O desabamento do edifício em São Paulo e a austeridade fiscal
O drama social das classes menos favorecidas está relacionado com a opção de política econômica colocada em prática pelo governo atual, que elegeu setores a serem afetados com a contenção e os cortes no gasto público
Em artigo publicado no site do Le Monde Diplomatique Brasil (14 nov. 2017), Adilson Soares, Marcos Boulos e Nelson R. dos Santos asseveraram que a política econômica austera presidindo e subordinando as políticas sociais, centrada no ajuste fiscal por meio de cortes nas despesas primárias e no compromisso com o pagamento em dia da dívida pública, poderia provocar aumento das estatísticas de morbimortalidade.
Os autores apontaram que, entre as várias consequências dessa política, estariam “graves retrocessos nas políticas sociais com impactos diretos na saúde física e mental dos cidadãos”, e concluíram, à época, que a sociedade sentiria os efeitos do que chamaram de austericídio fiscal do governo Michel Temer.
Um dos exemplos da aplicação dessa política pôde ser verificado, na prática, em documentos exibidos pela TV Globo (programa Jornal Hoje de 5 de maio, por exemplo) em que a então superintendente do Patrimônio da União em 2016, Cláudia Fellice, em resposta ao Ministério Público, diz que solicitou providências do governo federal acerca da situação de abandono do Edifício Wilton Paes de Almeida. Ela declarou ainda que seria necessário contratar empresas para fazer mudanças, guardar móveis e oferecer segurança para o local, e ouviu que essas providências não seriam possíveis porque “o país atravessa uma crise financeira e a ordem é economizar e cortar despesas”.
Estudo realizado sobre a execução do orçamento do governo federal corrobora a afirmação da superintendente de Patrimônio da União à época ao demonstrar que o setor da habitação observou uma queda importante (67%) de sua participação percentual no montante total de recursos do orçamento federal gastos (empenho) em 2015 em relação ao orçamento aprovado para o exercício de 2018 (1,15% e 0,38%, respectivamente). Outras políticas sociais também observaram queda de sua participação relativa no orçamento federal (assistência social, 8,4%; previdência, 1,6%; trabalho, 6,5%; saúde, 8%; e educação, 17,3%). Em contrapartida verifica-se aumento da participação relativa do déficit fiscal do governo federal de 1,8%; aumento do pagamento dos Encargos Financeiros da União (EFU – relativo somente a juros e amortização da dívida interna e externa) de 8,7%; e aumento significativo da participação do refinanciamento da dívida pública no orçamento federal de 53,5%.
Fonte: Elaboração própria com base em dados do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão.
Com base nos resultados desse estudo é possível verificar a prioridade dada pelo governo federal à execução da política fiscal e ao alinhamento do orçamento à política anunciada pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, quando assumiu o cargo: “A prioridade hoje é o equilíbrio fiscal… vamos dar prioridade à questão da dívida pública”, e em seu pronunciamento na 46ª reunião plenária do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social: “O importante é que cortes de despesas sejam definitivos, como, por exemplo, a PEC do Teto, que é um programa de vinte anos”.
Neste cenário, o drama social das classes menos favorecidas – que sentem o recrudescimento dos indicadores sociais, como a mortalidade infantil, que subiu 2% em 2016 em relação a 2015 (dados do Observatório da Criança e do Adolescente da Fundação Abrinq); a queda na construção habitacional para famílias de baixa renda (dados do jornal O Estado de S. Paulo apontam que o governo federal se comprometeu com apenas 13,5% da meta estabelecida para 2017); e o desabamento do Edifício Wilton Paes de Almeida, no centro da cidade de São Paulo, que abrigava 455 moradores e ocasionou sete mortes e dois desaparecidos até o fechamento deste artigo – está relacionado com a opção de política econômica colocada em prática pelo governo atual, que elegeu setores a serem afetados com a contenção e os cortes no gasto público.
Há, no entanto, economistas que se contrapõem à utilização de políticas eminentemente austeras em períodos recessivos, porque entendem que cortar despesa pública em momentos em que a demanda efetiva já está reduzida não contribui para a reversão das tendências declinantes da taxa de lucro, da atividade econômica e do desemprego, a médio e longo prazo, e sustentam que a realização de investimentos em áreas sociais é estratégica, nesse período, por ser uma forte multiplicadora econômica.
No Brasil, indicadores recentemente apresentados atestam a ineficácia da aplicação de políticas austeras para a retomada do crescimento, a redução do nível de desemprego e o desenvolvimento social. A redução relativa dos gastos do governo em áreas sociais, verificada neste estudo, contribuiu para um reduzido crescimento do PIB (1% em 2017, em relação ao rebaixado PIB de 2016 de 3,6%), acompanhado de um aumento de 1,3 milhão de trabalhadores subutilizados na economia brasileira no primeiro trimestre de 2018 em relação ao quarto trimestre de 2017 (27,7 milhões de trabalhadores subutilizados em 2018, contra 26,4 milhões de 2017).
Romper com a armadilha da gestão de metas, indicadores fiscais e planejamento a curto prazo, sob a égide e o “tacão” da Emenda Constitucional 95, que impõe a contenção de gastos primários pelos próximos vinte anos, e investir em áreas sociais como estratégia e condição para a retomada do crescimento econômico e desenvolvimento social, pari passu, a médio e longo prazo, é tarefa prioritária a ser enfrentada pelo próximo governo.
*Adilson Soares é economista, especialista em finanças, orçamento, administração e saúde pública, doutor em Saúde Coletiva pela Unicamp, professor de Políticas de Saúde e Economia da Saúde no Programa de Pós-Graduação em Ciências da SES/SP, membro da Associação Brasileira de Economia da Saúde (ABrES) e da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e autor do livro O subfinanciamento da saúde no Brasil: uma política de Estado, os governos FHC, Lula e tendência do governo Dilma (Saarbrücken, Novas Edições Acadêmicas, 2015. v.1).