O desencanto da juventude
Qual o número de jovens que participará das eleições legislativas? Em Teerã, o clima que predomina entre a juventude é o de desilusão com o sistema político e de rebeldia com algumas restrições sociais, mas não em relação à religiãoWendy Kristianasen
Noushin tem 22 anos e é jornalista na Tehran Avenue, uma revista eletrônica cultural muito badalada. Ela tinha 16 anos quando Mohammad Khatami subiu à Presidência, em 22 de maio de 1997, içado ao poder por 20 dos 30 milhões de votos (para um eleitorado de 33 milhões). O movimento pelas reformas (dovvom-e khordad) baseava-se na “sociedade civil”, assim como no respeito pela legalidade e pela liberdade de expressão. Durante sua campanha, Khatami destacou a necessidade de reunir as aspirações dos jovens e das mulheres. Posteriormente, os reformistas venceriam as eleições municipais e parlamentares de 1999 e 2000, bem como a presidencial, em junho de 2001 (com mais de 77% dos votos).
Desde então, salienta Noushin, não mudou muita coisa para os jovens de Teerã. “Este regime soube tocar nos pontos vulneráveis das pessoas, como a religião, o temor a Deus, a superstição. No tempo de meus pais, havia gente que gostava da idéia de uma volta às tradições, mas a maioria sentia que já tinha conseguido bem mais do que o esperado. Na adolescência, observávamos as reações de nossos pais e ficou ainda mais difícil para nós distinguirmos o bem e o mal. Inconscientemente, as pessoas começaram a rejeitar a política em bloco, associando-a a uma imensa mentira. E aquilo que era novo em 1997 logo se tornaria maçante, devido à ausência de mudanças.”
EUA: exemplo de liberdade
Noushin reconhece que, naquela época, se interessava “um pouco” pela política. “Atualmente, porém, as pessoas mais jovens do que eu se desinteressam completamente e condenam a República Islâmica. Nós nos tornamos todos diplomatas: você joga segundo as regras do jogo para conseguir aquilo que você quer”.
Até 90, somente uma minoria que ia estudar no exterior tinha contato com o Ocidente. Mas este chegou maciçamente, através das antenas parabólicas e da Internet
Até a década de 90, somente uma minoria que ia estudar no exterior tinha contato com o Ocidente. Mas este chegou maciçamente, através das antenas parabólicas e da Internet, influenciando a juventude iraniana. “Para nós, os Estados Unidos simbolizam a liberdade”, acrescenta Noushin. “Todo mundo quer ir viver lá, ou pelo menos visitar o país e divertir-se. Chegam a imaginar que lá o racismo é desconhecido e que os dirigentes políticos não são impostos. Além do mais, somos melhor aceitos nos Estados Unidos do que na Europa, onde nos sentimos estrangeiros.”
Na rua, os cafés são o ponto de encontro mais importante para rapazes e moças, que ali se reúnem em grupo ou em casais. “Mas você só vê isso em Teerã”, explica Behrang, com um ar triste – ele não passou no vestibular para a Universidade de Teerã e continua atualmente seus estudos de veterinária em Tabriz1.
Rejeição ao código islâmico
Os guardas da ordem islâmica – principalmente os basiji – estão menos tensos nos dois últimos anos. Os rapazes que querem estar “na onda” usam cabelos compridos; as moças rejeitam ao máximo o tradicional código islâmico: calça, casaco e cachecol. A cor preta é reservada ao tchador – o véu das mulheres muçulmanas – mas também é a cor preferida pelas meninas, que gostam de usar seus casacos curtos e justos.
Nas proximidades do centro da cidade, na avenida Motahari, uma jovem, empoleirada em sapatos de salto alto, cor de laranja e brilhantes, exibe uma bolsa também cor de laranja, um cachecol (mínimo) também laranja e um casaco curtíssimo, que apenas cobre seu traseiro. Sem esquecer o rouge, também laranja e brilhante. O desafio em pessoa.
Não muito longe dali, no parque Laleh, quatro rapazes tocam violão naquela tarde ensolarada de inverno. Perto deles, uma bela moça desliza, de maneira esquisita, em seus patins de rodas. Chama-se Karina, tem 22 anos e é armênia. Fez um curso técnico de contabilidade num colégio profissionalizante e descolou um emprego de escritório. Veste um casaco curto, justo, bem como um cachecol azul brilhante que solta uns anéizinhos brilhantes, roxos, que lhe chegam até a cintura.
Festas com discoteca
Os rapazes que querem estar “na onda” usam cabelos compridos; as moças rejeitam ao máximo o tradicional código islâmico: calça, casaco e cachecol
“Aqui dentro só tem os guardas encarregados de cuidar dos parques, não tem basiji”, explica. “Do lado de fora, os muçulmanos saem com suas roupas muito mais justas do que aquelas que nós usamos”. Em seguida, acrescenta: “A vida é muito maçante por aqui: não há nada para fazer, não há onde ir. Eu não gosto de cinema: só passam filmes sobre a vida de verdade, mas para isso já basta a minha”. Próximo dali, grupos de jovens estão sentados em torno de mesas, as moças de frente para os rapazes. Nos bancos do parque, rapazes e moças se dão as mãos tranqüilamente.
Mas a badalação que realmente agita Teerã são as festas com música de discoteca, organizadas nas casas das próprias pessoas, às vezes com bebidas alcoólicas, em residências não tradicionais. Noushin considera-as “únicas”: “Trata-se de grupos sociais muito fortes, pessoas que têm uma certa intimidade entre si”. E contam com segurança própria, ficando protegidos de qualquer ingerência externa.
Maryam, de 14 anos, ainda no colégio, adora cafés, pizzarias, bares em que se comem hambúrgueres e, evidentemente, festas. Ela e suas amigas inventaram um vocabulário próprio2 : “legal” se diz “mais”, “conectado” é “Titanic”, “aula”, “ba-klass”, “policiais” são “cactos”, “agentes secretos”, “pombos” e assim por diante. Acima de tudo, ela gosta do Arian, principal grupo pop iraniano e que tem grande sucesso comercial (vendeu mais de meio milhão de seus dois álbuns, em CD e vídeo). Sua originalidade: três cantoras em hijabs3 de cor creme que, dessa forma, desafiam a segregação e abrem um novo espaço para as jovens iranianas sonharem.
Alternativo e restrito
Aqueles que têm menos de 23 anos, vivem o aqui e agora e não consideram nada sagrado, nem mesmo o sexo. É só uma coisa que acontece, algo temporário
Por sinal, essa música comercial é um pouco desprezada pela moçada “superlegal” que dirige a Tehran Avenue e toma a iniciativa de organizar competições de música clandestina entre grupos experimentais (pop, rock, fusion), o que raramente ocorre em lugares públicos – os organizadores não ignoram que as autoridades os vigiam de perto, mas, como se dirigem a um público marginal, não mexem muito com eles.
Quanto mais alternativo você for, mais restrito será seu público e mais você ficará tranqüilo. O site da Tehran Avenue4 (em persa, mas também em inglês, para a segunda geração de iranianos expatriados) conta, muitas vezes de maneira irreverente, o que rola em Teerã: filmes, peças de teatro, exposições, concertos. Também tem artigos on line: um deles mostra uma equipe de futebol feminino de Teerã (que usam hijabs pretos sobre suas camisetas de cor vermelha gritante), outro fala de sexualidade, da Aids e traz uma entrevista com o dono de uma loja de preservativos (legais e disponíveis).
Noushin distingue duas gerações entre os jovens de Teerã: “Os mais velhos, de 23 a 30 anos, parecem valorizar o caráter sagrado do sexo, como algo que deve ser praticado por amor e de longa duração, uma coisa séria. Em compensação, aqueles que têm menos de 23 anos, vivem o aqui e agora e não consideram nada sagrado, nem mesmo o sexo. É só uma coisa que acontece, algo temporário. Para essa moçada que cresceu junto, a virgindade parece já não ter a menor importância.”
“Casamento provisório”
No entanto, a vida é complicada mesmo para os “casais sérios”. Shirin, de 24 anos, fotógrafa bem-sucedido, explica: “Você pode ir ao cinema ou ao café com seu namorado, mas não pode viajar com ele ou levá-lo à casa de seus pais. Para isso, você tem que estar casada”. O Irã vem se esforçando para adotar um sistema bastante simples de “casamento provisório”, mas essa prática ainda é muito contestada. Portanto, Shirin e seu namorado tiveram que se casar, embora não tenham condições de comprar uma casa, “pois o casamento é uma exigência para poder viver com outra pessoa neste país. Nossa identidade gira sempre em torno da família: e isso não significa apenas nossos pais, mas nossas famílias, num sentido mais abrangente.”
Shahrzad, de 25 anos, é natural de Shiraz e trabalha em Teerã, em publicidade. É uma das raras moças que vivem sozinhas e têm seu próprio apartamento. “É duro”, confessa. “Meus vizinhos estão permanentemente vigiando minhas idas e vindas, tomando a liberdade de criticar minhas relações.”
Religião por tradução
Desinteressados da política, muitos jovens são religiosos. Para eles, a religião está presente em cada família, em proporções distintas, por uma questão de tradição
Alguns destes fatos são confirmados por Mohammad Sanati, professor de Psiquiatria na Universidade de Teerã, que dirige vinte e cinco grupos de terapia (cada um, composto de 12 a 15 pessoas, em sua maioria, jovens). Segundo ele, menos da metade deles se interessa pela política e 10% têm bastante raiva do assunto. Yassin, membro do grêmio estudantil até sua entrada na Universidade, explica: “Já não se leva a política a sério como nos tempos em que Khatami chegou ao poder. Talvez só uns 10% de estudantes ainda se consideram radicais.”
Em compensação, ainda segundo o dr. Sanati, muitos jovens são religiosos. Todos concordam que a religião está presente em cada família, em proporções distintas, por uma questão de tradição. Porém, se esses jovens rejeitam o sistema de valores de seus pais e se voltam para a religião, é inteiramente por vontade sua. É o caso de um jovem que faz uma peregrinação a Mashad levando uma corrente de ouro à volta do pescoço (e desafiando uma norma segundo a qual os homens só devem levar dinheiro). Gostam de descobrir outras culturas e estruturar a espiritualidade por si próprios. Resumindo: se os jovens de Teerã se afastaram, decididamente, dos valores tradicionais e da política islâmica, não rejeitaram a religião e, conseqüentemente, a fé…
(Trad.: Jô Amado)
1 – Em 2003, a proporção de vagas ocupadas por mulheres na uni
Wendy Kristianasen é jornalista.