O cerco a Mayotte
Mayotte, a mais oriental das Ilhas Comores, é a herança do Império francês. Apartada das Ilhas Comores, decretada Departamento francês, ela tenta agora o caminho da reunificação – duro e cheio de obstáculos, como as viagens enfrentadas pelos imigrantes encantados pela terra prometidaChristophe Wargny
Quem conhece Maore, hoje Mayotte, uma de nossas heranças do Império, a mais oriental das Ilhas Comores, situada na entrada do canal de Moçambique?
Da Pequena à Grande Terra, as barcas dão o ritmo da respiração entre os dois modestos pulmões da Ilha: Dzaoudzi, a parte administrativa, e Mamoudzou, a parte comercial e popular.
Em quinze minutos, a pequena embarcação descortina as premissas de uma identidade: azul e verde, cortada por ilhotas, pródiga em árvores, impregnada de uma doce quietude. Uma população negra, pouco mestiça, de longe a mais meridional, de um islamismo visível, sem ostentação, nas vestimentas das mulheres. São os Malgaxes, índios, citadinos enfim. Muitas crianças. Barcos de passeio, numerosos carros, ainda que modestos. Nada que denote riqueza. Mas também nenhum sinal externo da privação que castiga alguns enclaves. Uma indolência tipicamente insulana. Língua francesa falada na escola e no serviço público, e o shocomori nas embarcações e em toda parte.
Um milhão de comorenses habitam no arquipélago. Três ilhas – Nzuani, Mwali, Ngazidja – formam a república de Comores tardiamente independente; a quarta, Mayotte, é um departamento francês. Ou quase. Uma “coletividade departamental”, com vocação para tal. A exceção, na França, produz sempre uma categoria. O referendo de julho de 2001 decidiu assim. Por dez anos. O tempo para implantar as normas sociais, jurídicas e escolares francesas, em uma terra de tradição oral e de direito corânico.
Tristes recordes
No caso das Ilhas Comores, Estado rima com golpe de Estado. Mais ou menos sangrento
Enquanto a França injeta mais de 160 milhões de euros em Mayotte, esta apresenta um recorde quádruplo: fecundidade africana (metade da população tem menos de 16 anos); escolaridade básica quase atingida, mas recente, com uma taxa de analfabetismo ainda importante; uma economia inteiramente dependente (a ilha importa 50 vezes mais do que exporta); por fim, o primeiro lugar na França, à frente da Guiana Francesa, em número de estrangeiros expulsos, sobretudo os comorenses vindos da ilha de Nzuani.
Tais recordes são herança da história e geografia de Mayotte. Em 1974, os comorenses se pronunciaram a favor da independência. Em massa. Os mahorenses, provavelmente os mais desprovidos do arquipélago, a recusam, influenciados por seus dirigentes, que desejam sobretudo evitar a dominação de Moroni e da ilha capital. A França conserva, portanto, um território ultramar, pobre, sem potencialidade comercial ou estratégica. Nada de burguesia branca, do tipo béké1, nada a ver com as antigas ilhas de cana-de-açúcar.
Que fazer? Durante muito tempo, nada. Ou muito pouco. Desenvolvimento mínimo. Esperança que Mayotte adira à República islâmica das Ilhas Comores? Uma associação de confederações a ser inventada? Para isso seria necessário vontade política.
A resposta vem, portanto, dos comorenses. O novo Estado reivindica Mayotte. Mas Estado rima neste caso com golpe de Estado. Mais ou menos sangrentos. O primeiro presidente comorense, Ahmed Abdallah, durou apenas alguns meses, mas voltou ao poder em 1978, com ajuda dos mercenários de Bob Denard, que executaram seu predecessor, Ali Soilih. Eles se livraram de seu patrocinador alguns anos mais tarde, em 1989. Mohamed Taki foi eleito em 1996 – democraticamente, diz a ONU – após uma nova onda mercenária, seguida de uma segunda intervenção militar francesa. Em 1999, o último golpe de Estado instala no poder Azali, único chefe de Estado privado do atestado de respeitabilidade – e portanto excluído do último governo franco-africano em 2001.
Espelho da Metrópole
O destino de Mayotte é decidido a priori. Que diabo ela iria fazer nesta turma comorense?
Esta revisão, nada exaustiva, não exclui as rivalidades inter-ilhas, devido à dominação da Ngazidja e seu monopólio dos (modestos) fluxos financeiros. Quando a estabilidade política não evita que o Senegal entre no clube aberto dos países menos avançados (PMA), não é difícil adivinhar como evolui um país politicamente instável e com matérias-primas de baixo valor. A queda do produto interno bruto (PIB) por habitante atinge 2,3% nos anos 90. Apesar da presença de uma diáspora cada vez mais numerosa, mas com uma taxa de crescimento da população próxima a 3% . Uma densidade de população que beira a 600 habitantes por km2 em Nzuani, e passa de 400
em Mayotte.
O destino de Mayotte é decidido a priori. Que diabo ela iria fazer nesta turma comorense? Vinte e cinco anos depois, o ministério de Ultramar, esta máquina de fabricar oásis no meio da privação, propõe um referendo.O fluxo financeiro da metrópole aumenta antes do escrutínio de 2001. As velhas casas em tijolo e chapa de aço de Mamoudzou são tapadas pelos bancos, pelas lojas novas, pelos edifícios dos serviços públicos. A Câmara do Comércio o disputa no hospital novinho em folha. Uma superposição sem gosto que deixa para a periferia as favelas da imigração. Pululam colégios, dispensários, antenas parabólicas e outros.
A imprensa local – o bi-hebdomadário Kwézi – noticia a chegada das celebridades nacionais, mas também os problemas que desgraçadamente se assemelham aos da metrópole: greves dos empregados da sociedade de hidrocarbonetos, concorrência entre o pequeno comércio e os supermercados (vindos da Ilha da Reunião…), o salário mínimo que deverá atingir o nível metropolitano.
Língua ignorada
Os primeiros diplomados vêem-se com razão funcionários pelo fato de não ter jamais existido uma classe de empresários
Mayotte se livrará desses recordes iniciais com o tempo. A Reitoria terá muito a fazer, dada à penúria, mas sobretudo em razão do fraco nível escolar, em um sistema que ignora a língua vernácula. O investimento em educação é indiscutível, estando colégios e escolas provisoriamente nas mãos de metropolitanos. Mas quando às 5 horas soa a primeira chamada do almuadem2, muitas crianças dirigem-se às medressas, para chegarem exaustos três horas depois à escola laica e obrigatória.
De todo modo incerta é a criação de riquezas exportáveis. O que adicionar à baunilha e ao ilangue-ilangue3? Certamente alguns turistas menos sós que hoje na “ilha da lagoa”. O sistema de assistência, motor único, já está nas cabeças. Se não fossem as normas fitosanitárias, os produtos hortenses de Nzuani poderiam ser importados.
A agricultura, que desconhece os inputs, não fornece alimentos. Os primeiros diplomados vêem-se com razão funcionários pelo fato de não ter jamais existido por aqui uma classe de empresários.
A invasão
A imigração, tão condenada nos discursos é praticada como nunca na realidade cotidiana
Mais aleatório ainda: a imigração. Condenada nos discursos, mas tão praticada na realidade cotidiana! A das pequenas empresas ou da nova classe média. Você ouve todo tempo: os nzuanenses aproveitam a infra-estrutura sanitária, paga com nossos impostos (mas 90% do orçamento local provêm do Estado francês). Murmuram em seu ouvido: os mahorenses, preguiçosos, procuram um ambiente doméstico cuja precariedade sabe à servilismo, com as pequenas empresas utilizando pedreiros e operadores de empilhadeiras baratos, enquanto o ramo da construção vai muito bem.
Os laços familiares e culturais são estreitos entre as famílias das duas ilhas. Não são eles parentes, irmãos, os que, com 200 euros por mês, ganham o triplo dos que poderiam esperar se encontrassem em sua terra um emprego? Para o governador local, ao contrário, Mayotte não precisa de mão-de-obra estrangeira. A formação da sua é suficiente para suprir as necessidades do desenvolvimento.
Nem a instauração de um visto em 1994 nem o reforço de medidas como radar e guarda-costeira fez diminuir o fluxo comorense. Mayotte passou de 42 000 habitantes em 1975 para … 120 000? 150 000? O censo de 2002 nos dirá? Quantos clandestinos? Um quarto? Mais? Quase a metade das parturientes no hospital de Mamoutzou é constituída de estrangeiras, portanto de nzuanenses. Para cada 200 expulsos toda semana, quantos chegam pela primeira vez, quantos reincidentes estão dispostos a correr todos os riscos?
Poucas inspeções em pleno mar, de preferência blitz nos bairros pobres ou contra camelôs ilegais. A repressão, a retenção e os cuidados com os estrangeiros custam dez vezes mais que a ajuda francesa, pública ou privada, devolvida ao restante do arquipélago. Uma soma que aumentará em 2002. Mais rápido que o orçamento destinado à cooperação para o “ambiente geográfico”, no entanto, conceito-chave de todos os discursos dos ministros. “Nossos DOM4 devem se integrar à sua região”, repisa a voz oficial da França. A mais nova “coletividade departamental” dispõe para isso de 500 000 euros anuais. O preço de um colégio, um único.
A viagem
Nem a instauração de um visto em 1994 nem o reforço de medidas como radar e guarda-costeira fez diminuir o fluxo comorense
O Tratringa leva a Moutsamoudou em oito horas. Uma multidão de homens, mulheres e de objetos heteróclitos. Tudo o que é possível transportar: botijões de gás, cadeiras de jardim, colchões, aparelhos de televisão, malas e trouxas gigantes. Desde as 7 horas, barganha-se a bordo com o segundo contramestre o valor da carga de cada.
Às 9 horas, todos estão fora do navio, alinhados no único terreno aplainado de Dzaoudzi sem árvores! Calor insuportável; clientes exclusivamente nzuanenses. A polícia local inspeciona a tripulação, finge que acredita que os treze marinheiros exigidos pelas normas francesas são mesmos marinheiros. Leva, à sombra do posto, uma hora e trinta minutos para examinar a lista dos passageiros. Finalmente o embarque. As amarras são soltas. Não! Um comboio de furgões da polícia traz uns quarenta passageiros de última hora: todos homens e jovens. Os nzuanenses expulsos completam a carga. Muitos voltarão, mesmo como clandestinos.
Moutsamoudou. O cais leva ao mercado. Velhos Peugeot bamboleantes liberam gás carbônico. O odor de cravo-da-índia resiste ao dos escapamentos. Talvez porque junto com a baunilha e o ilangue-ilangue constitua o essencial das exportações da ilha.
A regressão
A polícia traz uns quarenta passageiros de última hora: todos homens e jovens. Os nzuanenses expulsos completam a carga. Muitos voltarão, mesmo como clandestinos
A Medina abriga a burguesia comercial, que negocia condimentos, essências e objetos manufaturados. Nas vielas, volteiam as chiromani das mulheres – vastos xales vermelhos, com estampas em xadrez, flores e arabescos brancos. Máscaras de beleza, mistura de cascas perfumadas e de corais, protegem-nas do sol generoso. A capital é um pequeno burgo que se estende ao longo do mar e parte mansamente ao encontro das colinas. A presidência aí reside modestamente. Há quatro anos, a ilha é independente. Ao menos, ela proclamou unilateralmente sua separação da república única e tão divisível de Comores.
Após a independência comorense, Nzuani fornecia ao arquipélago uma grande parte
dos funcionários e continuava até a escolarizar os colegiais mahorenses. Com o fim dos anos 90, a ilha regride. Indiscutivelmente. O curso errático das matérias-primas não explica tudo. A centralização forçada, em proveito de Moroni, torna-se pesada, esquentada por uma sucessão de golpes de Estado – mais de 25 tentativas em 25 anos, o 26º, em vão, em 17 de dezembro de 2001 na Ilha de Noheli. Não mais iniciativas econômicas ou de turismo. Garantias de praias virgens.
O desamparo
A centralização forçada, em proveito de Moroni, torna-se pesada, esquentada por uma sucessão de golpes de Estado – mais de 25 tentativas em 25 anos
Apesar da mortalidade infantil elevada, a natalidade atinge recordes, mesmo se comparada à do continente: mais de seis crianças por mulher. A população dobra cada vinte anos. Em Nioumakélé (literalmente, interior ou terra dos atrasados), bandos de crianças freqüentemente raquíticas, campos onde se agitam centenas de braços, colinas com erosão avançada, multidão colorida de mulheres nos mercados, ao mesmo tempo compradoras e vendedoras.
Até 1995, os mais providos dispunham de um escoadouro natural: Mayotte. Partindo para uma cerimônia, uma operação comercial, um problema de saúde, um trabalho temporário, os nzuanenses, voltavam, em sua grande maioria. A obrigatoriedade de visto quebra, legalmente, toda relação no arquipélago.
Jovens com problemas de identidade, recrutados por políticos ou aventureiros que se vêem como reizinhos, proclamam a independência de Nzuani em 1997. Reivindicação muito popular, que afasta de Moroni, suserano sem piedade, e aproxima Mayotte da França, julgada generosa. A ingenuidade dos “unificadores”, que lutam contra o exército comorense, se inspira nas intervenções francesas precedentes. Ainda que todos falem a língua derivada do swahili, é o francês a língua da escola e de todos os textos.
Um referendo ratificou em 99% a independência. Os estrangeiros são chamados de m?zoungou. A França recusa qualquer mediação, deixa a Organização da União Africana (OUA) decretar um embargo que desestabiliza uma economia comprometida. Uma epidemia de cólera aumenta o desamparo. Os antagonismos subjacentes aparecem, ao mesmo tempo que as armas e as milícias: os matsaha, os da terra baixa, rebelam-se contra a burguesia mestiça árabe das cidades, antes de se unirem aos embargos. Assim são chamadas as diferentes milícias separatistas, que desafiam o embargo e até iniciam em 1999 uma verdadeira guerra civil. Uma linha de frente separa Moutsamoudou de Mirontsi!
Deserto cultural
Jovens com problemas de identidade, recrutados por políticos ou aventureiros que se vêem como reizinhos, proclamam a independência de Nzuani em 1997
Os cérebros fogem. O recrutamento de funcionários substitui as milícias debilitadas. De todo modo, o Estado não paga mais. Vinte e oito meses de salários atrasados de docentes! A ditadura do coronel Saïd Abeid, antigo oficial das Forças Armadas francesas, quatro tentativas de pronunciamento somente em 2001, arbitrariedade e a corrupção provocam na população uma grande lassitude. A polícia, por sua vez, toma o poder. E permanece nele, negociando com Moroni um penoso retorno ao rebanho.
Aqui não há a mínima informação independente. Pouca vida política, além da clandestina. A livraria La Bouquinerie de Moutsamoudou, único ponto de venda de Nzuani, oferece revistas francesas alinhadas ao pensamento dominante, de três meses atrás, ao lado de alguns romances. Deserto cultural, mas de uma dignidade surpreendente. Só o mercado ressoa com uma colcha de retalhos composta de músicas africanas, árabes e européias.
A metade da população do Nioumakélé vive em meio a grande pobreza, com uma renda irrisória, apesar da cotação dos condimentos estar em alta há um ano. Contudo, não há mendigos. A solidariedade da vizinhança e da família nivelou as desigualdades. No entanto, as políticas conjuntas de Paris via Mayotte, de Moroni e dos aprendizes de feiticeiros nzuanenses conduzem ao impasse desde 1995. Com ou sem visto, a saída é o êxodo em direção a Mayotte, distante 80 quilômetros, visível da cornija de Domoni com tempo claro.
O êxodo
A metade da população do Nioumakélé vive em meio a grande pobreza, com uma renda irrisória, apesar da cotação dos condimentos estar em alta há um ano
Dez mil são expulsos de Mayotte por ano, sem contar algumas “partidas voluntárias”, remontando a 30 000, saindo de todos os pontos da ilha. Ponto central: Domoni, antiga capital dos sultãos, com a Medina ao fundo e casas esmaecidas nas colinas. De um lado e outro da rodovia Abdallah, o ditador que imaginou uma grande fita de betume ligando sua residência ao centro da cidade. Iniciou-se pela terraplenagem central, iluminada por postes (a metade da população não conhece eletricidade, a outra sofre com os cortes de energia). O assassinado do déspota paralisou as obras. À noite, bandos de estudantes aproveitam a iluminação para fazer a lição. Cerca de trinta agências organizam saídas de kwassa kwassa, na costa oriental da ilha. Canoas de fundo raso, equipadas com um ou dois motores fora da embarcação e mal aflorando a água, partem sem fazer alarde. A polícia local não tem mais nada a dizer. No máximo exige às vezes alguns m?karakara, a propina local.
Nesse dia são duas dúzias que esperam a carga do último barco vindo do interior, de Adda-Douéni. Conversa fiada. Nem inquietação, nem precipitação. Muitos camponeses, vindos do interior, sem conhecer o mar. Ei-los agora que patinam em uma cordilheira de rochedos basálticos. Mar de óleo. Os homens escolheram as roupas de domingo; os jovens, jeans e camisetas limpas. As mulheres vestem seus chiromani, e também no rosto. Com a poligamia em progresso, suas chances de se integrarem definitivamente em Mayotte são maiores. Tidas como dóceis, podem esperar encontrar marido.
Uma pequena valise para cada. Bolsa, saco plástico ou malas executivas: tudo que lembre um verdadeiro mahorense. Alguns litros de água. Duzentos litros de combustível, às vezes uma bússola, mas nenhum meio para definir sua posição. Nenhuma caixa de ferramentas. Nenhum colete salva-vidas, salvo às vezes para os pilotos. O barco – em princípio, uma espécie de embarcação achatada equipada para pesca e transporte de duas ou três pessoas – está superlotado. Vislumbra-se, através da bruma, a terra prometida.
As agências kwassa ? São as empresas mais prósperas da ilha. Não há serviços públicos. Fortunas feitas mais rapidamente que com a pesca do bonito e da lagosta em um mercado pequeno e pouco viável, mas permeada de altos riscos! Para os passageiros. E para os pilotos.
Bastam seis viagens para amortecer o investimento, sobretudo porque os motores são roubados pelas gangs locais. Marinas obrigam. Uma travessia rende cerca de 1 500 euros. Em Bambao, o proprietário-piloto, funcionário em algum lugar, constrói sua sétima casa. Foi preso e multado pela polícia mahorense na sexagésima viagem. O setor kwassa emprega centenas de pessoas: pilotos, compradores, fornecedores, construtores, mecânicos, ainda que a manutenção seja incerta…
Mortes sem visto
Dez mil são expulsos de Mayotte por ano, sem contar algumas “partidas voluntárias”, remontando a 30 000, saindo de todos os pontos da ilha
Kwassa kwassa significa “isso balança”. Basta o efeito de uma onda mal avaliada, um grão, uma cortina de bruma, um banco de corais ao redor de Mayotte ou a chegada dos policiais franceses para que os balanços se transformem em deriva ou em naufrágio. Milhares de desaparecidos desde a independência! Pior que a malária, a epidemia mais grave do país. Em 16 meses 181 mortos, a crer nos dados do Observatório da Imigração Clandestina Nzuanenses (OECA) .
Por falta de visto, não é o caso de alugar as sólidas embarcações que atracam em Dzaoudzi. Os nzuanenses procuram as agências. Elas não estão sujeitas a nenhuma regulamentação. Nenhuma garantia além da qualidade dos pilotos… ou a vontade destes de viver. Bem pagos, alguns desejam se livrar o mais rápido possível da carga. Prontos para abandoná-la nos bancos de corais. Não desviar do caminho e, sobretudo, não ser preso! Isso custaria seis meses de prisão e a destruição do kwassa.
Mas a OECA poderia bem mudar de acrossemia, pronta para receber um já existente: OMC. Observatório das Migrações Comorenses. O sucesso dos kwassa é tanto que, de outras ilhas do arquipélago, chegam por barco em Nzuani novos candidatos. Aos menos favorecidos das primeiras viagens reúnem-se agora os representantes de outras classes.
Sociais. Com a esperança “de ir ao paraíso sem morrer antes de chegar”, como diz um recente adágio local.
Os edifícios oficiais espalham-se nos terrenos vagos, com ar inacabado, navios incapazes de atracar por falta de um porto de águas profundas: Moroni parecia ter vestido uma djellaba5 grande demais para ela. A capital do arquipélago parece a rã de La Fontaine. Em negro, cercada por lavas vomitadas pelo Khartala, senhor imprevisível e imóvel da ilha.
Promessas vazias
Pior que a malária, a epidemia mais grave do país são os naufrágios, na aventura perigosa dos kwassa kwassa
Ao menos, a Grande Comora comemora o retorno da mídia. Vive-se menos mal, graças ao enorme aporte da diáspora no Sudeste da França. Fala-se. O coronel Azali, proclamado presidente, procura um atestado de legitimidade. A comunidade internacional favorece a impunidade. O conceito de reconciliação nacional faz furour, reforçado grandemente pelo consenso de circunstância e de emergência da sociedade civil, combinado por ameaças ou promessas financeiras (esquece-se de bom grado, no meio dos dirigentes políticos, que o dinheiro novo do Banco Mundial significa necessariamente novas dívidas).
Uma nova constituição, bastante federal, deveria reconciliar todos. E levar, após o referendo positivo (76%) de 23 de dezembro de 2001, à União dos Comoros. Cada ilha terá em breve seu presidente e a União o seu. Fim do centralismo grande-comorense. Os militares, os de Moutsamoudou ou de Moroni, conservarão suas prebendas. Os comorenses já usaram várias constituições, às vezes sem se servir delas. A última só durou três anos.
Serão as forças centrífugas desarmadas, e aos auto-proclamados senhores concedido um atestado de honra? No sufrágio universal de abril 2002? Em um país sem tradição democrática, os partidos nunca se diferenciam por seus programas, mas pelos laços familiares ou de clãs. As sessões do “comitê de acompanhamento do acordo de base para a reconciliação de Comores” são um mau agouro para os cidadãos.
Esperanças
Em um país sem tradição democrática, os partidos nunca se diferenciam por seus programas, mas pelos laços familiares ou de clãs
Há, no entanto, fora de partidos políticos, militantes engajados na transformação da sociedade. Eles evitaram dar crédito a um processo incerto. A saída do túnel não constitui essencialmente uma questão constitucional, mas de projetos e atos. Tais quais os de Ali Hamadi que preside os sandouk, cadernetas de poupança que reúnem milhares de poupadores e injetam milhões, sob a forma de pequenos empréstimos acessíveis a todos. Ou Achirafi Ahamed e Ascodef, que desenvolvem o planejamento familiar e conclamam os estabelecimentos escolares a abordar a educação sexual, o Estado a promover enfim um código da família. Ou ainda Zahara Toyb e seus amigos da Rede Mulheres, que, sem contar com pessoal permanente, reúne 150 associações. Seus objetivos: a alfabetização, a saúde, a iniciação econômica, os direitos das mulheres… Esses lutam sem o apoio do Estado. Mas identificam perfeitamente seus adversários: a corrupção cotidiana e o terreno que ela oferece ao fundamentalismo.
Cérebros perdidos
Há, no entanto, fora de partidos políticos, militantes engajados na transformação da sociedade
A política do visto não é somente idiota e má. É também contra-produtiva, por estimular a imigração contínua e sem controle
Quando a França recusa receber os bacharéis comorenses, que não dispõem de universidade em sua terra, eles se vão para outros lugares: Líbia, Egito e Sudão, pelo viés de organizações não governamentais financiadas pela Arábia Saudita. Cada um pode avaliar com que estado de espírito alguns retornam. Há na Ilha de Reunião um estabelecimento batizado de Universidade do Oceano Índico. Praticamente fechado aos bolsistas comorenses. Tanto políticos quanto militantes repetem: a França e a francofonia não aprenderam nada com o 11 de setembro de 2001?
A resposta é não. Mesmo na embaixada, sabe-se que se está desamparado. A África não está mais na moda. Os meios são irrisórios. Mil docentes metropolitanos em Mayotte, dois ou três podendo vir para Nzuani, se tudo correr bem…
“Como é possível visar o co-desenvolvimento sem troca de experiência humana? É uma contradição”, diz Paul Vergès, presidente da região da Reunião . Com ou sem nova constituição, os comorenses não sairão desta sozinhos. As desvantagens acumuladas tornam-se maiores devido ao egoísmo mahorense, amante inútil, motivo de frustrações e de explosões. A política do visto não é somente idiota e má. É também contra-produtiva, por estimular a imigração contínua e sem controle.
Tudo por Mayotte. Depois do porto, o centro hospitalar e os estabelecimentos técnicos, o aeroporto internacional? O resto, prometido a perder de vista e sem compromisso. Nada a compartilhar. A França freqüentemente manifestou-se aos comorenses por meio de golpes de mercenários, emprestados, tolerados ou caçados, de acordo com as circunstâncias. Poderia, desde Mayotte e Reunião, fazer o que diz: exportar conhecimento e know-how, renovar equipamentos, incentivar investimentos e parcerias. Trocar. Cooperar. Dar aos nzuanenses boas