O Kremlin contra os chefões
Diante da iminência de novas privatizações, Putin desfechou o primeiro golpe à oligarquia que controla hoje setores estratégicos da economia russa, evitando que elas dessem as cartas sozinhas. Mikhail Khodorkovski, o chefão da Yukos, foi o primeiro alvoNina Bachkatov
O desfecho do conflito que opõe, desde julho, o Kremlin ao magnata do ouro negro Mikhail Khodorkovski decidirá o rumo da Rússia na próxima década. A poucas semanas das eleições legislativas de 7 de dezembro, o choque se tornou inevitável desde que certos chefões, o ex-diretor da Yukos1
à frente, queriam “privatizar” a próxima Duma2
, obtendo nela uma minoria de bloqueio. Mas o presidente Vladimir Putin tomou também a iniciativa devido à iminência de novas privatizações – dos monopólios do estado como a Gazprom – e da chegada de grandes investimentos estrangeiros em setores estratégicos: ele não podia aceitar que os chefões, reforçando seu domínio sobre a economia, decidissem sozinhos as condições nas quais as empresas multinacionais tomariam pé no país.
A comunidade internacional conta os pontos, tentando salvar ao mesmo tempo sua imagem e seus interesses, apesar de suas próprias contradições. Depois de ter oferecido aos países saídos do comunismo as chaves da “democracia” e o “mercado”, espera não ter de escolher entre o homem do Kremlim e o mundo dos negócios e sonha que está emergindo uma personalidade capaz de vestir de uma maneira confiável a toga de defensor dos valores democráticos e da livre empresa.
Homens considerados ontem como escroques vulgares tornaram-se assim os campeões das liberdades porque aceitam dividir com o Ocidente os frutos de sua engenharia financeira e se opõem aos « estatistas » agrupados em volta do “ex-espião” Putin – antigo membro do KGB. No Ocidente, as pessoas se inquietam mais com sua própria sorte do que com a de dezenas de milhões de vítimas do desmoronamento pós-comunista. Quanto a estas, estão alegres de ver um magnata cair de novo na gleba de onde ele tinha saído às custas delas.
O caso Yukos
Homens considerados ontem como escroques vulgares tornaram-se assim os campeões das liberdades porque aceitam dividir com o Ocidente os frutos de sua engenharia financeira
O caso Yukos começa em 19 de junho de 2003 com a prisão de Alexei Pitchuguin, chefe dos serviços de segurança, acusado de dois assassinatos e de uma tentativa de homicídio em 1998. Dia 3 de julho, é a vez de Platon Lebedev, acionista da empresa e presidente do seu braço financeiro, a Menatep: ele é preso e acusado de diversas infrações financeiras no âmbito da privatização do grupo de fertilizantes Apatit (1994) e de implicação no assassinato em 1998 de um prefeito que lutava para forçar a Yukos a pagar seus impostos atrasados. O procurador geral vai convocar também o presidente, Mikhail Khodorkovski e seu assessor Leonid Nevzline, refugiado desde então em Israel. Cena teatral no dia 25 de outubro: Khodorkovski reúne-se a Lebedev na prisão, sob sete acusações entre as quais roubo organizado em grupo, estelionato, evasão fiscal, falsificação. Os dois homens, que negam os fatos, podem pegar dez anos de prisão.
No dia 30 de outubro, o procurador geral bloqueia 44% das ações do grupo, avaliadas em 15 bilhões de dólares. Mas o chefão teria percebido antes a manobra e já não possuiria mais que 9,5% das ações, o resto tendo sido transferido para a Yukos Universal e Halley Enterprises, duas entidades pertencentes à Menatep Gibraltar, uma companhia irmã da Menatep. Em um gesto de desafio, a sociedade oferece 2 bilhões aos seus acionistas, um dividendo recorde que cai em grande parte na pasta de Khodorkovski (e do chefão Roman Abramovitch, que havia adquirido 26% da Yukos no momento da venda de uma outra companhia russa, a Sibneft).
Khodorkovski abandona então a presidência do conselho de administração “para o bem da empresa e dos funcionários” e anuncia que se dedicará à fundação Rússia Aberta, criada em 2001 a fim de promover a “sociedade civil”. Seu sucessor é Simon Kukes, naturalizado americano, retornado em 1996 como vice-presidente da Yukos, que havia passado pela TNK (Petróleos de Tiumen), em 1998, pelo tempo suficiente para negociar o investimento da British Petroleum (BP), de volta a Yukos neste verão. A companhia conta agora com três diretores americanos para quatro russos.
Medida de salvaguarda
Essas prisões acontecem no momento em que a Yukos dá uma reviravolta histórica – a fusão com a Sibneft e as negociações visando a venda de ações a uma multinacional
Segundo o procurador, o bloqueio das ações não é um confisco, mas uma medida de salvaguarda, já que Khodorkovski e seus amigos devem ao Estado um bilhão de dólares. Nada de excepcional nisso: desde o começo do ano, 3 000 processos foram abertos contra os refratários ao imposto. Mas o peso da empresa e a personalidade do seu diretor dão uma dimensão internacional ao caso.
Percurso clássico, o deste ex-apparatchik3