O general-presidente também é biógrafo
Lançada como sucesso nos Estados Unidos, a autobiografia de Pervez Musharraf tem atmosfera de mistério. Talvez para combinar com as ambigüidades do personagem…Jean-Luc Racine
Lançada em setembro de 2006, nos Estados Unidos, entre a Assembléia Geral das Nações Unidas e o encontro na Casa Branca com o presidente George W. Bush, a autobiografia do general Pervez Musharraf, In the Line of Fire, é um sucesso nas livrarias. Estruturada em 32 curtos capítulos, ela inicia com ares de romance policial, narrando o atentado feito contra ele em 14 de dezembro de 2003. No segundo seguinte, o narrador avança 11 dias no tempo. O cenário está montado: o general-presidente, alvo dos terroristas…
Nascido em 1943, em Délhi, o pequeno Pervez deixa a Índia com sua família, em 1947, durante a Partição [1]. Ele passará parte da sua infância na Turquia, onde seu pai trabalha na embaixada paquistanesa. A figura de Ataturk lhe será marcante. A criança levada acaba por entrar para o exército, onde sua coragem compensa uma compreensão moderada de hierarquia. Musharraf usa essa dualidade a seu favor, como se pode perceber no comentário feito por seus superiores: “Um líder excepcional mas também um oficial sem papas na língua e indisciplinado”. Um certo culto do eu, revestido de (falsa) modéstia, e a benevolência de Deus levam o velho comandante ao auge de sua carreira.
Ele é nomeado chefe das forças armadas em outubro de 1998. Inicia-se, então, a biografia política. Essa visa legitimar e fazer entrar para a história tudo o que ele fez na guerra de Kargil, em 1999, que permitiu a internacionalização da questão da Caxemira; o “anti-golpe de estado” conduzido por seu estado-maior contra o primeiro ministro Nawaz Sharif (o depõe sem aviso e quer proibir a aterrissagem de um vôo comercial vindo do exterior no qual ele está); o fracasso da reuniao de cúpula de Agra em 2001 sobre a Caxemira, atribuído ao Bharatiya Janaty Party (BJP, partido nacionalista hindu) que impôs sua vontade ao primeiro-ministro indiano, Atal Bihari Vajpayee (esse estaria pronto a assinar uma declaração conjunta). Depois, veio o 11 de setembro e a decisão de deixar os talibans escaparem para salvar o Paquistão da ira estadunidense.
Um ataque aos governos civis do Paquistão
Como era esperado, o general Musharraf denuncia, como fizeram seus antecessores golpistas Ayub Khan e Zia ul Haq, a negligência dos políticos civis que o antecederam. Põe em prática seu próprio método para “recolocar o sistema em funcionamento”. Gaba-se da “revolução silenciosa” das eleições locais de 2000; pede uma “democracia verdadeira”; fala do estatuto das mulheres; e toma para si o ideal de um Paquistão “islâmico, moderado e progressista” e possuindo o espaço que o país merece entre as nações.
A obra suscitou polêmica na Índia, no Paquistão e mesmo nos Estados Unidos. Richard Armitage, o número dois da Secretaria de Estado (EUA), o desmentiu e afirmou que nunca ameaçou levar o Paquistão de volta “à idade da pedra”, se o presidente paquistanês tomasse uma decisão que desagradasse a Casa Branca após o 11 de setembro.
É uma biografia à imagem de seu autor: deixa no ar um certo mistério. Musharraf, que nunca proclamou a lei marcial, não é um Zia ul Haq (antigo ditador). E está mais distante ainda de um Augusto Pinochet. “Exímio estrategista, com um fortíssimo senso tático”, utiliza sua experiência militar no seio do poder paquistanês e contra as pressões internacionais. Alguns de seus críticos duvidam da estratégia. Outros a aprovam, mas temem que as manobras táticas do general o prejudiquem. Nesse sentido, tanto a autobiografia quanto a política do general Musharraf ilustram perfeitamente as ambigüidades do Paquistão de hoje em dia.
Tradução: Márcia Macedo