O bom exemplo do Senegal
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), as mutilações genitais afetam cerca de 130 milhões de mulheres em vinte e oito países. Uma das raras luzes de esperança vem desta nação africana, graças ao exemplo de um punhado de camponesasRoland-Pierre Paringaux
Cinco anos após a conferência de Pequim sobre as mulheres, se existe um campo — além da prostituição — no qual pouco se avançou, apesar das estratégias e da indignação, é o da castração feminina. Agências especializadas da ONU, associações de mulheres e de defesa dos direitos da pessoa e às vezes os próprios países interessados fazem esforços e lançam campanhas. Mas tudo se chocam com uma prática profundamente implantada nos costumes, um tabu entre tabus. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), as mutilações genitais afetam cerca de 130 milhões de mulheres e jovens em vinte e oito países da África e do Oriente Médio. Longe de diminuir, seu número cresceu em cerca de dois milhões por ano. Neste quadro sombrio, uma das raras luzes de esperança vem do Senegal, onde, nos últimos três anos, o exemplo de um punhado de camponesas determinadas a terminar com um ritual arcaico e perigoso vem se espalhando progressivamente.
Foi em julho de 1997 que umas trinta mulheres, desafiando as proibições da tradição, se comprometeram solene e publicamente a abandonar a prática da excisão. [1] Conhecido pelo nome de Juramento de Malicunda, alusão ao nome de seu povoado — situado na região de Thiès, a uma hora de Dacar — este ato inicial marcaria o início de uma ação que não cessou desde então de se desenvolver, apesar das resistências, políticas, religiosas e sociais.
Sinônimo de virtude feminina
Para essas mulheres, de etnia Bambara, a mobilização é antes de mais nada o resultado de um longo trabalho de sensibilização para os direitos humanos levado a cabo pelas equipes da Tostan, uma organização não governamental (ONG) norte-americano-senegalesa, com o apoio da Unicef. Seu programa de educação de base, norteado por uma série de módulos temáticos, permitiu que problemas tão delicados de serem abordados como a sexualidade das mulheres, o direito ao controle de seu corpo ou ainda o tabu da excisão pudessem ser abordados a partir da questão da saúde. Uma aproximação incontestável, que ainda tem a vantagem de não se chocar com a tradição de maneira frontal.
Paralelamente à tomada de consciência, as mulheres de Malicunda empreenderam, pouco a pouco, um trabalho de informação junto aos homens do povoado no sentido de ganhar o seu apoio para a causa da saúde de suas mulheres e de suas filhas. E, conseqüentemente, à rejeição das mutilações, que são às vezes mortais. Numa sociedade onde a excisão permanece sinônimo da virtude feminina e da honra familiar, isto não poderia ser tão fácil. Ainda mais que esta prática é freqüentemente apresentada, erradamente, como um preceito islâmico. E a mulher que não tenha sido submetida a essa prática é apresentada como um ser impuro, indigno de compartilhar a vida de um bom muçulmano. As mulheres de Malicunda levaram mais de um ano para conseguir a adesão do povoado, e de seu imã, à sua cruzada. Mas conseguiram.
Homenagem às mulheres de Malicunda
Outros fatores, como a educação, a urbanização, as novas idéias e as mudanças de comportamento, tiveram o seu papel. E, mais ainda, a perda de sentido de um ato cada vez mais praticado fora de qualquer ritual social, contra bebês de alguns meses. A excisão aparecia então como a simples vontade dos homens de controlar a sexualidade de suas mulheres e de suas filhas, mutilando-as.
No início, os dirigentes senegaleses pareciam ter sido apanhados de surpresa pelo ocorrido em Malicunda, que rapidamente se tornou uma causa célebre. Durante meses, fecharam-se num estranho silêncio, já que o Senegal é signatário de importantes textos que se referem aos direitos fundamentais da pessoa e também o país coordenador do grupo africano sobre o assunto na Conferência de Pequim, em 1995. Finalmente, no dia 20 de novembro de 1997, dirigindo-se ao congresso da Federação Internacional dos Direitos Humanos (FIDH), realizado em Dacar, o presidente Abdu Diuf rompeu o silêncio. Rendendo homenagem às mulheres de Malicunda, apelou ao “combate vigoroso contra a prática de mutilações sexuais”. Um ano depois, como última etapa para vitória, a Assembléia Nacional (Congresso) adotaria uma lei com o objetivo de abolir a excisão e punir a sua prática.
Os efeitos do Juramento
Ao mesmo tempo, insuflado por seus seguidores, o exemplo de Malicunda tinha se alastrado como fogo na mata. Em fevereiro de 1998, depois de reuniões com as mulheres de Malicunda, 13 povoados da região de Thiès seguiriam seu exemplo, pedindo para serem atendidas pelo programa do Tostan. Em julho, era a vez de 18 povoados da etnia Peul, na região de Kolda, prestarem juramento na presença de vários imãs e representantes do governo. Em abril do ano 2000, vinte povoados situados nas ilhas do Sul fizeram o mesmo, em cerimônias cheias de cores, elevando para 178 o total de povoados senegaleses que repudiaram a excisão. Ainda é pouco, considerando os milhares de localidades dominadas pela excisão, mas levando-se em conta a natureza do problema e da situação bloqueada que prevalece em outros locais, é bastante. E outros povoados se preparam.
No início de maio, encontramos em Thiès uma mulher de Fouta, no Norte do país, e um ex-deputado (PS) de Casamance, no Sul. Cada um por seu lado, tinha vindo encontrar as mulheres dos vilarejos emancipados para aprender como elas tinham quebrado o tabu, como tinham conseguido. Como ela e como ele, muitos senegaleses esperam com impaci