O embalo guerreiro do presidente turco
Descontente por não ter obtido, em junho, a maioria necessária para reforçar seu poder, Recep Erdogan quer novas eleições legislativas. Para aumentar suas chances, o líder dos conservadores islâmicos endurece a repressão contra seus adversários.Akram Belkaïd
Sem
ele e seu partido, não há saída… No dia 11 de agosto de 2015, em um discurso transmitido pela televisão, Recep Tayyip Erdogan, usando um tom ao mesmo tempo marcial e paternalista, deu o sinal implícito da campanha para as eleições legislativas antecipadas que deveriam ocorrer até o final deste ano. Referindo-se, sucessivamente, ao fim do processo de paz com o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), à decisão de atacar militarmente o PKK e o Estado Islâmico e à necessidade de o Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP) governar sozinho para continuar realizando reformas, o presidente fez um balanço positivo. “Ele age como se não tivesse tido nenhum problema durante dois anos”, observa Taha Akyol, editorialista no Hürriyet, jornal de centro-direita. “O presidente relativiza até o fracasso do AKP na obtenção da maioria absoluta nas eleições legislativas de 7 de junho, dizendo que perdeu ‘apenas’ dezoito deputados.”
É verdade que a aura do ex-primeiro-ministro – eleito presidente em agosto de 2014 – desbotou, considerando que durante muito tempo ele aparecia como líder de uma renovação turca, tanto no plano econômico como no geopolítico. A repressão violenta dos manifestantes na Praça Taksim, na primavera local de 2013, revelou suas inclinações antidemocráticas. As perseguições a adversários e jornalistas considerados demasiadamente críticos tornaram-se quase sistemáticas. Por denunciar esse desvio autoritário e a ambição de Erdogan de aumentar o poder presidencial, militantes e simpatizantes do pregador Fethullah Gülen – instalado nos Estados Unidos – sofrem perseguição oficial há mais de um ano.1 A repressão também afeta os juízes que, em dezembro de 2013, abriram uma investigação sobre corrupção contra o círculo do chefe de Estado, incluindo vários ministros e seu filho, Bilal. Acusados de pertencer a uma “organização criminosa que tentou derrubar o governo pela força”, suspensos de suas funções, três procuradores tiveram de sair às pressas da Turquia no verão.
No plano geopolítico, “a gestão turca da crise síria é um fiasco, marcada por vários erros estratégicos”, explica Didier Billon, diretor adjunto do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas (Iris), da França. “Transformando a queda de Al-Assad em uma obsessão, a Turquia financiou vários grupos rebeldes sírios mais ou menos incontroláveis. Agora o país se encontra incapaz de desempenhar um papel de liderança na busca de uma solução diplomática e no estabelecimento de uma transição negociada.” Em janeiro de 2015, a decisão da Turquia de apoiar, com o Catar e a Arábia Saudita, o “Exército da Conquista” – que tem como um de seus componentes a Frente Al-Nusra, braço sírio da Al-Qaeda – parecia destinada a remediar a falta de solução para derrotar o regime sírio ou levá-lo a negociar.
“UMA ENORME BAGUNÇA”
Erdogan não soube apreciar o retorno do Irã a esse jogo regional, como destaca Jeremy Shapiro, cientista político do centro de pesquisa Brookings, em Washington: “O governo turco nunca acreditou verdadeiramente na possibilidade de um acordo sobre a questão nuclear iraniana”. Resultado: percebeu tarde demais que seu vizinho e rival Irã está prestes a se tornar um interlocutor de peso para os Estados Unidos. Mais que os atentados em solo turco atribuídos ao Estado Islâmico, foi sobretudo o desejo de fortalecer laços que levou a Turquia a aceitar, no dia 24 de julho, que os aviões da coalizão liderada por Washington contra a organização pudessem utilizar a base de Incirlik, no sul da Anatólia.
No plano interno, os resultados das eleições de junho representaram um grande revés para Erdogan, acostumado ao sucesso eleitoral desde a primeira vitória do AKP, em 2002. A formação islâmica conservadora continua a principal força política do país, mas, tendo perdido a maioria absoluta, precisa aliar-se a outro partido para governar. E, sem o controle de dois terços do Parlamento, uma emenda constitucional para reforçar os poderes presidenciais é impossível. Muitos observadores veem nesse fracasso a razão para o estabelecimento de uma estratégia de elevar a tensão, desde 24 de julho. Engajando seu país em uma “guerra sincronizada contra o terrorismo” – o que significa lutar contra o Estado Islâmico, mas especialmente contra o PKK –, o poder turco está motivado sobretudo por considerações eleitorais e pelo desejo de obter maioria absoluta convocando novas eleições.
O cálculo é simples: quebrando a trégua com o PKK, bombardeando suas bases de retaguarda no Curdistão iraquiano e prendendo milhares de militantes ou simpatizantes da causa curda, o governo dá garantias aos partidos nacionalistas reticentes ou francamente hostis ao processo de paz. Se isso não for suficiente para convencer o Partido Republicano do Povo (CHP), kemalista, ou o Partido de Ação Nacionalista (MHP), de ultradireita, a votar a reforma constitucional e, quem sabe, participar de um governo de coalizão – hipótese na qual Erdogan pouco crê –, ao menos pode levar alguns eleitores nacionalistas para o AKP.
Da mesma forma, as perseguições judiciais e ameaças de dissolução lançadas contra o Partido Democrático do Povo (HDP), uma coalizão de partidos de esquerda e formações pró-curdas, só podem ser explicadas pelo desejo governamental de evitar que seu sucesso eleitoral do dia 7 de junho se repita. Ultrapassando a marca (bastante alta) de 10% dos votos necessários para ser representado na Assembleia, o movimento não apenas conseguiu eleger oitenta deputados, mas impediu o AKP de obter a maioria dos assentos. Selahattin Demirtas, o carismático líder do HDP, não estava errado quando disse que o único crime de seu partido era “ter conseguido 13% dos votos nas últimas eleições”. A Justiça, estreitamente controlada pelo governo, colocou o líder do “Syriza turco” sob investigação por “incitação à violência” e “perturbação da ordem pública”, o que pode lhe render uma sentença de vinte anos de prisão.
Ao atacar o PKK e o HDP, Erdogan corteja o eleitorado nacionalista e também ajusta contas com a esquerda, cujas ideias progressistas ele odeia e a qual chamou de “escória”, após a mobilização popular em defesa do Parque Gezi, em maio de 2013, em Istambul.2 Ardoroso defensor do liberalismo econômico, ele abomina as propostas do HDP em matéria de proteção social e ambiental. Além disso, vê com maus olhos seu compromisso com a laicidade e não gostou que o partido o tenha acusado de interferir na vida privada, quando convocou as famílias turcas a “terem pelo menos três filhos”.
Sobretudo, avalia o economista Emre Deliveli, “essa estratégia de elevar a tensão e a violência política que ela gera deve beneficiar o AKP no plano eleitoral”. O especialista demonstra, com o apoio de estatísticas, que cada grande crise desde 2002 permitiu ao AKP angariar os votos daqueles que temem a desordem.3 Embora nada garanta que esse seja o caso agora, pesquisas publicadas em meados de agosto mostram um aumento das intenções de voto no AKP, que pode esperar ter a maioria dos assentos se o HDP ficar abaixo dos 10% de votos.
“É uma fuga incoerente e uma enorme bagunça”, avalia, por sua vez, um empresário turco, membro influente da Tusiad, organização patronal bastante reservada em relação ao AKP e muito longe de compartilhar as ideias antiliberais do HDP. “O cessar-fogo com o PKK era globalmente respeitado há dois anos. É lamentável que considerações de política interna reacendam um conflito que já fez mais de 40 mil mortos. Hoje, o país, sobretudo o sudeste, está em uma situação pré-insurrecional.” Outros empresários falam dos riscos de desestabilização do Curdistão iraquiano, no qual muitas empresas turcas estão instaladas e onde a propaganda do PKK acusa o presidente Massoud Barzani de ser controlado pela Turquia.
Questionado a esse respeito, um diplomata árabe lotado na capital turca não refuta o motivo eleitoral da ofensiva contra os curdos, mas dá outra explicação: “Muitos militares, incluindo alguns próximos ao AKP, estão soando o alarme há meses. Segundo eles, o PKK e seu aliado sírio, o Partido da União Democrática, aproveitam-se da situação na Síria. A Turquia quer impedir que um segundo Curdistão autônomo, sírio desta vez, nasça em sua fronteira”. Corrobora essa análise a nomeação para liderar o Estado-Maior das Forças Armadas, no dia 5 de agosto, do general Hulusi Akar, defensor da linha dura contra os separatistas curdos. O desejo de conter a crescente influência do PKK na Síria explica por que o governo turco está tão interessado na criação, em território sírio, de uma zona tampão de 100 quilômetros de comprimento por 40 de largura, de onde seriam expulsos não apenas os combatentes do Estado Islâmico, mas também as Unidades de Proteção do Povo Curdo (YPG).
“O povo curdo foi sacrificado no altar das ambições ultrapresidenciais de Erdogan e de sua incapacidade de ajudar a Síria”, avalia Mehmet Karer, jovem militante curdo do HDP que denuncia o amálgama formado pelo PKK e o Estado Islâmico. “As autoridades dizem estar em guerra contra o terrorismo. Mas é o PKK que está na mira. O Daech [sigla árabe para Estado Islâmico do Iraque e Levante] continua poupado pelo Exército, e ainda mais pela polícia.”
O poder turco continua minimizando o poder de fogo do Estado Islâmico, enquanto este é responsável pelo atentado suicida que, em 20 de julho, matou 32 jovens militantes de esquerda na cidade de Suruç. “O Daech e o PKK são duas ameaças à segurança nacional da Turquia. O PKK ataca civis e soldados turcos todos os dias. Portanto, é normal que nossa resposta seja diferente”, procurou justificar Cemaltettin Hasimi, chefe do gabinete de imprensa do primeiro-ministro turco, em uma coletiva em Paris, no dia 12 de agosto.
Para enfrentar as acusações de conivência com o Estado Islâmico, as autoridades turcas anunciaram ter interceptado e expulsado mais de setecentos “combatentes terroristas estrangeiros” (contra 520, em 2014) que tentavam entrar na Síria. Para Billon, a ruptura entre a Turquia e o Estado Islâmico estaria consumada desde a última primavera: “Embora os números não sejam verificáveis, é evidente que células dormentes do Daech estão organizadas na Turquia e podem facilmente recrutar entre os 2 milhões de refugiados sírios. Isso representa uma ameaça interna real”. Cético, um ex-ministro do presidente turco Suleyman Demirel (1993-2000) não mede palavras: “Erdogan escolheu a pior das estratégias ao atacar o PKK e não se empenhar contra o Daech. É o oposto do que deveria ter sido feito. Essa organização matou jovens que desejavam participar da reconstrução de Kobani. Ela humilhou nosso país, em junho de 2014, sequestrando cinquenta de nossos diplomatas. A Turquia corre o risco de, mais cedo ou mais tarde, ser pesadamente confrontada com a violência do Daech. Neste momento, o que vamos fazer? Pedir perdão ao PKK e implorar sua ajuda, porque, por enquanto, ele e seus aliados sírios são os únicos a intimidar os jihadistas?”. Esse é o mesmo raciocínio de Aaron Stein, pesquisador no Rafik Hariri Center for Middle East, em Washington: “Em última análise, criar duas frentes é tudo, menos lúcido. Do ponto de vista militar, isso dispersa as forças e priva a Turquia de um aliado potencial”.
Preocupada em utilizar as instalações militares turcas em sua luta contra o Estado Islâmico, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) deu seu aval às operações contra o PKK, que, em meados de agosto, teria feito mais de uma centena de mortos, incluindo civis do Curdistão iraquiano. O apelo aos Estados Unidos e à Europa parece pouco convincente, quando essas mesmas potências relutam em criticar abertamente a moderação turca em relação ao Estado Islâmico. “Esperamos a grande ação militar contra o Daech que vai provar que o tempo da conivência duvidosa terminou”, confirma o diplomata árabe, para quem Erdogan poderia manter esse estado de “verdadeira-falsa guerra” contra o Estado Islâmico até as próximas eleições, a fim de conservar seu eleitorado islâmico mais ou menos simpático aos jihadistas. Isso porque, como destaca Yezid Sayigh, pesquisador do Carnegie Middle East Center, em Beirute, “para entender o contexto atual, voltamos sempre à política interna turca”.
Autoritarismo, manobras eleitorais, isolamento diplomático crescente, aventureirismo militar: o custo das ambições de Erdogan só aumenta, correndo o risco de abrir um novo capítulo perigoso na história da Turquia.
*Akram Belkaïd é jornalista.