O grande retorno do trem à África Oriental
O dinamismo do mercado de matérias-primas suscita uma forte demanda por infraestruturas de transporte na África Oriental. Após anos de abandono, as ferrovias atraem a competição entre investidores. Mas esse entusiasmo desordenado, que deve permitir o escoamento de minérios para os portos do Oceano Índico, vai beneficiar a população?
Dar es Salaam, Tanzânia, 12 de outubro de 2018. Com um orgulho não dissimulado, o ministro dos Transportes, Isack Aloyce Kamwelwe, recita um por um todos os quilômetros de vias férreas em construção em seu país. Com a ajuda de mapas projetados em uma tela e gráficos coloridos, ele descreve detalhadamente o traçado das futuras linhas, o número de estações, as toneladas de cimento e de lastro necessários na construção… Ele se demora minuciosamente no projeto de linha eletrificada que vai de Dar es Salaam – a capital – rumo à fronteira com a República Democrática do Congo (RDC): 711 quilômetros, 25 pontes, trinta túneis… Em seguida, fala da assinatura, em fevereiro de 2018, de um projeto de linha de 400 quilômetros ligando a Tanzânia a Ruanda. Custo: US$ 8 bilhões, que ainda não se sabe de onde virá.
A indigesta apresentação inaugura a nona East and Central Africa Roads and Rail Summit. Vindos de toda a região (Etiópia, Quênia, Uganda, Zâmbia, RDC), cerca de cinquenta investidores, pesquisadores, empresários e autoridades políticas fazem anotações em silêncio, enquanto espiam a tela de seus celulares. Entre eles, representantes de empresas e empresários turcos, chineses, israelenses, belgas, coreanos, japoneses, alemães, um representante da União Europeia e… uma jornalista. A cúpula foi organizada por uma empresa de eventos, a Magenta Global, com sede em Hong Kong.
Na Tanzânia, assim como em toda a África, a ferrovia faz seu grande retorno, após anos desaparecida em prol do transporte rodoviário. Por sua localização geográfica, a África Oriental concentra todas as atenções: ponto de contato com a Península Arábica, sua orla marítima também abre o continente para a Ásia. A imensa riqueza mineral da RDC, país gigantesco encravado no interior do continente, é escoada para o mar a fim de abastecer as grandes potências orientais, especialmente a China. Os grandes portos de Mombaça (Quênia), Durban (África do Sul) e Dar es Salaam estão quase saturados. Outros estão sendo construídos, como o de Lamu (Quênia), ou projetados, como o de Bagamoyo, ao norte de Dar es Salaam. “A demanda por transporte de mercadorias explode desde 2015”, explica Bruno Ching’andu, diretor executivo da Tanzania-Zambia Railway Authority (Tazara). “O tráfego proveniente de Kisangani e Kasai, na RDC, aumentou 18%.”
Com o aumento dos preços, o mercado de commodities (petróleo, ouro, diamante, bauxita, rutilo, madeira, cobre etc.) está em ebulição desde o início dos anos 2000, embora 2018 tenha marcado uma clara desaceleração. A produção congolesa está aumentando, sobretudo na província do Equador, rica em diamante, cobre, bauxita etc. Durante a guerra que devastou a RDC após a queda de Mobutu Sese Seko, em 1997, a produção caiu; as vias de comunicação foram danificadas.1 Com a relativa estabilidade que progressivamente o país alcançou, embora as eleições gerais de dezembro 2018 tenham sido contestadas e a porção oriental do país ainda esteja passando por uma grande violência, a extração e a exportação de suas riquezas aguçam os apetites.
Falta de coordenação
“É óbvio que é o cinturão de extração de cobre, o Copperbelt, que interessa aos investidores”, comenta Jovin Mwemezi, especialista na Comunidade da África Oriental (CAO). O Congo passou a receber propostas discretas de países da costa atlântica, pelo Corredor do Lobito, em Angola. Acessível por Kolwezi (RDC), esse corredor sofreu com a violência da guerra civil, tanto em Angola como na RDC. As perspectivas de estabilização política desta última são de grande interesse para as empresas de mineração, que hoje dedicam grandes somas para garantir a segurança das vias de comunicação, uma vez que os caminhões são frequentemente parados por quadrilhas rodoviárias e os trens são atacados por bandos na região de Kasai. O custo do transporte tornou-se uma questão crucial: na África, ele representa 50% do preço de um produto, duas a três vezes mais do que em outros lugares. Na porção oriental do continente, apenas um terço das estradas é pavimentado. Frequentemente malconservadas e dependentes do clima, elas não constituem o meio mais rápido e seguro de escoar minérios para os portos. Secas, inundações e buracos atrasam os caminhões.
Os esforços de construção de infraestrutura inserem-se no contexto de um mercado aberto no qual os governos africanos, financeira e politicamente frágeis, respondem às solicitações dos países estrangeiros e dos investidores. Ciente da oportunidade, o truculento e eruptivo chefe de Estado da Tanzânia, John Magufuli, autoproclamou-se “o presidente da infraestrutura”. A CAO tenta coordenar o movimento, mas ela não inclui a RDC, que faz parte da Comunidade Econômica dos Estados da África Central (Ceeac). Isso não impediu o país de adotar um plano diretor para o desenvolvimento ferroviário, e três corredores de desenvolvimento de comunicação foram projetados para a sub-região.2 No norte, a RDC será conectada ao Quênia (porto de Mombaça); no sul, à Tanzânia (porto de Dar es Salaam). A concorrência entre os dois está aberta, especialmente porque a China parece preferir Mombaça, que acaba de ser conectada à capital, Nairóbi, por uma via férrea de 472 quilômetros de extensão.
Porta de entrada para o mar, Uganda também é cortejada por países vizinhos e investidores. Os benefícios dessa situação revelam-se limitados pela necessidade de viver em harmonia com os vizinhos. “A ferrovia deve ser um fator de integração”, destaca Charles Kateeba, diretor executivo da Companhia Ferroviária de Uganda, que lamenta a falta de coordenação dos planos nacionais de desenvolvimento de infraestrutura. O risco político permanece: a decisão de criar o porto de Bagamoyo foi tomada apenas pelo presidente Magufuli. Seu objetivo é descongestionar o porto de Dar es Salaam, mas a relevância de sua localização não foi discutida. A construção está atrasada, assim como a do porto de Lamu, no Quênia.
Rede reflete herança colonial
Desde sempre, a infraestrutura é o ponto fraco do continente africano, e isso inclui as ligações internas. Ainda hoje, as redes de comunicação refletem o legado colonial: as costas, que eram estratégicas para a exportação rumo às metrópoles, são mais bem equipadas que o interior. As potências europeias investiram no transporte ferroviário a partir das áreas de mineração ou de produção algodoeira. A construção dessas linhas chegou a custar muitas vidas humanas, como ilustra o caso emblemático de Dakar-Saint-Louis-Bamako. Os requisitos de manutenção e reparo não resistiram ao empobrecimento dos Estados nem às privatizações desordenadas dos anos 1990-2000. As linhas existentes receberam pouca ou nenhuma manutenção. A ferrovia é tratada como cidadã de segunda classe: as estradas absorvem 80% do tráfego de mercadorias e 90% do transporte de pessoas.
Com o aumento do preço das commodities e dos investimentos chineses (ler artigo na pág. 34), a demanda por infraestrutura explodiu. A União Africana colocou o setor como principal prioridade de sua Agenda 2063 para o Desenvolvimento. “Os projetos se multiplicam”, confirma Hinrich Brümmer, diretor de transporte e mobilidade da consultoria alemã ETC Gauff, lembrando que, segundo o Banco Mundial, “um aumento de 10% na infraestrutura equivale a uma elevação de 1% no PIB”.
Menos destrutivo para o meio ambiente, o trem também é duas vezes mais rápido e permite transportar em um único carregamento grandes quantidades de minério por longas distâncias. As vias elevadas, os dormentes de concreto e o uso de lastro tornam-no mais resistente às intempéries do que a estrada. Mas a construção das linhas é cara: um quilômetro custa entre US$ 4 milhões e 5 milhões, 25% a mais que seu equivalente rodoviário.
“Faltam 10 mil quilômetros de ferrovias na África, o que exigiria US$ 25 bilhões de investimento por ano”, estima Lievin Chirhalwirwa, diretor de desenvolvimento de infraestrutura da Autoridade de Coordenação dos Transportes e do Trânsito do Corredor Norte. Os especialistas sabem: projetos tão grandes, que só serão rentáveis depois de quinze ou vinte anos, precisam de coordenação e apoio públicos. E é aí que está o problema: os Estados africanos saíram exaustos e desacreditados de trinta anos de neoliberalismo. Isso sem contar a má gestão de alguns potentados. Desde a morte de Julius Nyerere, em 1999, a Tanzânia socialista é uma sombra do que já foi. Mas, prova de que o mito continua, seus líderes sempre se referem ao pai da independência. Diante da dificuldade da empreitada, o representante da União Europeia, Jocelyn Cornet, zomba dos “aiatolás da ferrovia”.
Construir em vez de manter
O velho debate sobre a falta de infraestrutura da África voltou a ganhar impulso no novo contexto das relações Sul-Sul. Na Tanzânia, a empresa turca Yapi Merkezi venceu largamente a empresa chinesa (e outras quinze) para construir o trecho Dar es Salaam-Morogoro: 300 quilômetros de vias eletrificadas financiadas pelo Banco Mundial e o Estado da Tanzânia, primeira parte de um vasto plano ferroviário que vai até Kigoma, no Lago Tanganica, na fronteira com a RDC. A empresa conquistou a vitória em razão de seus orçamentos mais baixos e de sua conformidade com os padrões europeus, o que, além das garantias de segurança, facilita uma possível ligação com outros projetos internacionais. Hoje, a viagem leva 36 horas, incluindo as paradas e desacelerações; quando a linha estiver concluída, serão apenas seis horas.
A Yapi Merkezi ganhou fama no continente ao conquistar o mercado de bondes de Casablanca, no Marrocos, e o da ligação entre Dacar e o novo aeroporto internacional Blaise-Diagne, a 40 quilômetros da capital senegalesa. “Essa empresa faz parte da influência turca na África Oriental, através do Mar Vermelho e do Sudão”, explica um engenheiro marroquino que veio observar as obras como parte de um programa de treinamento. Como frequentemente ocorre na África, trata-se de uma linha de via única, que permite a passagem de apenas um trem por vez e serve tanto ao transporte de passageiros como de mercadorias.
A alguns metros dos primeiros trilhos novinhos em folha – de fabricação japonesa – apoiados em dormentes de concreto (em vez dos de madeira, frequentemente danificados pelas enchentes) e produzidos pela empresa turca, é possível notar, no meio do mato desordenado e dos redemoinhos de poeira, trilhos enferrujados. São os restos da linha construída no tempo da colonização alemã, depois britânica, da Tanzânia, entre 1889 e 1926. Essa linha ainda leva, ano após ano, as populações do centro do país em direção à capital. Os 2.600 quilômetros de trilhos que vão para Kigoma, no leste, e para Arusha funcionam em marcha lenta: os dormentes de madeira estão gastos, os aparelhos de mudança de via precisam de reparos, e os trens não passam de 75 quilômetros por hora, alternando frete e passageiros.
Apesar dos custos mais elevados, as autoridades da Tanzânia preferiram construir uma nova linha a renovar a antiga. Eric Peiffer, representante da consultoria de logística ferroviária belga Vecturis, não se surpreende, já tendo observado a mesma atitude em muitos países do continente. “Os dirigentes preferem construir a fazer a manutenção do que já existe”, explica. “É mais espetacular, portanto mais interessante do ponto de vista político.” Com um sorriso no canto da boca de quem já viu a mesma situação outras vezes, o homem de seus 50 anos também fala da “cultura do imediatismo” das populações africanas, antes de lançar: “Eles ficam cansados de nossos planos de dez anos”. A Vecturis acompanha de perto o desenvolvimento dos corredores de mineração africanos: RDC, Zâmbia, Tanzânia e Angola.
A opção por construir uma nova linha na Tanzânia também reflete a adoção do sistema de bitola-padrão (60% das vias no mundo), mais amplo que aquele utilizado pelo colonizador britânico. Dominante no sul da África, este foi logicamente adotado para a linha histórica Tanzânia-Zâmbia (chamada de “Tanzam”), construída pelos chineses entre 1968 e 1976 (ver boxe). Em 2012, a CAO adotou o sistema de bitolas-padrão como norma para a região. Também é preciso fazer a ligação entre as vias, ou seja, a instalação dos aparelhos de mudança de via e as estações de conexão entre as duas redes. Essa escolha foi bastante discutida, considerando os custos e a falta de reflexão sobre suas consequências para a integração do transporte na sub-região. Uma bitola mais larga permite conversões mais rápidas.
“A África hesita entre dois modelos: o do trem rápido para passageiros e o do trem projetado para mercadorias, segundo o exemplo norte-americano de cadeias intermináveis de vagões com quilômetros de comprimento que se deslocam lentamente”, explica Peiffer. Investimentos e pré-requisitos de segurança não são os mesmos. “Do ponto de vista comercial, o transporte de mercadorias parece prioritário, mas, do ponto de vista político, não é possível abandonar os passageiros”, avalia Chirhalwirwa. A sombra de Nyerere ainda paira sobre a Tanzânia: marcado pelo pan-africanismo e socialista convicto, o pai da independência pensava o desenvolvimento para os habitantes, sobretudo os mais modestos. Essa preocupação não é necessariamente compartilhada em outros lugares: no Mali, a privatização da ferrovia levou ao abandono das linhas de passageiros, em favor das de mercadorias. Na Tanzânia, a construção das novas vias vem acompanhada de operações de “desapropriação”: as populações modestas, outrora afagadas por Nyerere, precisam deixar suas casas improvisadas para permitir o avanço dos canteiros de obras e ajudar na “modernização” dos bairros.
Primeira fase de um vasto plano de construção, a linha Dar es Salaam-Morogoro será estendida para Dodoma e depois para Kigoma, assim que forem obtidos os fundos necessários. Ela transportará mercadorias (5 milhões de toneladas por ano) e passageiros (1,2 milhão por ano). A velocidade dos trens é estimada em 160 quilômetros por hora. A 10 quilômetros da capital, a pequena cidade de Pugu abrigará uma nova estação, com suas cintilantes plataformas de concreto e portões automáticos. A poucos metros do local das obras, as casas decrépitas e o mercado de gado dão ao conjunto uma aparência meio irreal. Porta da Tanzânia para o Oceano Índico, Dar es Salaam é uma metrópole de 12 milhões de habitantes. O trem também deve ajudar a descongestioná-la, pois o desenvolvimento das linhas principais se combina com um plano de desenvolvimento urbano, com uma moderna rede de ônibus administrada por uma empresa israelense.
Incertezas quanto ao fornecimento
Embora os anúncios grandiosos das autoridades nacionais e municipais possam provocar euforia, sua concretização ainda levanta muitas questões. A primeira diz respeito à manutenção. Quando as obras terminarem e a construtora for embora, quem fará a manutenção da rede ferroviária? A história da África está cheia de tratores enferrujados; o documentarista belga Thierry Michel filmou as locomotivas abandonadas nas florestas do Congo no final de 1990. A Yapi Merkezi tem planos de formar engenheiros tanzanianos, que deverão ser viabilizados por meio de um contrato de formação com uma empresa sul-coreana.
Outro problema: a energia. A Tanzânia escolheu o trem elétrico em vez do trem a diesel adotado na Tanzam. Isso implica garantir o fornecimento de motrizes ao longo do percurso. Um grande desafio, uma vez que a capital já passou por inconvenientes apagões. O país produziu 6,3 terawatts/hora em 2015, o dobro de onze anos atrás. Dois terços são fornecidos por centrais termelétricas, que operam com gás natural (44%) ou petróleo (22%). O outro terço vem de usinas hidrelétricas. O governo elaborou um plano diretor para a energia, que inclui a construção de uma grande barragem, na Garganta de Stiegler, no Rio Rufiji, e de uma central elétrica na reserva de Selous, no coração da região de Morogoro. Esse projeto, que há anos se arrasta entre as pastas ministeriais, foi relançado pelo presidente Magufuli em setembro de 2017. A grande barragem deve ter uma capacidade de 2.100 megawatts e produzir sozinha quase 6 terawatts/hora, quase a produção atual do país.
A escala dos investimentos leva os países envolvidos para a espiral do endividamento. A construção dos trilhos exige a mobilização de bilhões de dólares ao longo de vários anos. Além de cara, a escolha pelas linhas catenárias requer manutenção permanente. O retorno não demorará menos de quinze anos. Como lamenta Peiffer, “o modelo econômico não está claro, e o próprio preço das passagens ainda se está por definir”.
A epopeia da Tanzam
“A ferrovia Tanzânia-Zâmbia é um monumento da amizade China-África; ela deve continuar existindo”, afirma, um pouco nostálgico e preocupado, Du Jian.3 Há cinquenta anos, esse engenheiro chinês participou da construção da linha férrea que ainda liga Dar es Salaam, na Tanzânia, a Kapiri Mposhi, na Zâmbia. Em 1968, no auge da Revolução Cultural, Pequim embarcava na construção faraônica dos 1.860 quilômetros de ferrovias necessárias para essa ligação estratégica. Os objetivos eram dois: ligar o interior dedicado à mineração aos portos do Oceano Índico e dar folego à economia da Zâmbia, que, além de ser um enclave continental, sofria o embargo dos regimes racistas da África do Sul e da Rodésia do Sul. Favorecendo os interesses chineses no continente, Mao Zedong também queria mostrar sua solidariedade aos países ligados pela ferrovia, sobretudo a seu colega tanzaniano, Julius Nyerere, uma personalidade do pan-africanismo e do socialismo africano.4
A construção da obra, que logo ficou conhecida como “Tanzam”, durou seis anos, mobilizando 16 mil trabalhadores chineses e 60 mil locais. Para levar operários e engenheiros ao continente africano, Pequim abriu cinco linhas especiais de transporte marítimo. As siderúrgicas chinesas trabalharam a todo vapor: a aposta simbólica e política era tamanha que, no período de conclusão da linha, as fábricas funcionaram dia e noite, obrigando os operários a exaustivas horas extras. Mais de 1 milhão de toneladas de material (cimento, ferramentas, dinamite etc.) deixaram o porto de Guangzhou. O custo da empreitada foi oficialmente de US$ 500 milhões, aos quais se somam 980 milhões de yuans (R$ 547 milhões) em empréstimos sem juros para a Tanzânia e o Zâmbia.
Os engenheiros chineses tiveram de enfrentar desafios geológicos e meteorológicos: cavar túneis e construir pontes nas montanhas quando as temperaturas superavam os 40 graus ou quando a estação chuvosa produzia torrentes de lama. Os trabalhadores, que não falavam a mesma língua, comunicavam-se por gestos. As condições de trabalho eram muito difíceis, e eles às vezes tinham de criar galinhas, com a ajuda das populações locais, para se alimentar. A malária alcançou oficialmente 65 trabalhadores chineses, mas certamente um número muito maior deles pagou com a saúde ou com a vida pela construção desse caminho mítico. “Só íamos para casa a cada dois anos”, diz Du. Pequim montou um serviço postal especial para as cartas enviadas às famílias.
Cinquenta anos após a conclusão das obras, a linha operada pela Autoridade Ferroviária Tanzânia-Zâmbia (Tazara) ainda existe. A Tazara continua sendo uma empresa pública de propriedade da Zâmbia e da Tanzânia. A solidez da infraestrutura, embora marcada pelo tempo e pela falta de manutenção, sempre desperta a admiração e o orgulho dos países envolvidos. A imensa estação de Dar es Salaam, construída na época, parece uma catedral de aço e vidro. No hall, um afresco ilustra o traçado da linha e uma placa celebra a amizade entre a Tanzânia e a China. Em 2005, Dar es Salaam e Lusaka concordaram em privatizar a Tazara. Mas, considerando-se a história, os investidores chineses serão privilegiados. (A.-C.R.)
*Anne-Cécile Robert é jornalista do Le Monde Diplomatique.
Socialismo africano
POR JEAN-CHRISTOPHE SERVANT*
Julius Nyerere (1922-1999), primeiro presidente da Tanzânia após a independência em 1961, também foi o inventor do socialismo “Ujamaa”, um termo suaíli que significa “família” no sentido amplo.5 Em 1977, ele fundou o Chama cha Mapinduzi (CCM), ou “Partido da Revolução”. Marcado pelo anti-imperialismo e pelo pan-africanismo, Nyerere expôs sua visão em 1967, na Declaração de Arusha: nacionalizações, criação de comunidades agrícolas por aldeias, ampla política educacional. O trabalho desse que foi apelidado de mwalimu, “o professor”, continua a inspirar a vida política do país, ainda que tenha passado pelas forquilhas das instituições financeiras internacionais após sua morte. O chinês Mao Tsé-tung foi um dos grandes apoiadores da Tanzânia nos anos 1960.
Humphrey Polepole, líder ideológico do CCM e de sua comunicação, recebe os visitantes da sede do partido no centro histórico de Dar es Salaam. O prédio, construído por Pequim, acolhe regularmente delegações do Partido Comunista Chinês (PCC). Por seu lado, todos os executivos do CCM fizeram uma viagem à China. No escritório de Polepole, uma curva desenhada em um gráfico compara os anos que permitiram que os Estados Unidos e a China se impusessem, “em apenas sessenta anos”, como as primeiras economias do mundo. Em sua mesa de trabalho, velhos fac-símiles das obras de Nyerere ficam lado a lado com uma Bíblia, um Alcorão, The Looting Machine [A máquina de saques], de Tom Burgis, jornalista do Financial Times, e The Governance of China [A governança da China], de Xi Jinping. Polepole mostra a frase que ele enfatizou com o marcador de texto: “Aqueles que conquistam o coração de uma população a ganham”. “Os ocidentais podem ter nos libertado politicamente, mas nunca economicamente. Seu modelo de desenvolvimento da África falhou”, ele explica. “O que a China nos oferece parece ser o mais adequado para nosso continente. Mesmo que nosso socialismo seja baseado em valores culturais africanos, não científicos, como na China, existem correlações, por exemplo, em matéria de protecionismo.”
Polepole ambiciona agora elevar o CMM “ao nível intelectual e moral em que estava antes, a fim de sensibilizar os tanzanianos para as questões da libertação econômica” e permitir que seu país “se torne novamente um laboratório da África do amanhã, como foi sob Nyerere”. Para esse fim, o CCM está criando a Future Mwalimu Nyerere Leadership School, um projeto de US$ 45 milhões financiado pela China e confiado à China Railway Jianchang Engineering Company. Essa escola receberá ativistas de cinco partidos na África Austral “ligados às lutas de libertação”: o Congresso Nacional Africano (ANC), da África do Sul; a União Nacional Africana do Zimbábue-Frente Nacional Patriótica (Zanu-PF); a Organização do Povo do Sudoeste Africano (Swapo), da Namíbia; o Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA); e a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo). Localizada em Kibaha, perto de Dar es Salaam, essa “escola de ciências políticas” vai treinar “líderes de amanhã”, continua Polepole. “Precisamos de uma liderança forte e ética, que garanta o desenvolvimento econômico para seu povo”, disse o próprio presidente da Tanzânia, John Magufuli, ao lançar a pedra fundamental da escola. A cerimônia contou com a presença de Song Tao, diretor de Relações Internacionais do PCC, que se comprometeu a fornecer formadores.
*Jean-Christophe Servant é jornalista.