O sonho distante da integração plena
Após o “grande alargamento” de 2004, em que dez Estados foram admitidos no seleto clube da União Europeia, decidiu-se colocar em regime de espera os países saídos da ex-Iugoslávia, alegando impotência para solucionar tantas tensões regionais
Por ocasião da Cúpula Europeia, em Tessalônica, Grécia, de 19 a 21 de junho de 2003, uma nova expressão geográfica foi inventada: os “Bálcãs ocidentais”. A partir de então, Croácia, Bósnia-Herzegovina, Sérvia, Montenegro, Macedônia e Albânia obtiveram um lugar especial na sala de espera para o desenvolvimento europeu.
Nesse meio tempo, um novo Estado apareceu para tentar se juntar ao clube: Kosovo. Mas a existência autônoma desse ex- -integrante da Iugoslávia ainda não é reconhecida por cinco membros da União Europeia (UE) – Espanha, Eslováquia, Romênia, Grécia e Chipre.
As regras estabelecidas em Tessalônica eram claras: em troca de uma futura adesão, os países em questão deveriam levar a bom termo uma série de reformas importantes para se adequar aos “critérios de convergência” europeus na área da reforma das instituições, do Estado de Direito, da luta contra a corrupção e o crime organizado e do respeito à democracia. Deveriam também dar prosseguimento à liberalização de suas economias, com plena abertura à concorrência.
Além disso, a situação dos países seria examinada caso a caso e a Comissão Europeia reservava-se o direito de julgar os progressos dos “aspirantes europeus”. Após o “grande alargamento” de 2004, em que ingressaram dez Estados1, a última “adesão em grupo” foi a da Romênia e Bulgária.
Nesse início de milênio, certo otimismo prevalecia. A página das guerras parecia definitivamente virada: em janeiro de 2000, a Croácia conhecia uma alternância democrática e, em outubro do mesmo ano, a Sérvia se livrou do regime de Slobodan Milosevic. É certo que alguns problemas persistiam, como o de Kosovo, colocado sob o protetorado das Nações Unidas desde junho de 1999; ou o da Bósnia, incapaz de executar reformas. Mas o momento era propício à democratização e à reconstrução. Ao mesmo tempo em que a adesão se impunha como uma perspectiva “natural” para esses países, a UE assumia crescentes responsabilidades políticas, econômicas e até mesmo militares na área, como na Bósnia-Herzegovina, onde a missão da Força de Estabilização, Stabilization force (SFOR), da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) era substituída, em dezembro de 2004, pela Força da União Europeia (EUFOR). A Agência Europeia de Reconstrução (AER), por sua vez, tinha um papel central nesse país e no Kosovo, enquanto se multiplicavam as ajudas bilaterais ou multilaterais. Esse conjunto de ações figurava no contexto do Pacto de Estabilidade para a Europa do Sudeste, aplicado em 30 de junho de 1999, algumas semanas após o fim da guerra do Kosovo2.
Essas intervenções, extremamente custosas, estavam associadas à perspectiva de integração, cujos acordos de estabilização e de associação (AEA), concluídos com todos os Estados da região, marcavam a primeira etapa. O processo, contudo, está atualmente suspenso.
A Croácia constata isso com um desgosto particular: ela posava de “melhor aluna da classe” e, durante muito tempo, acreditou ser possível uma incorporação rápida. As negociações foram abertas em outubro de 2005, mas o processo acabou interrompido em 17 de dezembro de 2008, quando a Eslovênia impôs seu veto às conversações. Em jogo, um microscópico litígio territorial que opõe esses dois países vizinhos, desde que alcançaram a independência, em 19913: a demarcação das fronteiras marítimas no golfo de Piran. A Eslovênia possui uma estreita faixa litorânea de 37 quilômetros no mar Adriático, comprimida entre as águas de território italiano e croata. Sua reivindicação é que a fronteira terrestre seja levemente deslocada para que, pelo cálculo de ângulos previsto na Convenção de Montego Bay, o país tenha acesso direto às águas internacionais4. Um acordo havia sido feito em 1996 e validado em 2001 pelo Parlamento esloveno, mas a Croácia o rejeitou. Desde então, os incidentes se multiplicam na zona contestada. Para os dois países, a querela tornou-se uma questão de honra para afirmar a soberania e a identidade nacionais.
Após o veto esloveno, a Comissão Europeia tentou promover a conciliação propondo, em janeiro de 2009, a criação de uma comissão de arbitragem, que seria presidida pelo antigo chefe de Estado finlandês e prêmio Nobel da Paz de 2008, Martti Ahtisaari. O negociador, porém, não demorou em jogar a toalha e, no dia 26 de junho, a UE adiou sine die as discussões com a Croácia. Foi apenas o diálogo direto entre a primeira-ministra croata, Jadranka Kosor, e seu homólogo esloveno, Borut Pahor, iniciado em Ljubljana, em 11 de setembro, que permitiu neutralizar a crise. A UE aceitou, então, no dia 2 de outubro, retomar as negociações, que permanecem condicionadas ao diálogo entre as duas nações.
A Macedônia também possui, desde dezembro de 2005, o estatuto de candidata oficial à UE, mas até agora nenhum pontapé inicial foi dado. A Comissão critica a situação política ainda frágil do país e o atraso das reformas. E ainda que Bruxelas viesse a dar seu sinal verde para a integração, a Grécia imediatamente exerceria seu direito de veto. Atenas contesta até mesmo o nome do país, argumentando que o termo “Macedônia” pertence exclusivamente à herança helênica5. Ironia histórica, essas difíceis negociações sobre um litígio macedônio-grego não são conduzidas pela União Europeia, mas por uma comissão das Nações Unidas, dirigida pelo americano Paul Nimietz.
As consequências políticas desse entrave europeu não demoraram a aparecer: o primeiro-ministro croata, Ivo Sanader, apresentou sua renúncia em 1º de julho de 2009. Político antigo e experiente, ele chegou ao governo em 2003 e promoveu uma modernização real da sociedade croata. Porém, não conseguiu impor plenamente sua autoridade no próprio partido, a Comunidade Democrática Croata (HDZ), no poder desde 1990, com exceção de um breve intervalo social-democrata. Tampouco alcançou êxito em colocar a Europa diante de suas responsabilidades, após o bloqueio das negociações6: o sucesso obtido em Ljubljana revelou-se precário e a ameaça do veto esloveno representa uma espada de Dâmocles, sempre suspensa sobre a c
andidatura croata.
Na Macedônia, o bloqueio europeu permitiu a retomada de um perigoso nacionalismo. O governo de direita da VMRO-DPMNE7, dirigido por Nikola Gruevski, escolheu o caminho da provocação: o aeroporto de Skopje recebeu, em 2007, o nome de Alexandre, o Grande, e a nova autoestrada que liga a capital à fronteira grega terá o nome de Felipe da Macedônia8. Imensos monumentos em homenagem aos dois heróis são erguidos em todas as cidades do país. Tal “obsessão” encontra eco junto a uma opinião pública traumatizada pela atitude grega: muitos macedônios consideram que Atenas desafia sua identidade nacional, coletiva e individual, ao questionar o nome de seu país, de sua língua e de seu povo.
Gruevski escolheu então “embarcar na onda Alexandre” para se manter no poder – ao menos por enquanto. O mesmo não acontece com a comunidade albanesa, que representa um quarto da população do país. De fato, os albaneses jamais reconheceram uma plena legitimidade do Estado macedônio, que se tornou independente em 1992. Tanto que o país chegou à beira da guerra civil em 20019. E se os acordos de paz de Ohrid satisfizeram, ainda que parcialmente, as reivindicações albanesas, essa minoria tendia a aceitar o quadro político macedônio desde que houvesse uma aproximação efetiva da UE. Sem qualquer avanço nesse sentido, os albaneses podem sucumbir novamente ao canto da sereia do nacionalismo, já que a proclamação de independência do Kosovo relança o debate sobre uma eventual unificação nacional10.
Resultados negativos
Diante desses dois conflitos, que ameaçam o frágil equilíbrio de uma região onde a Europa desempenha, teoricamente, um papel político importante, a UE escolheu não se comprometer.
Em decorrência, o “euroceticismo” croata disparou como uma flecha. Na Sérvia, em Montenegro ou na Albânia, a população mantém-se majoritariamente favorável à perspectiva de integração. Um arrefecimento desse entusiasmo poderia, no entanto, favorecer o ressurgimento de correntes nacionalistas abertamente antieuropeias.
Entre os sérvios, a esperança de ingressar na UE se reflete nos votos despejados em massa na Coalizão: Para uma Sérvia Europeia. O resultado eleitoral de maio do ano passado relegou ao segundo plano os nacionalistas do Partido Radical Sérvio (SRS), cujo avanço era temido após a proclamação de independência do Kosovo. Mas a manutenção dessa orientação depende da concretização da promessa europeia.
A princípio, nada se opõe ao avanço da candidatura de Belgrado. Desde a “revolução democrática”, de outubro de 2000, a Sérvia prendeu quase todos os suspeitos acusados de crimes de guerra que estavam em seu território. No entanto, dois condenados continuam soltos: Goran Hadzic e Ratko Mladic. Supondo-se que eles sejam presos, nada mais dificultaria uma candidatura oficial da Sérvia. No entanto, uma grande questão ainda não está resolvida: suas fronteiras incluiriam o Kosovo, que proclamou independência em 17 de fevereiro? Quanto a esse ponto crucial, a Comissão se diz “neutra”. Ela explica que o reconhecimento de um novo Estado não é da sua alçada, mas do coletivo de países.
Na realidade, todos percebem a importância estratégica da Sérvia, principal Estado da região, e temem o “desequilíbrio” que poderia provocar uma rápida integração da Croácia, seguida de uma longa espera pela Sérvia. O bloqueio da candidatura croata tem, então, a vantagem de dar mais tempo aos membros da UE. Nos meios diplomáticos, reconhece-se, à boca pequena, que a “intransigência” eslovena quanto ao dossiê do golfo de Piran não desagradava a muitos mandatários.
No início de julho de 2009, para calar as desconfianças, o Conselho Europeu11 confirmou a decisão de abolir a exigência de vistos para os cidadãos da Sérvia, de Montenegro e da Macedônia a partir de 1º de janeiro de 2010. Esses poderão, portanto, circular livremente por três meses, mas sem direito de trabalhar, privilégio de que já desfrutam os croatas. Esse abrandamento era aguardado com ansiedade nos países envolvidos. No entanto, parece mais um “prêmio de consolação” em meio a uma integração duramente postergada. Principalmente porque Bósnia-Herzegovina, Albânia e Kosovo não fazem parte desse quadro.
Esses três países não preencheram as rígidas condições fixadas pelas políticas migratórias e de controle das fronteiras: criação de passaportes biométricos, assinatura de tratados de readmissão, construção de centros de detenção para os imigrantes clandestinos etc. Além disso, esses Estados apresentam evidente risco migratório: no Kosovo, mais de 60% dos habitantes têm menos de 25 anos e a taxa de desemprego atinge a maioria da população ativa. Nessas circunstâncias, a saída para o “Ocidente” continua sendo a única perspectiva para uma grande parte da juventude. O mesmo acontece com a Albânia, enquanto a Bósnia- -Herzegovina, paralisada por uma interminável crise política, mergulha profundamente na depressão econômica12.
A opinião pública local inflamou-se contra as decisões europeias, tidas como “discriminatórias”. Alguns observadores sinalizam que os países marginalizados têm em comum o fato de serem, em sua maioria, muçulmanos. É pouco provável que esse critério tenha verdadeiramente pesado, mas a imprensa local insiste em questionamentos maliciosos.
Intervenções técnicas
No Kosovo, os albaneses compreenderam que a independência, proclamada em fevereiro de 2008, não é sinônimo de uma verdadeira soberania, e que as portas da Europa tampouco estão prestes a se abrir – o que eles veem como uma traição dos “padrinhos” ocidentais da independência, a começar por França e Grã-Bretanha. Diante disso, a missão “Estado de Direito” da UE no Kosovo (Eulex) iniciou seu trabalho em dezembro de 2008. Intervindo “tecnicamente” em áreas fundamentais da polícia, da Justiça e alfândegas, seus membros devem “acompanhar” as instituições do Kosovo no seu desenvolvimento, mantendo- -se “neutros” sobre o estatuto do território. Além disso, sua presença na região foi condicionada à assinatura de um acordo
especial com a Sérvia, negociado pelas Nações Unidas. Nessas condições, a Eulex tornou-se alvo da raiva e das frustrações de uma população albanesa que está cada vez mais radicalizada.
É significativo que os dois países sujeitos às formas mais rígidas de tutela internacional, doravante assegurada principalmente pela Europa, a Bósnia-Herzegovina e o Kosovo, são também aqueles com perspectivas de integração mais incertas. Impotente para lidar com os novos conflitos iminentes, incapaz de definir uma política coerente no Kosovo, a Europa renunciou completamente ao papel principal que pretendia assumir no início do milênio.
Às incoerências políticas junta-se, atualmente, à crise econômica. À beira da falência, os Estados voltam-se, um após o outro, para o Fundo Monetário Internacional (FMI): a Bósnia negociou um empréstimo de 1,2 bilhão de euros, e a Sérvia, de 3,1 bilhões. Montenegro e Macedônia também devem, em breve, procurar ajuda. Assim, enquanto a UE dá ênfase aos critérios de “boa governança” e privilegia a luta contra a corrupção, o FMI insiste na redução da despesa pública. Na Sérvia, o declínio no número de empregos pode ser acompanhado por um enxugamento de salários em até 40%. Com isso, os policiais e médicos mal pagos serão novamente tentados a exigir “bakchich” (propinas), um fenômeno que estava em vias de diminuição.
A crise pode acabar destruindo a tímida normalização social em curso. Na Sérvia ou em Montenegro tornou-se possível, pela primeira vez em duas décadas, viver do próprio trabalho. Um casal que dispusesse de duas fontes de renda podia solicitar um empréstimo junto aos bancos, o que agora é mais uma vez impensável: à redução anunciada dos rendimentos junta-se o aumento das taxas de juros, agravado pela desvalorização das moedas. A classe média, que começava a se recuperar após a devastaçãosocial do início dos anos 1990, teme um novo desmantelamento. Ora, são precisamente esses estratos sociais que sustentam a perspectiva europeia e levam ao poder formações democráticas favoráveis à UE.
Sem estratégia ou projeto, obcecada por seus problemas internos, dividida na maioria das questões principais, a Europa terá dificuldade para lidar com as novas crises que se anunciam. Recentemente, afirmou-se que sua incapacidade em prever a eclosão dos conflitos iugoslavos em 1991 explicava-se pela inconsistência de sua estrutura política. A crise institucional e a crise econômica impedirão a UE, mais uma vez, de assumir suas responsabilidades?
*Jean-Arnault Dérens é redator-chefe do Courrier des Balkans.