O novo Fundeb: o que está em jogo com a nova PEC?
A PEC que reformula o Fundeb segue para o Senado e se for aprovada torna o principal mecanismo de financiamento da educação básica pública no Brasil permanente. Leia mais um artigo do Especial Observatório de Educação.
A Câmara dos Deputados aprovou, no último dia 21 de julho, a proposta de emenda constitucional (PEC) do novo Fundeb, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica – que financia cerca de dois terços de toda a educação básica pública do Brasil. O fundo expirava no final deste ano.
A PEC foi aprovada em dois turnos, por 499 votos a 7 na primeira votação e por 492 votos a 6 na segunda. Agora segue para o Senado, onde também tem de ser aprovada com maioria qualificada em dois turnos. De acordo com a Agência Senado, o relator da proposta, senador Flávio Arns (Rede-PR), afirmou que a votação deve acontecer ainda em agosto. Se o texto for aprovado no Senado, tornará o Fundeb permanente e promoverá mudanças importantes no financiamento e na distribuição de recursos para a educação pública básica do país.
Na avaliação de Ricardo Henriques, superintendente executivo do Instituto Unibanco, o novo Fundeb está na direção correta porque ele traz a proposta de corrigir algumas coisas que precisam ser melhoradas. “O Fundeb é necessário para mitigar desigualdades, mas é importante ajustar a regulamentação, pois ela é fundamental para avançarmos na discussão da melhoria da qualidade do gasto. Precisamos aumentar a qualidade do gasto e do investimento”. Ricardo ressalta ainda que é necessário “caminhar na direção de um Sistema Nacional de Educação. Quando tivermos um sistema que alinhe governo federal, estadual e municipal poderemos definir regras e parâmetros comuns. Desde a contabilidade dos gastos até a estrutura de processos que permitam que a rotina do dia a dia das secretarias seja comprometida com efetivar desembolsos, efetivar gastos que aumentem a probabilidade de reduzir desigualdades e aumentem a aprendizagem de todos os estudantes”. O superintendente executivo do Instituto Unibanco vê esse momento como uma oportunidade de reconhecer a importância de um Estado ativo e “profissionalizado com alta capacidade de gestão, mas também de reconhecer que o público-alvo da Educação Básica precisa de uma política integrada com assistência social, saúde e alimentação para além da Educação”, finaliza.
O parecer apresentado pela relatora da PEC, a deputada federal Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO), antes da votação, destacava a complementação da União de 10% para 20%, com escalonamento de 6 anos, passando a alcançar 23 estados; destinação de percentual mínimo de 70% para pagamento dos profissionais da educação; preservação dos recursos dos programas de alimentação escolar, livro didático, transporte escolar etc.; inclusão dos recursos do petróleo e gás derivados da exploração do pré-sal para investimento na Educação.
Criado em 2007, com prazo de vigência até 31 de dezembro de 2020, o Fundeb é o principal mecanismo de financiamento da educação básica pública no Brasil. Em 2019, movimentou cerca de R$ 165 bilhões, que foram empregados para viabilizar a escolarização de quase 39 milhões de alunos matriculados nas redes públicas de ensino, da creche ao ensino médio, incluindo a educação de jovens e adultos (EJA).

O Fundeb é um fundo especial, de natureza contábil e âmbito estadual, formado pela junção de fundos dos 26 estados da Federação e do Distrito Federal. Com função redistributiva, é composto quase que na íntegra por recursos oriundos de impostos e transferências dos entes federativos e seus municípios, recursos estes vinculados constitucionalmente à educação.
O fundo também conta com a complementação da União, com repasses hoje limitados a 10% da contribuição dos estados e municípios. Os montantes do governo federal entram em cena sempre que, na esfera de cada estado, seu próprio fundo não é capaz de cobrir o valor mínimo por aluno definido a cada ano, como referência nacional, por uma comissão intergovernamental. Em 2020, este valor anual mínimo corresponde a R$ 3.643,16. Os estados que recebem contribuição complementar do Fundeb atualmente são Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco e Piauí.
No formato atual, os recursos do Fundeb devem ser destinados à manutenção e ao desenvolvimento da educação básica pública, obedecendo à rubrica de pelo menos 60% para a remuneração dos profissionais do magistério na ativa – professores e também profissionais que exercem atividades de suporte pedagógico, como direção ou administração escolar, planejamento, inspeção, supervisão, coordenação pedagógica e orientação educacional. A ampliação de 60% para 70% desta subvinculação, destinada a pagamento de salários, é um dos pontos de debate mais intenso e foi contemplada pela relatora.
De acordo com um levantamento realizado pelo movimento Todos pela Educação, os recursos do Fundeb representavam, em 2015, mais da metade do que se investiu em educação em 90% dos municípios brasileiros naquele ano. Em entrevista recente à TV Câmara, a deputada Dorinha situou que o Fundeb cobre 63% do financiamento da educação básica pública no Brasil.
Risco de fechamento
Nas palavras da relatora, a possibilidade de extinção do Fundeb, que também atua na redução das diferenças do investimento em educação entre os municípios dentro de um mesmo estado, traria um cenário de “caos” ao setor. “Se o Fundeb deixar de existir, muitos municípios vão fechar suas escolas”, assinala a parlamentar.
Alexandre Soares Gomes, presidente da seccional da União dos Dirigentes Municipais de Educação no Rio Grande do Norte (Undime-RN), divulgou uma carta, no último dia 29 de junho, que mostra o tamanho do risco no estado se a PEC do Fundeb não prosperar.
“No Rio Grande do Norte, dos 167 municípios potiguares, mais da metade não conseguiria pagar os profissionais da educação sem a complementação dos recursos do Fundeb”, escreveu o educador. Ele confirma que, sem o fundo, muitas escolas do estado teriam que fechar suas portas, “pois não haveria condições de sobrevivência”.
A urgência da aprovação do projeto tornou-se ainda maior no contexto atual de pandemia. Completados mais de 100 dias de isolamento social em razão da Covid-19 – o que significa, em média, mais de 70 dias letivos com alunos fora das instituições de ensino –, a situação de insegurança das comunidades escolares fica cada vez mais evidente.
Para um futuro próximo, de retomada das atividades, a preocupação com o gasto das redes aumenta em escalada diante do desafio de acolher os alunos segundo os protocolos de segurança sanitária necessários, assim como de lhes fornecer atendimento educacional adequado, sem contar os recursos que já estão sendo utilizados para viabilizar o ensino remoto.
Este conteúdo foi produzido pelo Instituto Unibanco, em parceria com o Le Monde Diplomatique Brasil