O Islã europeu
A prática religiosa é fraca na Bósnia e na Albânia devido, em parte, ao passado comunista recente, mas algumas redes islâmicas mundiais interpretaram a guerra da Bósnia como um novo jihad e conseguiram se implantar permanentemente no paísJean-Arnault Dérens
Uma abordagem otimista sempre destacou “o islã diferente”, liberal e tolerante, que seria praticado nos Bálcãs, denunciando como propaganda sérvia ou croata – muitas vezes com razão – as diatribes enfatizando um “perigo fundamentalista”. O islã praticado na Bósnia-Herzegovina e no Sandjak de Novi Pazar, absolutamente majoritário entre os albaneses, e que conta com importantes comunidades de fiéis na Bulgária (turcos e eslavos islamizados – os pomaks) e na Grécia, sem esquecer o povo trans-fronteiriço dos roms, representa, nos Bálcãs, uma herança direta do império otomano. Esse passado determina algumas características importantes do islã balcânico: o ritual era exclusivamente de tipo hanefito – pelo menos até a chegada, nos últimos anos, dos partidários do wahabismo – e as confrarias místicas dos dervixes sufistas desempenham um papel central nas devoções populares.
A prática religiosa é fraca devido, em parte, ao passado comunista da maioria dos países balcânicos, e a imagem de “muçulmanos” comendo carne de porco e bebendo álcool está longe de ter sido superada. Porém, algumas redes islâmicas mundiais – entre elas, a al-Qaida – quiseram interpretar a guerra da Bósnia como um novo jihad e conseguiram se implantar permanentemente no país, gozando de um apoio muitas vezes aberto por parte dos dirigentes muçulmanos próximos ao ex-presidente Alija Izetbegovic. As carências do Estado, na Bósnia como na Albânia, ou no Kosovo, fazem desses países um verdadeiro santuário para esse tipo de redes.
Uma civilização ortodoxa pós-comunista
Os autores associam um perfeito conhecimento da península balcânica e de sua história ao do mundo muçulmano e da constelação islâmica
O trabalho coordenado por Xavier Bougarel e Nathalie Clayer1 consegue apresentar as especificidades do islã balcânico de maneira clara e apoiada em argumentos, sem deixar de refletir sobre a questão central: a recepção do discurso religioso por sociedades em transição. Sem chegar a se tornarem o campo de um novo jihad, os Bálcãs poderiam muito bem se revelar uma terra de missão para os atores de uma re-islamização profunda que, atualmente, vem ocorrendo tanto no mundo albanês como na Bósnia. Não existe, a curto prazo, um “perigo islâmico” nos Bálcãs, mas os contornos de um “islã europeu” ainda precisam ser inventados, conforme a observação de Xavier Bougarel, ao salientar que a sua formulação “dependerá tanto da capacidade dos muçulmanos para acharem o seu lugar na nova Europa, quanto dos europeus para o reconhecerem”.
Os autores associam um perfeito conhecimento da península balcânica e de sua história ao do mundo muçulmano e da constelação islâmica. Os quadros, por país, são exaustivos, quer se trate da Bósnia-Herzegovina (Xavier Bougarel), da Albânia, do Kosovo e da Macedônia (Nathalie Clayer), ou ainda da Bulgária (Nadège Ragaru). O trabalho é completado por Ferhat Kentel, sobre “os Bálcãs e a crise de identidade nacional turca”, e por Jérome Bellion-Jourdan, sobre “as redes transnacionais islâmicas na Bósnia-Herzegovina”.
Esses estudos aprofundados chegam em boa hora para se opor às generalizações apressadas sobre o “choque das civilizações”. Dentro da visão desenvolvida por Samuel Huntington, o caráter vago nunca será igual ao que se refere à “civilização” ortodoxa pós-comunista. É justamente essa “civilização” que encontra o islã nos Bálcãs, de maneira muitas vezes conflitante. Recomendamos, portanto, que se leia também a viagem ao mundo ortodoxo da jornalista britânica Victoria Clark, Why Angels Fall? 2 .
(Trad.: David Catasiner)
1 – Le nouvel islam balkanique. Les musulmans, acteurs du post-communisme 1990-2000, org. Xavier Bougarel e Nathalie Clayer, ed. Maisonneuve e Larose, Paris, 2001.
2 – Why Angels Fall? A Journey throug
Jean-Arnault Dérens é redator-chefe do Courrier des Balkans.