos do termo, a começar pelo emprego. E, creiam-me, os imigrantes também querem a mesma coisa. Por muito tempo, acreditamos que esses fossem temas de direita, até de extrema-direita. Deixamos o campo livre para eles. E quem paga o prejuízo? Os mais fracos. É preciso também investir na educação. É inaceitável que grupos inteiros de jovens sejam abandonados. É preciso parar a segregação social que se instala em nosso país”.
(Trad.: Teresa Van Acker)
1 – Nas eleições legisl