“O Iraque pagará!”
Longe de olhares do público, a Comissão de Indenizações da ONU decide, em Genebra, as sanções que vai impor a esse país onde crianças morrem por falta de cuidados médicos e os hospitais não têm material. O objetivo parece ser desmantelar uma das mais antigas civilizações do mundoAlain Gresh
Pela primeira vez, em 15 de junho de 2000, foi rompido o consenso. O clima afável das reuniões de rotina do Conselho de Administração subitamente tornou-se tenso. Genebra, no entanto, não é muito propícia à gritaria. Prefere-se o silêncio protetor, as discussões aveludadas, a ausência de publicidade. É verdade que as somas em jogo impressionam: mais de 15,9 bilhões de dólares — duas vezes o Produto Interno Bruto da Jordânia. Não se trata de fusão bancária, ou de dinheiro sujo reciclado, nem de leilão público de compra. Os participantes não são financistas, muito menos banqueiros: são diplomatas de alto escalão dos quinze países membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Deviam se pronunciar sobre um dos pedidos de indenização feitos pela Kuwait Petroleum Corporation contra Bagdá. Os diplomatas franceses e russos expõem suas reservas. Como aceitar que uma tal fortuna seja sugada dos recursos de um país, o Iraque, do qual todos os relatórios são unânimes em confirmar que afunda na miséria? A sessão foi adiada para 30 de junho. Nova reunião, novo impasse, novo adiamento para 28 de setembro de 2000.
Longe de olhares indiscretos
Com seus escritórios espalhados pela Genebra internacional, a United Nations Compensation Commission (UNCC) — Comissão de Indenizações da ONU —, desconhecida do público, prossegue em seu trabalho há quase dez anos. Longe de olhares indiscretos, essa instância oculta constitui, no entanto, uma das principais engrenagens na estratégia de aniquilação do Iraque. Com freqüência se evocam sanções contra esse país, onde crianças morrem por falta de cuidados médicos, os hospitais não têm material — enfim, o desmantelamento de uma das mais antigas civilizações do mundo.
Umas poucas linhas de um despacho de alguma agência de notícias, raramente reproduzidos, relembram os bombardeios diários conduzidos pela aviação anglo-norte-americana contra o Iraque. Mas nem um jornalista sequer visita os corredores da Comissão de Indenizações. Não se desenvolve qualquer debate público sobre sua legalidade, contestável, ou sobre suas práticas, duvidosas. No entanto, os cofres desta instituição se apropriaram, desde dezembro de 1996, de um terço da receita com exportações de Bagdá: 11 bilhões de dólares…
Um procedimento sem precedentes
Em abril de 1991, logo após vitória dos aliados na Guerra do Golfo, o Conselho de Segurança confirmava que o Iraque “é responsável, perante o direito internacional, por todas as perdas, por todos os danos (…), bem como por todos os prejuízos sofridos por outros Estados, e por pessoas físicas e por empresas estrangeiras, diretamente imputáveis à invasão e à ocupação ilícita do Kuait pelo Iraque”. Encarregada de recolher os pedidos de indenização, a UNCC foi criada pela Resolução 692 de 20 de maio de 1991 do Conselho de Segurança. Seu conselho administrativo se compõe de representantes dos quinze membros do Conselho de Segurança. E decide o montante das indenizações a serem pagas a cada reclamante, com base num relatório apresentado por um grupo de três comissários — peritos escolhidos pelo secretariado executivo, órgão a princípio administrativo, mas que é o verdadeiro centro do poder. Nas mãos dos representantes dos Estados Unidos desde sua criação, o secretariado “orientou” — desorientou seria um termo mais preciso — todas as decisões da Comissão.
O procedimento adotado pelo Conselho de Segurança não tem precedentes, pelo menos desde o Tratado de Versalhes, que pôs fim à Primeira Guerra Mundial e… lançou as bases da Segunda. O artigo 231 desse texto fazia da Alemanha a única responsável pela guerra e a obrigava a pagar infinitas compensações. A palavra de ordem — “A Alemanha pagará!” — terminaria com a tomada do poder por Adolf Hitler. Atualmente, o slogan dos Estados Unidos, que se recusou a ratificar o Tratado de Versalhes, é “O Iraque pagará!”. Quais serão as conseqüências?
Uma “defesa” cerceada
Ex-professor de direito público internacional, advogado do escritório Lalive & Partners, [1] Michael E. Schneider denuncia a principal aberração do processo: o Iraque não é reconhecido como “uma das partes do processo (defendant party). Dispensa-se a concordância do principal interessado. O Iraque, e somente o Iraque, deve pagar por cada centavo do processo, pelos eventuais lucros dos comissários e de seus peritos, embora o país nem tenha acesso ao trabalho desses mesmos peritos”. Bagdá deve pagar pelos danos originados por sua invasão assassina do Kuait. Mas até um criminoso tem direito à uma defesa e a advogados; e não se exige dele que pague o processo, os juízes e o “inquérito”. A cada ano, são sugados 50 milhões de dólares das exportações iraquianas para subvencionar a Comissão, assim como os mínimos deslocamentos de seus peritos — em primeira classe — e os substanciais honorários dos comissários… Pela primeira vez na história do direito internacional, desde o fim da II Guerra Mundial, um Estado não tem direito a dar sua versão num processo que lhe diz respeito.
Mohamed El Duri, embaixador iraquiano junto às Nações Unidas em Genebra, ex-professor de direito internacional, trabalha “sob restrições”. O Iraque perdeu seu direito a voto nas Nações Unidas por não ter pagado suas cotas, [2] embora o maior devedor da organização, os Estados-Unidos (dívida de mais de um bilhão de dólares), nunca tenha sofrido sanção semelhante. As comunicações do embaixador iraquiano com seu governo são difíceis: um emissário leva pelo menos quatro dias para ir de Genebra a Bagdá e voltar. Falta-lhe até o mínimo material — a companhia Xerox recusou-se a vender-lhe máquinas copiadoras, certamente por medo de que fossem transformadas em armas químicas…
Autos chegam com 5 anos de atraso
El Duri dá uma explicação longa e minuciosa. Os processos nos 4003197 e 4004439 — apresentados pela Kuwait Petroleum Corporation (e acima citados) reivindicando uma quantia de 21,6 bilhões de dólares — são exemplares. Referem-se à suspensão da produção e venda de petróleo kuaitiano durante a ocupação iraquiana, bem como às perdas principalmente devido a incêndios. As exigências kuaitianas, várias dezenas de milhares de páginas, foram apresentados aos três comissários encarregados do processo nos dias 20 e 24 de junho de 1994. Bagdá só soube de seu conteúdo através de um resumo feito pelo secretariado executivo… no dia 2 de fevereiro de 1999 — cinco anos depois! E teve até 19 de setembro para apresentar suas observações.
Ora, como explicou a delegação iraquiana ao Conselho de Administração em 13 de junho de 2000, “(essas duas reivindicações) envolvem muitos aspectos legais, científicos, técnicos e contábeis… Vocês podem imaginar o tempo necessário para transmitir esse volume de documentos, verificá-los, estudá-los, traduzi-los para o árabe e depois novamente para o inglês e preparar, em seguida, uma resposta”.
Processos já chegam “amarrados”
A Comissão não autorizou o governo iraquiano a fazer retiradas sobre o dinheiro de suas exportações — seu próprio dinheiro! — para garantir o pagamento a grandes escritórios de advocacia. “Todavia, enviamos nossas observações”, prossegue o embaixador, “às quais o Kuait respondeu, mas… não conhecemos o conteúdo dessa réplica. Após muita tergiversação, conseguimos o direito de apresentar nossas observações no dia 14 de dezembro de 1999 — em uma hora, no máximo! —, aos comissários.” Estes finalmente deliberaram sobre o pagamento de 15 bilhões aos reclamantes, ressaltando junto ao Conselho Administrativo as reservas francesa e russa. Pela primeira vez foi rompido o consenso. “O Iraque é responsável,” conclui o embaixador, “mas isso não autoriza à violação do direito internacional.”
“Como seria possível considerar processos sem opiniões contraditórios” interroga-se Michael Schneider, “se não se dá a cada uma das partes a possibilidade de apresentar o seu ponto de vista? Diante de processos ’amarrados’, como reagir? O Kuait fez uma licitação internacional para preparar seus autos e se defender. Para destrinchar o processo, seria necessário um trabalho minucioso, que a Comissão não tem tempo de fazer. Não só foi negado ao Iraque o dinheiro para se defender, como ainda os serviços de todos os grandes escritórios de advocacia — já contratados, seja pelos reclamantes, seja pela UNCC.” Vários desses escritórios, por sinal, a exemplo de Price Waterhouse, foram contratados após terem trabalhado para as autoridades kuaitianas, o que, para dizer o mínimo, coloca uma questão de “conflitos de interesses”.
As manipulações políticas
Em 1991, o secretário-geral das Nações Unidas recomendara que o Iraque fosse “informado de todos as reivindicações (claims) e que dispusesse do direito de apresentar seus comentários aos comissários”. O Conselho de Segurança não seguiu essa recomendação e simplesmente aceitou que Bagdá tivesse “o direito de receber um resumo dos relatórios elaborados pelo secretariado executivo e de comentá-los”. Um procedimento mais próprio da Inquisição do que das práticas jurídicas modernas — o que reconhece Norbert Wuhler, chefe do departamento legal da UNCC, que fala de um “procedimento inquisitorial”. [3] Como declarava o primeiro secretário executivo da UNCC, Carlos Alzamora, todos as salvaguardas legais “que atravancam os processos judiciários” foram eliminadas.
A UNCC justifica suas práticas pela necessidade de reembolsar rapidamente as centenas de milhares de “pequenos” gravemente lesados pela invasão do Kuait: dos 2,6 milhões pedidos de indenização, a quase totalidade provém de particulares. Mas a soma que reivindicam alcança somente 20 bilhões dos 320 bilhões em indenizações exigidos ao Iraque. Os 15 bilhões de dólares oferecidos à Kuwait Petroleum Corporation, por exemplo, equivalem ao montante total das compensações que serão concedidas a 2,6 milhões de particulares — e representam também o dobro do valor recebido pelo governo central iraquiano, entre dezembro de 1996 e julho de 2000, para alimentar e cuidar de 15 milhões de pessoas. Ao instituir, para as reivindicações individuais, processos acelerados, principalmente baseados em modelos estatísticos — seria efetivamente impossível examinar os pedidos um a um —, a Comissão sem dúvida permitiu que os particulares fossem indenizados. Mas pagando o preço de manipulações políticas…
Dois pesos, duas medidas
As reivindicações que constam da categoria C reúnem 1.659.840 pedidos individuais de indenizações de menos do que 100.000 dólares — destruição de bens, angústia (mental pain anguish), obrigação de se esconder etc. Em setembro de 2000, os últimos reclamantes viram seus casos julgados. O fato de somente 632.004 pedidos terem sido atendidos não deve iludir sobre o caráter sério do trabalho. Na verdade, essa categoria compreendia uma reivindicação coletiva de um grupo de 1.240.000 trabalhadores egípcios. Subtraída esta, restam, na realidade, 420.000 reivindicações C, das quais 408.187 foram atendidas, ou seja, mais de 97%.
No entanto, nem todos os reclamantes receberam o mesmo tratamento. Perto de 100% das 160 mil reivindicações kuaitianas foram atendidas, algumas recebendo mesmo 110% das somas exigidas. Por outro lado, os 40.000 jordanianos (na maioria palestinos) não foram reembolsados senão em 40%…
Um apelo a “transgredir a lei”
Desde o começo, o procedimento C foi “orientado”. Homem-chave da UNCC, Michael F. Raboin é secretário executivo adjunto, responsável pela divisão de avaliação das reivindicações (supervisiona, portanto, todos os pedidos de indenização) e cidadão norte-americano. Foi ele quem estruturou o secretariado, em 1991. Levou consigo Norbert Wuhler, com quem havia trabalhado no Iran-United States Claims Tribunal, criado no início da década de 80 e que continua operando em Haia para resolver as disputas entre os dois países. Para essas duas autoridades, “nós somos imparciais. As comissões levaram em consideração as posições do Iraque. Tanto assim que tivemos que analisar várias centenas de milhares de pedidos num prazo curto. Muitos reclamantes nos acusam mesmo de sermos demasiado favoráveis ao Iraque.”
“Imparciais”? Em abril de 1995, Erik Wilbers, chefe da unidade de indenizações C, reuniu seus colaboradores: “Este trabalho abstrato que fazemos neste edifício com ar condicionado na Suíça nos leva facilmente a esquecer o porquê de estarmos aqui: ajudar os reclamantes.” E, evocando as torturas sofridas pelos kuaitianos, acrescentou: “É útil lembrarmos o luxo em que estamos. Somos todos mais ou menos culpados e o importante é que vocês se lembrem disso quando tiverem a impressão de estarem indo ’um pouco longe demais’…” “Um pouco longe demais”? Um apelo mal disfarçado a “transgredir a legalidade”…
Documentos duplicados
Um ex-funcionário egípcio, que trabalhou nessa unidade, lembra-se que lhe pediam constantemente para “tornar os critérios o mais generosos possível” de forma a chegar a um máximo de respostas favoráveis. Outro funcionário, europeu, ficou impressionado com uma fórmula freqüentemente utilizada: “doctoring the samples” (manipular as amostras). Dessa forma, os modelos estatísticos — que deveriam permitir o reembolso rápido das vítimas — foram alegremente modificados.
A falta da primeira via dos documentos (recibos, faturas etc.) fornecidos pelos reclamantes facilitam essas manobras. Os kuaitianos, por exemplo, preencheram 160 mil pedidos individuais de indenização, alguns em nome de bebês de colo… Em inúmeros casos, processos diferentes traziam os mesmos números de telefone e diziam respeito às mesmas perdas. Diversos documentos apontam essas “duplicidades”: a representante chinesa na comissão chegou a protestar várias vezes, um auditor criticou a metodologia, mas ficou por isso mesmo…
Ingerência escandalosa
Outro funcionário, também europeu, lembra as pressões exercidas pela delegação kuaitiana “para que os processos fossem favoráveis ao seu país. A vítima era envolvida nessa elaboração um pouco perto demais. Não digo que estivessem em nossos escritórios todos os dias, pois isso seria um tanto excessivo. Digamos que a cada dia e meio…” Diversos empresários kuaitianos, por exemplo, seriam reembolsados no lugar de empresas pertencentes a árabes, muitas vezes palestinos, uma vez que a lei kuaitiana obriga os estrangeiros a ter um “testa de ferro” local para abrir uma empresa…
Fato ainda mais escandaloso foi a solicitação feita pelo governo norte-americano ao Conselho Administrativo em fevereiro de 1998, para que fossem revistos os critérios de pagamento aos kuwaitianos. “Os Estados Unidos lembram que apoiaram a utilização de um modelo estatístico como um modo justo de tratar com rapidez um grande número de pedidos. No entanto, mostram-se preocupados em que possa haver um erro no modelo.” O secretariado executivo se dobraria a esse “conselho”. As práticas utilizadas por Washington fazem lembrar a manipulação da Unscom — Comissão para o Desarmamento do Iraque (recheada de agentes da CIA) — pelos Estados Unidos.
Fiscalização para inglês ver
Os maiores processos de indenização estão em vias de ser examinados: em 16 de junho de 2000, faltavam avaliar 267 bilhões de dólares em reivindicações. É claro que muitas delas, fantasiosas, foram ou serão recusadas — alguns países chegaram a exigir dinheiro para cobrir os custos de mobilização de suas tropas. Mas é preciso salientar que os aliados dos Estados Unidos (Kuait, Arábia Saudita e Israel) se beneficiam de um tratamento favorável, especialmente sob o pretexto de terem sido atingidos por mísseis Scud. Floristas, quitandeiros, diversos cinemas e hotéis israelenses receberam milhões de dólares para compensar a queda de suas atividades durante a crise… Seria imaginável para alguém que a Grã-Bretanha exigisse compensações à Alemanha pela diminuição da freqüência nos cinemas entre 1939 e 1945?
Os pedidos registrados pelos diferentes ministérios kuaitianos (categoria F-3), solicitando um total de 2,2 bilhões de dólares, viram-se atendidos em 1,53 bilhões. A comissão encarregada do processo enviou seis missões ao Kuait e aos Estados Unidos para verificar os pedidos, mas sem a presença de um representante do Iraque, que também não foi convidado a opinar junto aos comissários. E os próprios membros da comissão não compareceram (salvo em um caso), contentando-se em enviar “peritos” indicados pelo secretariado executivo, cujo papel cresceu. E todas as questões relacionadas com os “lucros” ou “economias” que o Kuait teve em função da guerra — aumento dos preços de petróleo, paralisação de suas instituições por diversos meses, renovação de seu capital — foram ignoradas ou abordadas apenas superficialmente.
A estratégia da aniquilação
A comissão recebeu pedidos de indenização no valor de 320 bilhões de dólares, dos quais 180 bilhões apenas para o Kuwait — o equivalente a nove vezes o Produto Interno Bruto do país em 1989, o que não parece impressionar ninguém. Mesmo em se supondo, como se ouve nos bastidores da Comissão, que as indenizações pagas limitam-se a um terço desta soma, isso representaria 100 bilhões de dólares. Aos quais têm que se acrescentar juros sobre períodos que variam de 10 a 15 anos: chegar-se-ia então à soma de 300 bilhões de dólares. [4] O que, ao preço atual do barril de petróleo — que está muito alto — representa entre 15 e 20 anos do total da exportação de petróleo do Iraque. Se o país continuar empenhando um terço da sua receita, terá saldado as indenizações por volta de 2050 ou 2060 [5] — isto sem falar das dívidas anteriores a 2 de agosto de 1990… O que restará então de escolas, hospitais, infra-estruturas iraquianas? [6]
É legal exigir que um país pague independentemente de suas capacidades, sem fixar um teto? O artigo 14 do tratado de paz entre os Estados Unidos e o Japão, de 1951, afirmava: “O Japão deveria pagar compensações às potências aliadas pelos danos e sofrimentos causados durante a guerra. No entanto, reconhecemos que os recursos do Japão não são suficientes para o país manter uma economia viável, pagar integralmente as compensações (…) e, ao mesmo tempo, cumprir suas outras obrigações.” [7]
Salvaguarda da população
É bom lembrar que o então chefe de Estado, imperador Hiroito, um criminoso de guerra, seria passível (como o presidente Saddam Hussein) de julgamento pelo Tribunal Penal Internacional… se este existisse. Além do que a Resolução 687 reconhecia que se deveria levar em conta, para o pagamento de indenizações, “as necessidades do povo iraquiano, a capacidade de pagamento do Iraque.” Mas desde quando as Nações Unidas respeitam seus próprios textos?
Há muitos anos, a Comissão de Direito Internacional, organizada pelas Nações Unidas, trabalha sobre o tema da responsabilidade dos Estados. E prepara uma convenção que já é objeto de amplo consenso. No artigo 42, o texto já elaborado determina: “Em caso algum a compensação poderá privar uma população de seus próprios meios de subsistência.”
A vitória do “direito”
Alguns juristas, como o alemão Bernard Graefrath vão mais longe e questionam o direito que teria o Conselho de Segurança de determinar os montantes de compensações num litígio entre duas partes. Em diversas ocasiões — o ataque israelense contra o aeroporto de Beirute em 1968, a agressão portuguesa contra Guiné em 1970 ou a da África do Sul contra Angola em 1976 —, o Conselho de Segurança decidiu que indenizações deveriam ser pagas às vítimas, mas sem estabelecer os valores. O que não faz parte de suas prerrogativas. No caso de Angola, por exemplo, o representante britânico no Conselho de Segurança relembrava, na época: “O Conselho de Segurança não é um tribunal de justiça e não é o lugar apropriado para pronunciamentos sobre pedidos de compensações.”
Questionado, Raboin, assim como outros membros do secretariado, esclarece: “Entendíamos que as Nações Unidas, com a UNCC, inaugurava uma nova época, assinalada pela vitória do direito.” Viu-se rapidamente o que ocorreu a partir desse precedente, dessa “nova ordem mundial”, na Bósnia, bem como no Sul do Líbano, ou na Palestina… Será Israel obrigado a pagar compensações ao Líbano pelos 25 anos de ocupação do Sul do país? Como confessa um diplomata europeu, o funcionamento parcial da UNCC diz respeito à situação internacional de 1991. “Hoje, uma tal instituição não seria criada. Os Estados Unidos seriam incapazes de a impor. Todo mundo se oporia.” Aliás, o que o governo francês vem tentando é conseguir uma mudança de procedimento, com a possibilidade do Iraque se defender e a diminuição, de 30 para 20%, do valor antecipado, através da exportação de petróleo, para pagar as compensações.
Tito Lívio conta uma história, sem dúvida mítica, pois data de 385 antes de Cristo. Roma, vencida, decide n
Alain Gresh é jornalista, do coletivo de redação de Le Monde Diplomatique (edição francesa).