O que esperar da COP28?
Brasil continua em débito com o Acordo de Paris. Em 2022, sob o governo Bolsonaro, o país foi responsável por 43% do desmatamento global. Mesmo sob o governo Lula, com expressiva queda no desmatamento, o mês de agosto de 2023 registrou a perda de 563 km²
As promessas têm que sair do papel e a COP28 será reveladora. O evento divulgará o primeiro balanço global do Acordo de Paris, o Global Stocktake (GST), com o estado da arte da implementação em seus objetivos e metas. Será feita uma avaliação do desempenho de cada estado-parte.
O Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática da ONU (IPCC) concluiu em seu último relatório que a quantidade necessária de cortes de dióxido de carbono (CO₂) para manter a meta de aumento da temperatura em 1,5 °C estabelecida no Acordo de Paris deverá ser de 48% até 2030, com base nas emissões de 2019; 65% até 2035; 80% até 2040; e 99% até 2050.
Segundo a Agência Internacional de Energia, para correção de rumos será necessário o corte de 25% das emissões globais de combustíveis fósseis até 2030, em alinhamento com as metas assumidas no Acordo de Paris, com o investimento em renováveis subindo de US$ 1,8 trilhão anuais para US$ 4,5 trilhões nos próximos sete anos.
O Brasil neste contexto figura mal. Até 2026, de acordo com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), R$ 449,4 bilhões serão destinados à transição e segurança energética, dos quais R$ 233,8 bilhões (61%) estão destinados a petróleo e gás, valor treze vezes maior do que os investimentos previstos para combustíveis de baixo carbono.
O país continua em débito com o Acordo de Paris. No cômputo de emissões continua a registrar forte defasagem provocada pela devastação na Floresta Amazônica. Em 2022, sob o governo Bolsonaro, o Brasil foi responsável por 43% do desmatamento global. Mesmo sob o governo Lula, com expressiva queda no desmatamento, o mês de agosto de 2023 registrou a perda de 563 km², o que equivale a 1,2 campo de futebol por minuto.
O Acordo de Paris de 2015 estabeleceu limite para aumento da temperatura global em 1,5 ºC até o final do século, tomando por base o início da era industrial. No ritmo atual o aquecimento médio poderá atingir, segundo o IPCC, de 2,4 ºC a 2,6 ºC.
Argumentos econômicos têm sido utilizados para demonstrar a tragédia futura caso a humanidade não corte a emissão de gases de efeito estufa (GEE). Dados do IPCC apontam custo estimado de US$ 54 trilhões se a temperatura média global subir 1,5 °C até o final deste século, ou seja, apenas 0,3 ºC mais do que os atuais 1,2 ºC de aquecimento. Se atingir mais 2 ºC, os prejuízos estão estimados em US$ 69 trilhões.
Além dos números, a tragédia humana é incalculável. Basta observar o que aconteceu em Derna, na Líbia, após a passagem da tempestade Daniel, que deixou um saldo superior a uma dezena de milhares de mortos.
Questões humanitárias e econômicas se reúnem como elemento irrecusável para estimular a tomada de decisão das nações com maior responsabilidade sobre o aquecimento global. Isso exigiria um estágio de governança mundial inclusivo e colaborativo, mas questões geopolíticas domésticas, competições por hegemonia econômica, PIB recheado de carbono, guerra fria e guerra da Ucrânia têm representado entraves intransponíveis.
A conjuntura é difícil. O que se senta à mesa de negociações são interesses outros que não a defesa da humanidade. Os verdadeiros players em defesa do clima têm sido os países menores, mais pobres e mais vulneráveis, mas salta aos olhos a falta de ações concretas que beneficiem a segurança das populações.
Depois de mais de trinta anos de pleitos insistentes, os países mais vulneráveis conseguiram aprovar na COP27 (Egito-2022) o fundo para perdas e danos que pudesse reparar efeitos adversos das mudanças climáticas. Enquanto os impactos climáticos são cada vez mais frequentes e intensos, o apoio financeiro dos países mais ricos e poluidores continua sendo uma miragem, sem acordo sobre quem financiará recursos globais da ordem de US$ 100 bilhões/ano, conforme acordado na COP16, em Cancun. Sobre essa pauta pesa a inadequação provocada por concessões de empréstimos a título de compensações, que leva países vulneráveis a um maior endividamento.
A alternativa de financiamentos também está sendo minada pelo fato de países em desenvolvimento apresentarem maior risco para financiadores, contando ainda com restrições ao crédito e avaliação de risco por parte de empresas seguradoras.
Resta também equacionar alguns avanços prometidos no Pacto de Glasgow, na COP26 de 2021, no que se refere aos esforços de Meta Global de Adaptação com prazo para 2025, visando estabelecer mecanismos para que os países protejam suas populações. A falta de estratégias bem definidas levou a uma ausência de compromisso em sua implementação, postergando expectativas de novos acordos apenas para a COP28.
No pano de fundo continua o modelo econômico. As Nações Unidas estimam que 52 países estão em risco ou com alto endividamento – e que essas nações representam quase metade da população global. A crise provocada pela Covid-19, a deterioração da paz global com a guerra da Ucrânia, que afetou a oferta e custo de alimentos básicos, além de impactos climáticos, contribuíram para a manutenção de condições econômicas adversas.
Como assegurar à metade da população global acesso aos recursos para sua adaptação? Várias perspectivas têm sido aventadas, entre as quais se destaca a Iniciativa Bridgetown, de Barbados. Voltada à manutenção das economias frágeis, pretende evitar crises de endividamento, com a mudança dos termos de empréstimos e reembolso; a liberação de US$ 1 trilhão para países de média e baixa resiliência climática; e o financiamento de mitigação e reconstrução de desastres climáticos, alavancando valores superiores a US$ 3 trilhões em financiamento privado. Essa estratégia tem sido comparada à proposta do Plano Marshall, que proporcionou US$ 13 bilhões de ajuda externa à Europa Ocidental após a Segunda Guerra Mundial.
Essas propostas buscam adaptar à realidade das mudanças climáticas os mecanismos econômicos utilizados pelo Banco Mundial e FMI. “Não podemos abordar questões modernas com instituições que foram criadas para um mundo muito diferente, há quase oitenta anos”, disse Mia Mottley, primeira-ministra de Barbados, na Cúpula para o Novo Pacto Global que ocorreu em 2023 em Paris.
O fato é que essa proposta não resolveria, de forma estrutural, a injustiça climática que vem sendo pleiteada como forma de reparação por perdas e danos, mas permitiria moratórias estratégicas, suspenção de taxas de juros, crédito rápido para crises e maior facilidade de acesso para países vulneráveis ao fluxo financeiro multilateral global.
Interessante notar que tais iniciativas são provenientes de países vulneráveis e estão ocorrendo em paralelo aos encontros climáticos globais, como novas tentativas de reestruturação econômica global mais adequadas ao século XXI.
Continua, no âmago das negociações, os créditos de carbono, ou a compra do direito de continuar a emitir GEE mediante compensações que incidem, na maioria das vezes, sobre ativos ambientais preexistentes, o que na prática não contabiliza benefícios ambientais, especialmente no atual cenário de emergência climática que exige respostas efetivas.
Em 20 de setembro, na abertura da Assembleia Geral da ONU, o secretário-geral Antonio Guterrez reafirmou o risco climático: “Sem medidas concretas o mundo se dirige para um aumento de temperatura de 2,8ºC”.
Nesse cenário adverso, o que esperar da COP28? No mínimo, compromissos concretos para as correções da realidade apontada pelo Balanço Global (Global Stocktake), que reúne cerca de 1,6 mil documentos e contribuições aportadas por agentes governamentais, da sociedade civil e de representantes da ciência.
Será a oportunidade estratégica, desde o Acordo de Paris, para que a humanidade possa corrigir sua rota. O processo deverá obter, como resultado, a percepção e correção das lacunas em escala global, incluindo metas e compromissos concretos para redução das emissões, planos de adaptação, resiliência e aporte de recursos financeiros para enfrentar a crise do clima.
O próximo balanço está previsto somente para 2028, tempo tardio para evitar a perda de inúmeras vidas humanas, biodiversidade e ecossistemas vitais.
Carlos Bocuhy é presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam).
Bom dia, essas notícias são essenciais para que o mundo acorde e reajam rápido as relações climáticas Globais