O jihadismo segundo os especialistas
Há um fosso entre a imagem dos jihadistas construída pela mídia e aquela concebida pelos especialistas. Para a primeira, o fenômeno é comandado essencialmente pela influência do islamismo salafista. Já para os segundos não existe uma causa única capaz de explicar as ações dos milhares de jovens franceses recrutados, sendo necessário explorar a diversidade de suas motivações
Durante muitos anos, especialmente após os atentados de janeiro e novembro de 2015 em Paris, o fenômeno dos jihadistas nascidos ou criados no Ocidente alimenta inúmeras perguntas e controvérsias. Cada ataque na Europa ou nos Estados Unidos reabre o debate sobre as raízes do mal e a maneira mais eficaz de restringi-lo. A ideia de uma responsabilidade única e exclusiva do islã, como religião e cultura, envenena o debate público, embora seus apoiadores continuem minoritários, sobretudo no espectro político. Em um contexto no qual as redes sociais funcionam como caixa de ressonância para essas teses de tipo essencialista, os especialistas franceses – estudiosos do islã, cientistas políticos ou especialistas em conflitos – tentam, nem sempre de acordo uns com os outros, ventilar explicações mais matizadas.
Por exemplo, quando conversamos com o sociólogo Farhad Khosrokhavar1 sobre as motivações dos jihadistas, ele não falou logo de saída em “islã”. Isso porque Khosrokhavar acredita que a raiz do jihadismo enfrentado pela França é outra: a “crise profunda das sociedades ocidentais, cujo apogeu ele representa”. A atração exercida pelo Estado Islâmico seria o resultado de uma “crise de utopia, ou seja, uma falta de saída política, em sociedades cada vez mais desiguais”. Grupos como as Brigadas Vermelhas, na Itália, ou o Baader, na Alemanha, que outrora mobilizaram os partidários da luta armada, não existem mais. Hoje, a injustiça social produziria “uma dupla radicalização, populista e jihadista”. O acadêmico Laurent Bonelli,2 que participa de um estudo de campo sobre o perfil e o itinerário de jihadistas franceses encarcerados, também insiste na “ausência de uma grande narrativa política”, além da ideologia jihadista, com potencial para ser ouvida pelas pessoas que internalizaram, de uma forma ou de outra, a condição de dominado. “O discurso jihadista evade a questão social. Ele enfatiza a existência de um sistema de opressão, mas o conduz à dualidade ‘não muçulmanos contra muçulmanos’”. A cientista política Myriam Benraad,3 por sua vez, vê o jihadismo como uma “reação política” aos desequilíbrios no mundo árabo-muçulmano e ao ressentimento de suas populações em relação ao Ocidente, considerado grandemente responsável por essa situação: “Para entender o fenômeno, é necessário tratar o jihadismo como uma ideologia contemporânea, focando o discurso e a visão de mundo de seus adeptos”, explica.
É verdade. Mas os envolvidos não matam em nome de Alá, afirmando serem acima de tudo soldados da fé muçulmana? A “literatura” jihadista, abundante na internet, não está repleta de citações e justificativas corânicas ou ligadas à tradição profética? Para Farhad Khosrokhavar, o islã, nesse caso, é apenas “testa de ferro” de uma “utopia regressiva e repressiva”, que serve para “legitimar a violência”: o “neowahabismo”, ou salafismo, que tem como objetivo o retorno a uma suposta pureza absoluta dos primórdios da revelação. A quadruplicação do preço do petróleo, na década de 1970, impulsionou a Arábia Saudita ao posto de potência econômica regional e deu-lhe os meios para difundir em grande escala essa visão fundamentalista nascida no Planalto de Nejd, no século XVIII.4
Instalado na Suíça, o cientista político Hasni Abidi,5 que também leciona na França, revela de passagem as dificuldades dos especialistas franceses. “O mundo acadêmico francês é unânime em dizer que o islã, como religião, não é a causa do jihadismo, mas tem dificuldade em defender essa ideia, porque, para ele, a teologia muçulmana é frequentemente desconhecida. Ela não constitui um objeto de estudo por si só: não há cadeiras de estudos islâmicos suficientes na França e na Europa. Apenas um conhecimento completo, aprofundado e comparativo dessa religião pode fornecer ferramentas conceituais e argumentos especializados capazes de distinguir em que o jihadismo é um desvio dela.”
Para alguns estudiosos, o fato de que aproximar islã e jihadismo é algo que pode exacerbar os preconceitos antimuçulmanos não deve ser motivo para restringir a análise. Essa é a posição do jornalista e ensaísta Pierre Puchot, coautor de um livro sobre o assunto:6 para ele, é preciso reconhecer que o jihadismo, inclusive na França, tem também um fundamento religioso, mesmo que essa interpretação seja diferente da leitura habitual que a grande maioria dos muçulmanos faz do Corão. “Há três décadas o jihadismo tem seus doutrinários e apoia-se em um importante corpus de textos e exegese corânicos. É preciso ter cuidado com o efeito de lupa dos neoconvertidos ou das pessoas que se radicalizam rapidamente sem ter um passado de prática religiosa ou sem ter vivido em uma família praticante. Tudo isso só pode acontecer porque uma doutrina – minoritária, mas forte o bastante para convencer e se difundir – está disponível.”
A antropóloga Dounia Bouzar7 rejeita essa análise. Das 13 mil chamadas recebidas em alguns meses no Número Verde, disponibilizado por sua organização, que se dedica a ajudar famílias preocupadas com os riscos de radicalização de seus filhos, ela deduziu que o islã não constitui “uma causa do terrorismo, mas um meio utilizado pelos recrutadores”. E por uma boa razão: “40% das famílias não têm nenhuma referência muçulmana” – 5% delas são judias! Seus filhos radicalizam-se “sem nunca terem ido à mesquita”.
Seria possível argumentar que não se trata apenas de mesquitas. Além de ouvirem a pregação de imãs extremistas pela internet, muitos terroristas procuram justificar sua ação por uma leitura pessoal, mesmo que enviesada, do Corão. E, quando não estão eles mesmos procurando argumentos, o Estado Islâmico encarrega-se de fornecê-los, por meio de sua propaganda on-line e também de seus recrutadores. “O perigo é apresentar todos os jihadistas franceses ou europeus como incultos religiosos”, adverte Pierre Puchot. “É verdade que alguns deles quase não leram o Corão nem falam árabe. Mas outros souberam beber no corpus jihadista à sua disposição.” Nota-se, além disso, que sua refutação religiosa é muitas vezes insuficiente. Como explica Hasni Abidi, são raros os textos de ulemás desmontando ponto a ponto o argumento jihadista, especialmente em língua francesa, e, de qualquer modo, tais textos são considerados suspeitos pelos jovens em busca de um ideal, que os associam à propaganda a serviço dos poderes árabes ou ocidentais, todos considerados inimigos.
Extrapolações ao acaso
Michel Wieviorka,8 que em 1995 publicou um livro sobre o caso Kelkal,9 observa que “não há violência extrema sem fé”. Mesmo que “o jihadista a ‘descubra’ no último momento”. Mesmo que seu conhecimento da religião se baseie na “manipulação dos textos”. Mesmo que “outros fatores intervenham na passagem para o ato”. O sociólogo reconhece, no entanto, que há exceções, mencionando o norueguês Anders Breivik, que matou quase oitenta pessoas em 2011 “sem motivação religiosa”. Também seria possível citar a hiperviolência do nazismo, cuja “fé” é, contudo, de natureza diferente. Farhad Khosrokhavar insiste no uso de uma religião fantasiosa: os jovens franceses envolvidos “servem-se de um islã amplamente imaginário para santificar seu ódio à sociedade”. Eles leem no Corão “o que lhes convém e opõem duas suratas de guerra – ‘Os espólios’ e ‘O arrependimento’10 – a outras, muito tolerantes”, deliberadamente ignoradas pelo corpus teológico do jihadismo.
Não devemos nos surpreender com todas essas discordâncias, encontradas também entre estudiosos de outros países, particularmente Reino Unido e Estados Unidos. Elas se explicam tanto pelo domínio de especialização de cada um, seu “campo” de trabalho, suas trajetórias de estudo, como também por sua abordagem, sua visão de mundo. Não se trata aqui de propor marcos definitivos, mas de tentar compreender. Observa-se também que o próprio assunto é difícil de demarcar, como destaca o cientista político e economista Asiem El Difraoui,11 para quem o jihadismo é uma “hidra polimorfa, multiforme, em mutação rápida e constante”. Em outras palavras, trata-se de um assunto ainda mais difícil de compreender pelo fato de que o trabalho de primeira mão é raro. “A falta de estudos de campo leva os especialistas a extrapolar as raras constatações disponíveis”, avalia Laurent Bonelli. “É possível construir raciocínios com base em propriedades distintivas comuns a alguns jihadistas, mas isso não significa que eles expliquem tudo nem que qualquer pessoa portadora de tal propriedade irá inclinar-se para a violência.” O cientista político Luis Martinez12 é mais categórico: “Por enquanto, no plano acadêmico, o Estado Islâmico e seus recrutas do Ocidente não podem ser considerados um objeto de estudo. Seria necessário poder realizar uma investigação em larga escala para falar com esses jihadistas. Mas isso é impossível, por razões evidentes de segurança”. Na maior parte das vezes, resta então apenas a pista dos jihadistas presos – “e mesmo aí é preciso cuidado com as motivações elaboradas a posteriori”, adverte Laurent Bonelli. O jornalista David Thomson13 e a dupla Puchot-Caillet, no entanto, foram pioneiros em conversar diretamente com jihadistas “ativos”.
Essa falta de acesso ao campo não impede os debates doutrinários, como aquele travado há quase dois anos pelos cientistas políticos François Burgat, Gilles Kepel e Olivier Roy.14 Entre os dois últimos, pode-se falar em uma polêmica pública, cujos excessos são lamentados por muitos de nossos interlocutores. “Para Burgat”, resume Michel Wieviorka, “a questão é sobretudo a da dominação colonial; já Kepel considera a religião como o cerne do assunto; e Roy privilegia a radicalização dos jovens.”
A fórmula de Olivier Roy é conhecida: o jihadismo não seria o resultado “da radicalização do islã, mas da islamização do radicalismo”.15 Explicação textual: “Há uma radicalização do islã, é evidente […]. Então, por que distinguir as duas coisas? Porque a radicalização jihadista, para mim, não é a consequência mecânica da radicalização religiosa. A maioria dos terroristas é formada por jovens da segunda geração de imigração, radicalizados recentemente e sem um itinerário religioso de longo prazo”.16
Gilles Kepel, que preferiu não responder às nossas perguntas, privilegia a dimensão religiosa e ideológica do jihadismo, mas não exclui outros fatores explicativos. Ele menciona, por exemplo, em seu último livro,17 a entrada da França, com os atentados de 2015, em “um espaço do jihadismo universal no qual se imbricam o abandono social, o passado colonial, o desencanto político e a exacerbação islâmica”. Como revela um de seus ex-doutorandos, que não deseja ser identificado: “Nessa polêmica entre Kepel e Roy, tudo é uma questão de ordem das prioridades. Se você privilegia a islamização do radicalismo, você relativiza o debate sobre a natureza do islã e coloca o problema do ponto de vista político e social. Inversamente, se insiste no predomínio do religioso nas motivações dos jihadistas, então você aborda a questão da relação do islã com o mundo ocidental, com a modernidade etc. No contexto político atual na França e na Europa, isso não é neutro”.
Um desejo de vingança
François Burgat afirma recusar-se a “inverter os efeitos e as causas”. Para ele, é o “baixo desempenho” das instituições responsáveis pela vida coletiva em escala nacional e internacional que “fabrica os futuros membros” do jihadismo. Mesmo a apropriação da religião muçulmana pelo salafismo, “exemplo de ideologia binária e de clivagem, não carrega a responsabilidade da violência política”.
O sociólogo e filósofo Raphaël Liogier18 discute como o salafismo, que hoje se tornou um “termo guarda-chuva” que abrange tanto o islamismo como o terrorismo, pode influenciar a radicalização. Referindo-se originalmente a um desejo de “retorno ao modo de vida dos ancestrais a fim de imitar os companheiros do Profeta no século VII”, ele se tornou na França “um fenômeno da moda”, no qual a fé se manifesta pelo vestuário, pela barba e por um modo de vida no qual a exigência do halal (que é lícita) torna-se obsessiva. A partir de 1990, encontramos “versões duras do salafismo” que podem servir para justificar a violência. Com os anos 2000, seus seguidores foram se tornando “cada vez mais fundamentalistas”. Em torno de 2010, explica Raphaël Liogier, “jovens de bairros em dificuldades que queriam acertar suas contas com a sociedade aproveitaram essa nova ação de um islã designado como inimigo”. No entanto, esses “rebeldes” não se ligam “nem ao islã, nem ao islamismo, nem ao salafismo”. Eles não falam árabe, não aprendem o Corão e só são sensíveis à ideologia islâmica “na medida em que ela dá eficácia a seu desejo de vingança”.
Segundo Myriam Benraad, “ser salafista não significa cair na ação violenta ou na radicalização”. No mundo árabo-muçulmano confrontado com a violência armada de grupos islamistas, houve até mesmo um tempo em que se opunha o radicalismo ao quietismo pacífico dos salafistas. Ainda hoje, na França, muitos salafs, como eles às vezes se referem a si mesmos, reivindicam uma recusa total da violência e seu direito de viver separados de uma sociedade considerada excessivamente secularizada. Laurent Bonelli fala de “micromudanças, de eventos sucessivos” que pontuam os itinerários dos jihadistas franceses cujos arquivos ele conseguiu consultar. Para ele, “questões ligadas à marginalização, à injustiça social e às crenças religiosas ou ideológicas estão intimamente ligadas”.
Para François Burgat, que privilegia a noção de ruptura, a primeira variável da “demanda de jihad” é a “rejeição do grupo de origem”. Acreditando que nunca será um “francês de pleno direito”, o jovem torna-se um “francês plenamente apartado”. Podemos estabelecer aqui um paralelo com o itinerário de Khaled Kelkal, morto em 1995 – ou seja, vinte anos antes dos atentados de janeiro e novembro de 2015 em Paris –, o qual dizia, antes de aderir à violência, “não ter encontrado lugar” na sociedade francesa.19 A segunda motivação, de acordo com Burgat, reside na atração da “oferta de jihad”, construída “como uma resposta às ausências que alimentaram a demanda”. Dounia Bouzar não discorda: “Quanto menos os jovens têm espaço aqui, mais eles procuram esse espaço lá”. No entanto, ela reconhece o “caráter socialmente desigual da chamada para o Número Verde”, que vem “principalmente de famílias de classe média”. As famílias das classes populares “não ligam facilmente para um número que pensam estar sob o controle da polícia”.
Para esta reportagem, pareceu-nos útil falar com o ex-juiz antiterrorista Marc Trévidic. Embora ele não seja exatamente pesquisador ou acadêmico, suas constatações nos casos que instruiu podem iluminar o debate. E, para ele, a dimensão religiosa, “inegável” em escala global, parece “menos evidente” para os jihadistas franceses. Coexistiriam duas dimensões. “Há jovens que querem causar estrago e outros profundamente motivados por uma convicção religiosa. E, nos casos que tratei, nunca foi 100% um ou 100% outro. A base, sem dúvida, é o ódio, o desejo de vingança. Alguns são verdadeiros revolucionários, e a religião oferece-lhes um contexto muito estruturante.” Os mais perigosos, acredita o juiz, foram “atingidos em seu orgulho. Têm a impressão de que são tratados como inferiores, enquanto se sentem superiores”. O islã radical, com sua forma de mostrar-se no cotidiano (barba, roupas, regras alimentares), dá aos jovens envolvidos uma segurança, até uma arrogância nova. Segundo o magistrado, isso é particularmente verdadeiro no que concerne aos jovens de origem argelina, “para os quais se soma o passado”; portanto, “uma vingança a ser exercida contra a França”.
Desse modo, é impossível evitar a questão da história colonial. “Ela não é expressa de maneira espontânea”, observa, no entanto, Laurent Bonelli. “Alguns jihadistas mencionam a humilhação do pai, trabalhador imigrante, ou abordam as relações de força entre o Ocidente e o Oriente. Mesmo a questão palestina raramente está entre os argumentos de justificação.” Baseado na análise dos percursos, François Burgat acredita que o componente central seria “França, terra de humilhação”. Cabe mencionar a nomeação, em agosto de 2016, de um não muçulmano (Jean-Pierre Chevènement) para dirigir a Fundação do Islã da França. Seria possível imaginar um não judeu presidindo uma fundação para o judaísmo? Feita há mais de um ano, essa nomeação ainda alimenta a irritação de muitos franceses de confissão ou cultura muçulmana, que acusam as autoridades de infantilizá-los por meio de uma gestão paternalista de sua religião.
Uma minoria significativa de jihadistas – um terço?20 – não vem de comunidades originárias de países muçulmanos. Para entender isso, afirma François Burgat, é preciso utilizar “uma caixa de ferramentas diferente”, com instrumentos válidos para os muçulmanos, ou seja, a já mencionada “rejeição do meio de pertencimento”. Seja qual for sua origem, os jihadistas compartilham um mesmo “desejo de aventura”. Outra explicação de Farhad Khosrokhavar: para os jovens marginalizados, o Estado Islâmico também pode aparecer como “uma oportunidade de promoção social”, com emprego e remuneração.
Aliás, muitos jihadistas, depois de recrutados, mantêm um estilo de vida bem pouco halal, que inclui álcool, drogas e pequenos crimes. Dounia Bouzar vê neles os “perfis mais perigosos”, com pulsões que os levam a “morrer como ‘mártires’” para ganhar o paraíso… onde tudo será permitido! Marc Trévidic enfatiza que “o islã jihadista não requer a renúncia aos pecados”. Em uma exibição de “hipocrisia”, alguns vão à Síria para “encontrar ‘meninas’”. A frustração sexual, a solidão afetiva, a falta de conforto material suficiente para poder se casar constituem “um dos motores do jihad”. Os recrutadores sabem disso e “atraem muitas mulheres para atrair muitos homens”.
Quando falamos das questões psicológicas de alguns jihadistas, François Burgat se rebela: “Desde sempre, a tentação de tratar aqueles que simbolizam as fraturas do tecido político apenas como se fossem muito reconfortantemente portadores de uma patologia individual ou coletiva é uma das formas de nossa recusa em ver a matriz política do problema e nossa parte de responsabilidade nele”. Farhad Khosrokhavar lembra, no entanto, que um terço da população prisional – em meio à qual o proselitismo jihadista é muito ativo – tem “problemas mentais, e metade desse grupo deveria estar internada”. Após os atentados de Barcelona e Cambrils (17 e 18 de agosto de 2017), o ministro francês do Interior, Gérard Collomb, pediu que psiquiatras ajudassem os serviços de segurança a “detectar potenciais terroristas”. Esse pedido de ajuda provocou um alvoroço nos meios hospitalares.
“Em 2015, eu disse que as academias de musculação abrigam mais jihadistas potenciais do que as mesquitas”, destaca Raphaël Liogier, ele próprio um adepto das artes marciais. Cabe estimar que, no caso do autor do ataque à loja Hypercacher, em janeiro de 2015, como no do autor do atentado de Nice, em 14 de julho de 2016, o trabalho obsessivo dos músculos revela um complexo ligado à virilidade. O “desejo de demonstrar sua potência” pode desencadear a passagem ao ato. Marc Trévidic acrescenta que, enquanto “a Al-Qaeda não integrava psicopatas, o Estado Islâmico, ao contrário, recruta criminosos violentos que já tenham matado ou estejam prontos a isso”.
Uma vez compreendidos os fatores do jihadismo, como combatê-lo? Pierre Puchot privilegia “soluções políticas para os problemas do Oriente Médio e o fim das intervenções militares ocidentais, que preparam a cama da propaganda jihadista. A vitória militar anunciada sobre o Estado Islâmico não resolverá nada. É necessário secar a produção ideológica dos jihadistas”. Na mesma linha, Hasni Abidi sugere uma reflexão de escala internacional: “Os pesquisadores ocidentais têm todo o interesse em aprender sobre o trabalho de seus colegas árabes. As contribuições do pesquisador Marwan Shehadeh sobre a transformação do discurso salafista e de Mohamed Abou Roumane sobre o pensamento islâmico são, por exemplo, um grande contributo para entender o jihadismo e, posteriormente, refutá-lo e combatê-lo”. Uma das contribuições desses pesquisadores é o destaque da noção de “valores não negociáveis ou não discutíveis” no discurso jihadista. O objetivo dos teólogos seria então refutar os “valores sagrados” dos jihadistas – expressão empregada pelo pesquisador Scott Atran21 –, a fim de convencê-los a desistir da ação violenta.
Farhad Khosrokhavar acredita que, uma vez “identificados e neutralizados os jihadistas”, é preciso ajudá-los a “refletir sobre sua própria jornada”. Antes dos 20 anos de idade, destaca o sociólogo, a ideologia “tem um papel marginal: o que domina são os problemas da pessoa”. Daí a importância do trabalho psicológico de “desradicalização”. Como o de Dounia Bouzar? “Ela tem razão em acreditar que alguns jovens são vítimas de manipulação sectária, mas está errada em pensar que esse modelo pode ser generalizado.” Isso porque a questão ultrapassa a psicologia individual: na Europa, continua o sociólogo, boa parte dos jovens excluídos, de origem muçulmana, “nega a igualdade de oportunidades e, assim, recusa-se a aderir a uma visão secularizada da sociedade moderna”.
O juiz Marc Trévidic pensa primeiro nas pessoas em prisão domiciliar, em virtude do estado de emergência. O sistema atual consiste em “neutralizar as pessoas… sem fazer nada depois”. Muitas vezes, elas sairão “piores” do que entraram. Daí uma prioridade: “Restaurar a capacidade de investigação aprofundada de nosso sistema de justiça, para reunir elementos objetivos que permitam saber se alguém é perigoso ou não”. O mesmo problema se coloca para as pessoas condenadas por terrorismo, com sentenças que chegam a seis ou sete anos de prisão. “Se a cooperação entre a inteligência e a entidade judicial fosse mais harmoniosa, as evidências coletadas pela primeira poderiam ser utilizadas pela segunda. Por enquanto, começamos sempre do zero!”
Outro grande desafio se desenha: a necessidade de combater o proselitismo radical dentro do sistema prisional. Para Gilles Kepel, está claro: a prisão será uma “ENA do jihadismo”,22 diz ele se referindo à Escola Nacional de Administração, que forma as elites francesas. Em um livro que trata de uma pesquisa de cinco anos, Farhad Khosrokhavar estima que “de 40% a 60% dos detidos são de confissão muçulmana”.23 Ele ressalta que vários tipos de prática religiosa coexistem atrás das grades, e o “islã jihadista” é apenas uma minoria. “Radical e exclusivista” no plano teológico, o “islã salafista” rejeita a violência, uma vez que “a grande maioria dos salafistas na prisão tem outro sonho que não o jihad, o da hijra [emigração para um país muçulmano], que lhes permitiria viver mais confortavelmente sua fé do que na França laica”. Prevenir a radicalização no meio carcerário exigirá impedir a convergência total e definitiva entre salafismo e jihadismo.
*Akram Belkaïd é jornalista; Dominique Vidal é historiador e dirige, com Bertrand Badie, a publicação anual L’État du monde, La Découverte, Paris.