Onde foi que erramos?
Depois de esgotados todos os recursos, todos os apelos, todas as tentativas de obter apoio e solidariedade tanto da cidadania quanto do governo, estamos em risco de fechar o jornal
Depois de esgotados todos os recursos, todos os apelos, todas as tentativas de obter apoio e solidariedade tanto da cidadania quanto do governo, estamos em risco de fechar o jornal.
A pandemia afetou profundamente o mercado de jornais e revistas, e mesmo as livrarias. Muitas bancas de jornal se transformaram em lojinhas; a Editora Abril, que detinha o monopólio da distribuição nacional para bancas de jornal, quebrou; cadeias de livrarias como a Cultura e a Saraiva entraram em falência. Como grande parte de nossa receita provinha das vendas nesses canais de comercialização, perdemos nosso equilíbrio financeiro. Foi com a solidariedade e o apoio de uma agência de cooperação alemã, que apoia o trabalho de ONGs no Brasil, que conseguimos atuar nos últimos quatro anos. Esse apoio acabou em dezembro passado.
Nesta nova realidade, mantivemos a edição impressa apenas para os assinantes. Nos últimos anos, entramos firmes na realidade digital, com a versão on-line de nosso jornal, um site com novos artigos postados diariamente, uma presença crescente nas redes sociais, um programa de entrevistas semanais na TV e um podcast, também semanal. Somando, atingimos algo como 2 milhões de pessoas por mês. Ainda é pouco, mas não é desprezível.
Publicar o Le Monde Diplomatique Brasil não é um negócio; nunca trouxe lucro ao longo dos nossos dezessete anos de existência. Não é por essa razão que nos mobilizamos para produzir este jornal. Nosso pequeno time encara o trabalho como uma missão política em defesa da democracia e dos direitos humanos. Estamos engajados na agenda da justiça social e climática, na luta contra todos os tipos de discriminação, na luta pela redução das desigualdades, na construção de um mundo solidário, cooperativo e sustentável, onde o bem-estar de todos seja a principal preocupação dos governos. Podemos dizer, com satisfação, que somos das poucas publicações no Brasil que trazem análises críticas sobre o cenário internacional e fazem uma crítica ao neoliberalismo e ao que se passa além do eixo Nova York-Paris-Londres…
Outra característica importante nossa – mas não somos os únicos – é a relação com os movimentos sociais, as entidades e as associações que vertebram as demandas sociais e políticas que vêm dos setores empobrecidos e discriminados, relação que cultivamos há muitos anos. Para alimentar o debate público, trazemos para a cena pública as vozes de suas lideranças e seus intelectuais.
Mesmo com todo esse trabalho, agora que precisamos, não conseguimos mobilizar a solidariedade deste campo político de defesa da democracia e dos direitos humanos. E por que não conseguimos? Onde foi que erramos?
É tão importante essa questão que não podemos ser nem levianos nem simplistas na tentativa de construir uma resposta, e agradecemos a todos aqueles que se solidarizarem com o Diplô.

Acreditamos que o apoio das pessoas a este projeto de comunicação se deva ao reconhecimento da importância de ampliarmos o acesso a informações e análises críticas sobre nosso modelo de sociedade, nossa cultura consumista, as políticas públicas, as violações de direitos de toda ordem. Mas há também o interesse pelo novo, pelo futuro, por saber como sair destes tempos sem esperança. A potência do novo, os novos caminhos que ele aponta, só se expressa, hoje em dia, por experimentos locais, iniciativas no território, cidadania organizada. Coisas que a mídia corporativa não se interessa em difundir.
O fato é que ainda são poucos os que se solidarizaram conosco neste nosso apelo por recursos. E aí, diante desta realidade, não há como escapar de uma análise mais ampla, que leve em conta o cenário da política nacional.
Cândido Grzybowski identifica uma cidadania encurralada, um avanço da ultradireita, um governo Lula de coalizão, limitado por um Congresso superconservador. As ameaças à democracia continuam presentes.
Desde o golpe que derrubou a presidenta Dilma Rousseff, em abril de 2016, passando pelos governos Temer e Bolsonaro e pela tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023, a ultradireita tomou a iniciativa e galvanizou os setores conservadores do país, excluindo da cena pública os que se pretendiam conservadores moderados, aqueles com respeito às regras do jogo e à Constituição.
A polarização é forçada pela intensa atuação dessa ultradireita nas redes sociais, lançando mão de todos os expedientes, mesmo ilícitos, como as fake news e a difamação de pessoas. A alimentação cotidiana de um público fiel vai criando uma realidade paralela, na qual cabem todos os absurdos, todos válidos para destruir os inimigos. Note-se que tudo isso requer muito dinheiro, que não falta para a construção e operação dessa máquina de mentiras.
Toda essa estrutura de comunicação, montada na sociedade civil pela ultradireita e funcionando cotidianamente, se orienta para combater o PT, Lula, o governo. Seu impacto é gigantesco.
Para fazer frente a esse domínio das redes sociais pela ultradireita, o que têm feito os setores progressistas, os defensores da democracia e dos direitos? O governo federal, por sua própria natureza, não tem a agilidade necessária para essa verdadeira guerra de narrativas e timidamente tenta apresentar resultados de suas políticas para a população. Resultados pequenos ainda, pois há todo um esforço de reconstrução do Estado e das políticas públicas destruídas pelo governo anterior.
Seu projeto é de um reformismo fraco, garantindo melhoras para os mais pobres e a continuidade nas políticas macro, o que contraria o caráter transformador anunciado pelo governo Lula. Por isso mesmo, quando o apoio popular se reduz, é preciso se perguntar: aos olhos da população, o que há de novo?
“A cadência arrastada do lulismo de terceira geração poderá comprometer tanto 2024 quanto a largada de 2026, abrindo caminho para a rearticulação do campo conservador”, apontam André Singer e Fernando Rugitsky.
No campo da comunicação, o que temos é a propaganda sobre os feitos do governo e uma grande exposição de Lula na mídia. Não há campanhas, não há chamados a mobilizações, não se busca o engajamento da população. Os eleitores de Lula, os apoiadores do governo, ficam sem argumentos, sem uma agenda de mudanças para defender, sem espaço na mídia.
A popularidade de Lula junto aos evangélicos caiu por conta da manipulação midiática de sua declaração de que Israel promove um genocídio na Faixa de Gaza. Denúncia importantíssima e verdadeira, que causou impacto global. Mas várias igrejas evangélicas saíram em defesa dos cristãos (Israel) contra o ataque dos muçulmanos… E os setores progressistas não souberam enfrentar essas mentiras.
É nesse cenário que vale a pena considerar o papel do Le Monde Diplomatique Brasil e de outras iniciativas independentes que se alinham na defesa da democracia, dos direitos humanos e do governo Lula. Construímos redes solidárias, como as rádios comunitárias; publicamos análises e informações que ajudam a formar a opinião pública; disputamos o território da comunicação com a ultradireita.
Se não existirmos mais, quem fará o debate público necessário para garantir e ampliar os direitos sociais e políticos de todos nós? Como se explica essa falta de apoio e incentivo às mídias alternativas no campo progressista?
Caro Silvio,
não foi a “Diplô” que errou, o erro não é individual. (Meritocracia individual capitalista é falácia.) O “erro” é estrutural, social, coletivo. Está relacionado ao sucesso da extrema-direita, muito mais do que ao fracasso do outro campo. Os adeptos do capitalismo de barbárie (existe outro?) diriam que a “Diplô” errou ao manter-se em alto nível, através de colaboradores de altíssima qualidade. O mercado que se instaurou em nossa sociedade – assim como em todas as sociedade ditas “ocidentais”, a saber as que lastreiam suas economias no dólar estadunidense – premia, recompensa a mediocridade, a superficialidade quando não a mais profunda e absoluta dissonância cognitiva. Se a “Diplô” questionasse o fato da Terra ser redonda, se praticasse revisionismo histórico néscio ou se baseasse suas reflexões filosóficas em gurus e astrólogos, estaria tão bem quanto, por exemplo, o Brasil Paralelo. Pobre porém milionário… Sabe aquela história da pessoa que era tão pobre mas tão pobre que a única coisa que tinha, na vida, era dinheiro?
Da minha parte, mero cidadão do vulgo, quando dá compro um exemplar da “Diplô” em banca. Mas sei que, na ordem capitalista, pessoas comuns não valem nada. Os que valem são os capitalistas. Que, nessa forma para a qual o capitalismo evoluiu, também podem ser chamados de bárbaros ou vândalos. A força está com o capital privado por isso se chama “Capitalismo”. Se a força estivesse com a pessoa comum, o sistema se chamaria “Comunismo”.
Pode ser que Comunismo não tivesse logrado sucesso. Pode ser… Mas definitivamente o Capitalismo não o logrou. Pelo menos não se a ideia era democratização de saberes, de civilidade. A propósito, Democracia parece que não é meramente poder votar, hein? Parece que Democracia é muito mais profundo que isso, é atender a todos igualmente mas aos mais vulneráveis principalmente, será que não? O “ocidente” vota e… veja só como está.
Bem… sei que não é consolo mas todos nós erramos quando acreditamos em que a excelência venceria a mediocridade. Quando acreditamos que o capitalismo poderia ter tido outra evolução. Todos nós, que impulsionamos oligarcas, que admiramos e seguimos os enormes, como não podia deixar de ser, estamos sendo, por esses enormes, esmagados.
O governo de Lula, por mais vontade que tenha, pouco poderá fazer pois os estados nacionais, públicos, democráticos, também estão infiltrados, tomados pelos oligarcas do dólar, a turma da iniciativa privada ou seus prepostos. Pelo pouco que vejo, mal conseguem apagar incêndios como fome, ausência de educação e saúde, de moradia e dignidade mínimos que sejam. E se nem o governo brasileiro, que tem uma verve social-democrata, está conseguindo fazer alguma coisa, que dizer dos europeus, subservientes às oligarquias ocidentais, muitas vezes querendo até “serem mais reais que os reis”.
Gostaria de terminar essas mal traçadas com algum alento mas não consigo outro a não ser… tenham paciência. Vai passar. Pode demorar bem mais tempo do que desejamos, bem mais tempo que nossas curtas vidas pessoais durarão, mas certamente passará antes do que os bárbaros preveem. Como diz um ditado árabe, “quem planta tâmaras não colhe tâmaras”. É que a tamareira leva 100 anos para frutificar. Mas se ninguém as plantar, aí é que nem o plantador nem o colhedor, ninguém mais as desfrutará.
Abraços solidários de mais um dos prejudicados – mas nem por isso desistente – pelos oligarcas.