O lirismo lúcido de Bianca Monteiro Garcia
Com versos sobre luto e loucura, a autora foi premiada com o Jabuti para estreantes em poesia. O livro foi publicado por sua editora, que se dedica exclusivamente a obras de mulheres
Falar em literatura e mulher é tema recorrente e as publicações são incontáveis. É possível ler uma variedade expressiva de novas autoras que se destacam em premiações, curadorias e editoras. Um exemplo atual desses casos de sucesso é o da poeta e editora carioca, Bianca Monteiro Garcia, de 30 anos, a primeira pessoa a ganhar o prêmio Jabuti pela categoria inédita de Escritor Estreante de Poesia, que foi criada como parte do Eixo Inovação.

O livro premiado foi Breve ato de descascar laranjas, publicado pela Macabéa, editora fundada por Bianca e que só publica mulheres. Aliás, “Macabéa” é o nome de uma célebre personagem que ganhou voz na literatura brasileira, protagonista do romance de Clarice Lispector, A hora da estrela.
Não à toa é o nome da editora que Bianca Monteiro Garcia toca com outras duas sócias, também escritoras e editoras, Milena Martins Moura e Priscilla Branco. A Macabéa traz para o centro da cena narrativas, temáticas e estilos dos mais variados, mas sempre de autoria feminina.
E breve ato de descascar laranjas, de Bianca, é um desses livros. Publicado em 2023, alterna séries precisas de poemas e algumas imagens em cianotipia. As páginas são azuis desde a capa até algumas partes do miolo. E suas escolhas editoriais são tão bem cuidadas que chegam a lembrar um livro em edição especial.
Além disso, os poemas da autora têm metáforas bem construídas, ritmo ágil e um lirismo lúcido que não cansa quem lê, pois partilha um mundo de imagens que é possível reconhecer; tocar.
Como nos versos que remetem ao título: “silêncio no forno e na sala / cercada de caixas caixotes e caixões / morei ali entre roupas e cabides / respirando grito e algodão com dificuldade / a casa imensa os móveis tímidos / com uma laranja uma faca e um prato / colecionei cascas sementes e bagaço / fui a criança mais feliz da escola”.
Os temas centrais do livro são o luto – pela morte do pai, da avó – e a loucura – onde uma internação psiquiátrica é relatada. Ainda assim, os versos se constroem por um vocabulário objetivo e são repletos de imagens solares, longe de jogos vazios de palavras ou de se embargar com a própria tristeza.
Essa ambivalência entre o tema e a forma amplia o campo sensorial dos textos, a tal ponto não sabemos se estamos diante de um livro que fala sobre a vida ou sobre a morte. Como nos versos “ir ao seu apartamento / regar as plantas mortas / mexer nas suas coisas à procura de / o edredom alvoroçado na cama”.
No prefácio, assinado pela professora Martha Alkimin, da Faculdade de Letras da UFRJ, lemos algo desse embate entre vida e morte: “o livro de Bianca Monteiro Garcia soa como uma luta contra o esquecimento. Assim, recolhendo destroços, fazendo a checklist para o fim, atravessando o silêncio mineral da morte ou, ainda, encontrando em um porão o rastro de outras mulheres, a autora partilha sua sensibilidade com quem sabe, e sabe bem, os significados do lembrar e da memória”. A luta contra o esquecimento é, em alguma medida, luta contra a loucura ou a morte.
Com forte influência de poetas como Ana Cristina Cesar, Alejandra Pizarnik, Tamara Kamenszein e Carlos Drummond de Andrade, Breve ato de descascar laranjas, chega como mais uma representante de uma literatura feita por mulheres que vêm para ficar.
Ana Luiza Rigueto é jornalista, poeta e crítica de literatura.