O vale-tudo da guerra econômica
Na disputa por mercados, que envolve Estados e grandes corporações, as novas armas incluem alta espionagem, roubo de tecnologias estratégicas e até chantagem para garantir acesso a informaçõesAli Laïdi
É uma guerra silenciosa. Um conflito abafado pelo estardalhaço da cruzada do Bem contra o Mal, desde 11 de setembro de 2001. No entanto, as vítimas são numerosas: nem mortos nem feridos, mas desempregados, acidentados do trabalho, excluídos da sociedade. Os próprios fundamentos das sociedades estão afetados por isso. As empresas são os principais atores dessa guerra econômica na qual se enfrentam, com ou sem a cumplicidade dos Estados. Guerreiros de colarinho branco, sem fé nem lei, desprezam regras comerciais, zombam da ética e só têm uma religião: o aumento das margens de lucro. Nesse conflito, todos os golpes são permitidos, mesmo os mais baixos… Pelo menos se levarmos em conta o último relatório oficial do deputado francês Bernard Carayon1, que faz uma lista das novas técnicas recentemente surgidas nesse setor.
Entre estas, a malversação da Comissão Rogatória Internacional (CRI) parece estar em voga atualmente. A CRI permite pedir à justiça de um terceiro país que inicie atuações judiciárias, no âmbito de uma instrução internacional. A astúcia consiste em colocar um “bom especialista” na CRI, a fim de subtrair informações problemáticas de uma empresa questionada num caso internacional. O deputado francês cita o exemplo de uma aterrissagem forçada de um avião. O piloto francês era objeto de uma CRI diligenciada pela justiça italiana: “O magistrado francês pôde observar o comportamento suspeito do expert italiano que, aproveitando-se de sua condição, tentara fazer com que lhe fossem enviados documentos confidenciais referentes ao conjunto dos motores do grupo, enquanto um só motor em particular estava em questão no acidente. Informado por seu homólogo francês, o juiz italiano decidiu destituir o expert. Esse especialista judiciário era aliás contratado por um grupo italiano, concorrente direto da empresa francesa…2”
Sumiço estratégico
Peças estratégicas do trem de aterrissagem do Rafale Marine, último avião de combate da Dassault, desapareceram de repente
Outra astúcia denunciada pelo parlamentar em seu relatório: “Dirigentes da indústria aeronáutica, em viagem profissional ao Oriente Médio, viram seus computadores portáteis serem confiscados pelas autoridades encarregadas da segurança do aeroporto do país visitado”. Os PCs foram retidos com o pretexto de que os agentes aduaneiros encontraram neles vestígios de pólvora… “Essa prática”, insiste o deputado, “justificada oficialmente pela luta antiterrorista, parece ter se tornado usual nesse aeroporto3, e dissimula muito mal operações de espionagem econômica e científica” 4. Geralmente os computadores são devolvidos várias semanas mais tarde, mas sem seus arquivos. Pode-se temer também que os arquivos tenham sido copiados.
Armamento, farmácia, transporte, agroalimentos, ensino superior… Nenhum setor econômico é poupado. Ninguém mais está a salvo. Mesmo companhias representativas em atividades duais (militares e civis) não parecem suficientemente protegidas contra essas ameaças. Se, por exemplo, a Snecma, líder européia no setor de motores de avião, foi notícia por ocasião de sua privatização no final de outubro de 2004, nada foi dito sobre as dificuldades de sua filial Messier-Dowty, vítima, no outono de 2001, de um caso misterioso.
Situada em Bidos (Pireneus Atlânticos), a Messier-Dowty, que domina o mercado mundial dos trens de aterrissagem, trabalha para a aviação civil e militar. Em 7 de novembro de 2001, duas peças do trem de aterrissagem do Rafale Marine, o último avião de combate da Dassault, que deve em breve equipar a marinha francesa, desapareceram de repente. Essas peças – a caixa e o tubo giratório do trem dianteiro – são classificadas como “estratégicas”, o que obrigou a Direção de Vigilância do Território (DST) a abrir um inquérito. Passou-se um pente-fino na fábrica, seus recipientes foram vasculhados, a companhia Périsse, que recupera os dejetos, foi interrogada. Verificou-se se as peças pudessem ter sido enviadas por engano ao depósito vizinho de Soeix. Nenhum vestígio em lugar algum. A direção da fábrica pensou então num erro de remessa para seus diferentes fornecedores e prestadores de serviços. Mas o relatório confidencial do inquérito interno, redigido em 27 de novembro de 2000, rejeitou essa possibilidade: “Se casos como esse são raros, em geral, os transportadores que recebem uma encomenda que não lhes é destinada reagem em 48 horas; podemos portanto nos questionar sobre a falta de informações, três semanas depois do incidente”.
Espiões em ação
“Espiões do business” roubaram microfilmes com segredos de fabricação da empresa que armazena os arquivos da Messier-Dowty
Atualmente, Messier-Dowty, a Snecma e Dassault fixaram-se em suas posições: as peças foram enviadas para o lixo. Uma conclusão que, no entanto, não coincide com o relatório citado acima. Na fábrica de Bidos, os sindicatos não querem se pronunciar sobre esse caso “delicado demais, que ultrapassa [sua] competência”. Do lado da DST, também é hora de discrição. Lamenta-se que Messier-Dowty e, sobretudo, a Snecma, não tenham colaborado suficientemente com o inquérito, ao observarem que “o dossiê não é uma prioridade”. Em outras palavras, foi enterrado…
No entanto, a tese do roubo por um país aliado continua a circular, três anos depois do acontecido. Na empresa e nos serviços de segurança, foram até mesmo evocadas as pistas russa e norte-americana, mas essas hipóteses explosivas demais foram rapidamente afastadas, por medo que desencadeassem uma seqüência de problemas diplomáticos.
Mas nada impede que algumas pessoas insistam na tese de espionagem econômica e acusem sem subterfúgios nossos amigos de além-Atlântico. Puro delírio paranóico? Talvez não seja tão simples assim. Sobretudo porque outros elementos vieram reforçar suas suspeitas. Alguns meses depois do insólito desaparecimento de Bidos, a empresa que armazena os arquivos de Messier-Dowty, recebeu uma estranha visita noturna: “espiões do business” roubaram microfilmes contendo alguns segredos de fabricação. Além disso, em julho de 2003, quatorze computadores pertencentes às equipes de engenheiros que trabalham no futuro avião de transporte militar A400M foram surrupiados5. Um incidente que foi considerado suficientemente grave para que o ministro do Interior na época, Nicolas Sarkozy, exigisse sérias explicações. Pergunta: quem se interessa tão especificamente por esse programa aeronáutico? Mais uma vez, os especialistas franceses da inteligência econômica apontaram os concorrentes norte-americanos que possuem o C-17 (Boeing) e o C-130 (Lockheed Martin). Uma indicação que continua no estágio da presunção, pois nenhuma prova formal acusa essas sociedades estrangeiras.
As chaves tecnológicas
O que está em jogo é o controle de uma tecnologia essencial nos anos futuros: a simulação digital
A comissão dos negócios econômicos da Assembléia Nacional quis ouvir Jean-Paul Bechat, diretor geral da Snecma, em 12 de maio de 2004. Deputado da União por um Movimento Popular (UMP), Didier Julia lembra-se de tê-lo interrogado sobre as peças desaparecidas do Rafale: “Ele retorquiu”, precisa o deputado, “que as peças do trem de aterrissagem do Rafale Marine eram apenas ?pedaços de ferro velho?.” Temos, portanto, uma empresa líder mundial, que emprega 2 900 colaboradores, apresenta 589 milhões de euros de faturamento anual em 2002 e só fabrica “pedaços de ferro velho”. No entanto, Messier-Dowty situa-se na ponta dessa tecnologia com seu trem de aterrissagem chamado de “trem saltador” por suas qualidades excepcionais de absorção. Permite, por exemplo, a um avião de caça, que transporta bombas, aterrissar nos porta-aviões com toda a segurança, mesmo em casos de grandes ondas (nessas situações, as variações de nível podem ser calculadas em metros).
Mas o que está em jogo ultrapassa amplamente a fabricação desses equipamentos de ponta. Trata-se nem mais nem menos do controle de uma tecnologia essencial nos anos futuros: a simulação digital. Um trem de aterrissagem é um sistema extremamente complexo, sobretudo em matéria de resistência dos materiais. A Messier-Dowty e a Snecma desenvolvem compostos de matérias orgânicas ou de titânios especiais e de aços anticorrosivos. Para uma única das peças que o compõem, são necessárias, às vezes, até cinqüenta operações diferentes. Basta um erro ínfimo para pôr em perigo a vida dos passageiros, nas fases mais sensíveis de um vôo: decolagem e aterrissagem. Daí a necessidade de imaginar um processo de fabricação sem falhas. É o papel do cálculo digital, que permite simular todas essas operações. É o mesmo que dizer que esse tipo de programa de informática necessita de códigos de cálculos dentre os mais potentes e os mais complexos do mundo. Mas o resultado está à altura do investimento: um simulador digital reduz enormemente os custos de testes e os prazos de fabricação. Quem domina essa tecnologia pode aplicá-la a todos os setores da indústria: aeronáutica, automobilística, nuclear, construção civil e obras públicas… Imagine-se então o impacto sobre a concorrência internacional.
Um programa de pesquisa foi imaginado para superar esse desafio. A Messier-Dowty e alguns cientistas (Pierre-Louis Lions, Claude Le Bris e Jean-Paul Boujot) entraram em contato, mas a Snecma vetou essa participação em 2003, e preferiu confiar à companhia de serviços informáticos Capgemini uma missão menos ambiciosa.
Relações tensas
Os Estados podem ser aliados políticos, mas não deixam de ser sérios adversários econômicos
O caso do Rafale e a questão do cálculo digital foram estudados pelos militares do Colégio Inter-exércitos de Defesa (CID). Um relatório, classificado de “confidencial defesa”, concluiu pela tese de espionagem econômica e advertiu o Estado contra os riscos de vazamento dessa tecnologia de ponta. Os cinco oficiais autores desse relatório foram proibidos de entrar nas dependências de Bidos pelo diretor geral da Snecma, embora o princípio da vinda deles tivesse sido ratificado pela Messier-Dowty. No momento em que as portas da fábrica se fechavam diante dos oficiais franceses, norte-americanos procediam a uma auditoria no interior da empresa. A Messier-Dowty, na verdade, foi escolhida pela Boeing para fabricar o trem de aterrissagem de seu futuro 7E7…
Última precisão: no início dos anos 1990, o departamento de comércio norte-americano, apoiado pela CIA, estabeleceu uma lista de 22 tecnologias de ponta indispensáveis à segurança econômica e militar dos Estados Unidos. Entre elas, figuram, bem situadas, as tecnologias ligadas aos materiais…
O caso Messier-Dowty demonstra relações tensas entre os Estados por meio de seus braços armados econômicos: as multinacionais. Os Estados podem ser aliados políticos, mas não deixam de ser sérios adversários econômicos. A partir de 11 de setembro, os Estados Unidos encontraram o álibi para se imiscuir nos negócios econômicos dos outros países. Sob pretexto da luta contra o terrorismo, tentam dirigir o conjunto do sistema de transporte internacional. No transporte aéreo, acabam de impor às companhias que lhes cedam a quase totalidade dos dados fornecidos pelos passageiros, nos vôos transatlânticos. E isso é feito desrespeitando leis européias. A chantagem é evidente: ou os dados, ou então uma multa que pode chegar até
5 400 euros por passageiro e mesmo à supressão categórica da autorização de aterrissagem nos Estados Unidos! Apesar dos protestos, a Comissão Européia aceitou. A partir de então, os norte-americanos têm acesso à grande maioria dos quarenta dados contidos no dossiê do passageiro, o famoso PNR (Passenger Name Record): modo de pagamento, número do assento, contato no local, número de pessoas viajando juntas, estado de saúde do passageiro, regime alimentar, reserva de hotel…
Informação de mão única
Os americanos têm acesso direto ao sistema de reservas da Air France, mas o mesmo sistema está interditado aos serviços de segurança franceses
Além de atentar contra as liberdades individuais, essa entrega acarreta graves conseqüências econômicas. Quem pode garantir que essas informações jamais serão utilizadas com a finalidade de traçar e analisar os deslocamentos dos executivos importantes e dos dirigentes de empresas, no âmbito das grandes competições comerciais internacionais? Ninguém. É um formidável instrumento de inteligência econômica que a Europa entrega aos norte- americanos. Sem nenhuma reciprocidade entre os dois continentes. No entanto, uma diretiva européia de outubro de 1995 especifica que a transferência desses dados só é autorizada se o país interessado “garantir um nível de proteção adequado”. Em 21 de abril de 2004, o Parlamento Europeu, portanto, recusou-se a dar seu parecer sobre esse acordo entre a Comissão e a administração Bush. Os deputados europeus até escolheram submeter esse documento à Corte de Justiça das comunidades européias. O cúmulo dessa história é que os norte-americanos têm um acesso direto ao sistema de reservas da Air France, enquanto esse mesmo sistema está interditado aos serviços de segurança franceses.
Há mais ainda: a sociedade Amadeus, que gerencia as reservas de Air France, bem como as das companhias Iberia e Lufthansa, está atualmente mais próxima de vários fundos de investimentos anglo-saxões: Carlyle, BC Parners, CVC USA e Civen. Criada em 1987 pelas três companhias, Amadeus viu recentemente seu capital evoluir. A Lufthansa cedeu uma parte de suas ações, enquanto a Iberia confirmava que estava prestes a fazer a mesma coisa. Quanto à sociedade Air France, que possui 23% do capital e 43% dos direitos de voto, estuda o interesse da venda de uma parte de suas cotas, ressaltando que “pretende permanecer acionária representativa” 6. Essas cessões repetidas demonstram a ausência total de reflexão estratégica comercial. Quem irá impedir os novos proprietários de deslocarem as atividades de Amadeus para regiões menos visíveis, do ponto de vista da proteção dos dados pessoais dos passageiros?
É o mesmo esquema para o transporte marítimo. Também nesse caso, foi escolhido o método do ultimato. Para garantir sua segurança, os norte-americanos obrigaram os grandes portos a se submeterem a suas exigências. Em caso de recusa, seus navios seriam proibidos de permanecer nos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, dois funcionários aduaneiros norte-americanos inspecionam todos os dias os navios nos portos do Havre e de Marselha. O mesmo ocorre em Argel e em outras grandes cidades marítimas. “Mesmo sendo funcionário do Ministério dos Transportes, não tenho livre acesso às instalações portuárias”, reclama um especialista dessas questões. Outra instrução imposta às autoridades portuárias: enviar diariamente ao serviço das alfândegas norte-americanas a lista dos navios com destino a um porto dos Estados Unidos, bem como todas as informações relativas a sua carga. Sabendo que um navio mercante em rota para o continente sul-americano freqüentemente faz escalas, imagine-se o número de embarcações atingidas por essa medida unilateral. Essa lista, bem como os funcionários aduaneiros postados na França, fornecem aos norte-americanos uma visão nítida sobre o estado das relações comerciais da França e dos outros países quanto à exportação.
Ameaça à soberania
Uma norma em estudo será um Big Brother do transporte internacional, capaz de rastrear qualquer mercadoria no mundo inteiro
Ainda aqui, o que está em jogo na vigilância do conjunto do tráfego do frete ultrapassa amplamente o âmbito dessas medidas de vigilância. Refere-se e ameaça diretamente a soberania dos Estados. Dentro de alguns meses, esses Estados deverão se pronunciar sobre a norma ISO TC 204. Uma verdadeira revolução nos transportes, que permite o rastreamento das mercadorias, a intermodalidade dos meios de transporte (aéreo, marítimo, ferroviário, rodoviário) e a interoperabilidade dos sistemas. Tudo isso graças às novas tecnologias da informação e da comunicação (NTIC). Em resumo, a norma ISO TC 204 é um verdadeiro Big Brother do transporte internacional, capaz de rastrear ao vivo qualquer mercadoria no mundo inteiro.
Ora, apenas dois países dominam a totalidade da cadeia industrial e tecnológica que permite conceber um sistema global de vigilância: os Estados Unidos e a França. Essas duas nações produzem também navios, aviões, trens, caminhões. Fabricam igualmente instrumentos de comunicação: rótulo eletrônico, GSM, WAP, GPRS, UMTS, servidores potentes… Faltava à França a localização por satélite. Daí o programa europeu Galileo, que ameaça o monopólio do GPS norte-americano.
Nessa batalha que não se resume a um confronto franco-norte-americano, o lobby é violento no interior dos diferentes fóruns encarregados de elaborar essa norma, sobretudo nos grupos de trabalho que devem ser integrados unicamente por profissionais. “Desconfiamos que os anglo-saxões enviaram para lá funcionários com um atestado falso”, observa alguém diretamente ligado ao dossiê.
Batalha jurídica
Dois relatórios sobre seguros e contratação advertem que anglo-saxões têm acesso às informações mais sigilosas de empresas francesas e européias
No campo jurídico, também, uma batalha surda causa estragos, já que o direito tornou-se um vetor de considerável influência no mundo. Daí o confronto entre várias tradições jurídicas: o common law7 anglo-saxão, o direito civil francês e germânico, o direito muçulmano… Os dois primeiros, amplamente majoritários no mundo, tornaram-se instrumentos de poder a serviço dos Estados que tentam exportar seu modelo. “No plano econômico, e na medida em que o direito tem como primeiro objetivo tornar seguras operações econômicas internacionais, controlar a norma jurídica significa também, para o Estado exportador, ganhar mercados e permitir a suas empresas nacionais um desenvolvimento econômico”, explica Emmanuelle Raoult, advogada do tribunal de Paris8. Segundo ela, a batalha torna-se desfavorável ao sistema jurídico francês, sobretudo na zona de influência francesa. Uma preocupação reafirmada por um relatório do Conselho de Estado publicado em setembro de 20019, e confirmada num documento do Banco Mundial em 200410. Depois de notar que o mercado era preferível à regulamentação, o Banco Mundial, grande aplicador de fundos, observa que “os países que empregam o common law regulamentam menos, e os países de tradição jurídica francesa, mais”.
Vê-se perfeitamente que o objeto desse hiperconfronto econômico, para falar pudicamente, é em primeiro lugar a informação. Setores especialmente sensíveis a esse novo confronto – os seguros, os bancos, a auditoria e a consultoria – são grandes consumidores de informações estratégicas. Desde o início dos anos 1990, o Instituto de Altos Estudos de Segurança Interna (IHESI) dedicou-se à questão, redigindo dois relatórios ainda confidenciais sobre os seguros e a contratação. Esses documentos advertiam as empresas e os poderes públicos contra o fenômeno de concentração -este último dando amplamente vantagem aos anglo-saxões, que, dessa forma, tinham acesso às informações mais sigilosas das empresas francesas e européias.
Atualmente, as preocupações referem-se ao setor de auditoria e consultoria. Mais uma vez, os especialistas da inteligência econômica denunciam a concentração nas mãos dos norte-
americanos das principais sociedades desse setor, o que representa um maná de informações único sobre a situação funcional das empresas. Com a compra do escritório Salustro-Reydel pelo norte-americano KPMG, só resta o francês Mazars para garantir a diversidade da oferta. O que dizer também sobre a recente aquisição do escritório Kroll, líder mundial da investigação comercial, por Marsh & McLennan Companies? Esse grupo compreende a sociedade de corretagem de seguros Marsh, número um mundial do setor; a sociedade Putman, importante fundo de investimentos; e a sociedade Mercer, que figura entre os líderes da consultoria – ou seja, um faturamento anual acumulado de cerca de 11,5 bilhões de dólares, o que faz de Marsh & McLennan Companies o número um mundial da gestão de riscos.
À imagem americana
Para os norte-americanos, freqüentemente à frente nessa guerra, trata-se de formar o mundo à imagem de seu país
Há outra frente aberta nesse setor: a batalha pelas normas contábeis internacionais. Várias empresas européias manifestaram recentemente seu descontentamento diante das tentativas anglo-saxãs de impor suas normas por meio do International Accounting Standard Board (IASB), o organismo encarregado de propor as normas contábeis internacionais. Embora Thomas E. Jones, presidente do IASB, comemore a independência e a transparência de seu organismo, fazendo observar que cinco dos quatorze administradores são europeus, ele não revela que se encontram aí dez anglo-saxões, dentre os quais cinco norte-americanos11. “Contadores e comissários contábeis europeus”, dizem os economistas Christian de Boissieu e Jean-Hervé Lorenzi, “vão perceber que é do interesse de todos manter o IASB, mas que é preciso ampliar sua composição e melhorar sua transparência” 12.
Contabilidade, transporte, banco, auditoria, seguro… A batalha das normas é violenta. Para os norte-americanos, freqüentemente à frente desse combate, trata-se de formar o mundo à imagem de seu país. É a doutrina do “Shaping the word”, tal como a expôs o presidente William Clinton, num discurso datado de 2000, sobre o estado da União: “Para realizar todas as oportunidades de nossa economia, devemos ultrapassar nossas fronteiras e formalizar a revolução que derruba os obstáculos e instala novas redes entre as nações e os indivíduos, as economias e as culturas: a globalização” 13.
Na verdade, para além da preservação dos interesses econômicos, cada país luta para salvaguardar seu modelo sociocultural. Se a guerra ideológica morreu com a queda do muro de Berlim, é uma nova guerra que surge: aquela em que se opõem os valores. Norte-americanos, europeus, asiáticos, árabes… nem todos partilham a mesma visão do mundo. Nada melhor do que o mercado para impor seus valores através da formatação dos consumidores.
(Trad.: Regina Salgado Campos)
1 – Relatório de informação, Assembléia nacional, 9 de junho de 2004. Ver o site www.bcarayon-ie.com
2 – Relatório, op. Cit.
3 – O relatório não especifica o nome do aeroporto.
4 – Relatório, op. Cit.
5 – A informação está no relatório do deputado Carayon,