Os aprendizes de feiticeiro
Na perspectiva da criação de um mercado mundial de direitos de emissão de gases com efeito-estufa, surgiu, nos últimos anos, uma ciência bastante controvertida, a Engenharia do Clima, que conta com técnicas como o armazenamento de gás carbônicoPhilippe Bovet
Cientistas e centros de pesquisas norte-americanos e europeus dedicam-se a experiências climáticas, pretendendo resolver o problema do efeito-estufa. Acelerando a produção do plâncton, grande consumidor de gás carbônico, mas também seqüestrando esse gás em regiões profundas do mar ou em cavidades terrestres, esses pesquisadores apostam nos grandes lucros financeiros de eventuais mercados para a despoluição.
Até 2008, será criado um amplo mercado mundial de direitos de emissão de gases com efeito-estufa. É essa a conseqüência do acordo assinado pelos 167 países participantes da última Conferência sobre o Clima, realizada em novembro de 2001 em Marrakech1. Nos países desenvolvidos, qualquer indústria poluente deverá reduzir esses gases nocivos ou pagar caro se não respeitar o meio ambiente. Entretanto, os Estados Unidos, presentes na reunião, não ratificaram esse texto.
Vedando o gás carbônico
As gigantes da energia, como a empresa de petróleo Exxon e a multinacional do carvão Edison, fazem o máximo possível para apagar a imagem de poluidoras
Na perspectiva de novos mercados financeiros, uma ciência bastante controvertida, a Engenharia do Clima, desenvolveu-se nos últimos anos. Conta com técnicas distintas, como o armazenamento durável do gás carbônico (CO2). As indústrias que não podem ou não querem reavaliar suas emissões de gases poluentes vêm exercendo pressões e procurando saídas. É o caso, principalmente, das multinacionais do carvão e do petróleo, cujas atividades, altamente produtoras de gás carbônico, deveriam ser questionadas a curto prazo. As gigantes da energia, como a empresa petrolífera Exxon ou a multinacional do carvão Edison, fazem o máximo possível para apagar a imagem de poluidoras de suas redes.
Entre todas as técnicas de armazenamento do CO2, quatro são objeto de pesquisas já bastante avançadas. A primeira, com experiências já realizadas por ocasião da prospecção de petróleo e gás, consiste em vedar o gás carbônico em amplas cavidades subterrâneas. É utilizada na Noruega pela empresa petrolífera Norsk Hydro. A Total Fina Elf irá investir, em breve, milhões de euros nessa pesquisa2. Entretanto, ao contrário do que dizem os que utilizam essa técnica, o CO2 não é injetado no solo por razões ambientais, mas para manter a pressão na prospecção e obter o máximo de energia fóssil.
Plantas geneticamente modificadas
Uma das técnicas de armazenamento de gás carbônico consiste em vedá-lo em amplas cavidades subterrâneas e já vem sendo utilizada na Noruega
Em 1999, o Departamento de Energia norte-americano encarregou a Universidade de Berkeley e o laboratório Lawrence Livermore National de realizar pesquisas sobre uma segunda técnica: o seqüestro do CO2 dos oceanos. O gás carbônico é obtido diretamente da fonte de emissão – por exemplo, à saída das chaminés das centrais térmicas – e depois enviado por gasodutos a 1.500 e até a 3.000 metros de profundidade, onde, comprimido pela pressão da água, se espalha sob a forma de líquido.
Nada garante que uma vez depositado no fundo dos oceanos o gás aí permanecerá de forma estável e num perímetro definido. Herman Ott, diretor do departamento de Política Climática no Instituto Alemão de Wuppertal, manifesta sua preocupação: “Não se sabe quais seriam as reações possíveis. Através desses depósitos de CO2 afeta-se de maneira profunda a cadeia alimentar.” Nos mares do Sul, onde as experiências viriam sendo realizadas3, teme-se pelos peixes e pelos recifes de coral.
Um terceiro direcionamento da pesquisa é no sentido de absorver o gás carbônico pelas plantas. O objetivo é aumentar consideravelmente a produtividade vegetal plantando vastas florestas. A Conferência de Marrakech aprovou esse princípio. As empresas vêem nele uma oportunidade de melhorar sua imagem. É o caso da Peugeot, que investe na Amazônia para replantar florestas que são chamadas “poços de carbono”. Mas isso não exclui algumas incoerências. A empresa japonesa Toyota teria pesquisado árvores geneticamente modificadas para absorver maiores quantidades de CO2. O Instituto de pesquisa japonês Rite (Research Institute of Innovative Technology for the Earth) trabalha com plantas geneticamente modificadas, capazes de resistir à falta de água e a situações climáticas extremas, para tornar verdes os desertos.
O lucrativo sistema das “Green Tags”
O Departamento de Energia norte-americano já encomendou pesquisas sobre uma segunda técnica: o seqüestro do gás carbônico dos oceanos
Outra técnica, ainda mais controvertida, é a da pulverização com limalha de ferro. Partindo da constatação de que em certas zonas do oceano a escassez de nutrientes, como o amoníaco e o ferro, limita o desenvolvimento de algas, pensaram pulverizar limalha de ferro sobre uma área demarcada de alguns quilômetros quadrados: isso, efetivamente, provoca uma grande proliferação de algas. No semanário inglês Science, entretanto, na edição de 12 de outubro de 2001, oceanólogos advertiam para os riscos do crescimento incontrolado desses projetos comerciais4. Várias pequenas experiências, dirigidas ou não por cientistas, já foram, no entanto, realizadas. Outras estão previstas. O laboratório Ocean Technology Group, da Universidade de Sydney, por exemplo, quer fertilizar a costa litorânea do Chile usando o amoníaco com o duplo objetivo de aumentar a absorção do gás carbônico e a criação de peixes. Os japoneses, grandes consumidores de peixe, estão particularmente interessados.
O engenheiro norte-americano Michael Markels que já participou de duas experiências, quer realizar em breve um teste em grande escala, numa área de 10 mil km2. Sua nova empresa, a Greensea Venture, fez inicialmente um acordo com o governo das Ilhas Marshall para utilizar suas águas territoriais, mas diante das recentes reticências desse governo, dirigiu-se para as Ilhas Galapagos (no Equador) 5. Segundo Markels, bastaria fertilizar regularmente 150 mil km2 de oceano com 250 mil toneladas de limalha de ferro para absorver todo o carbono que os Estados Unidos emitem ao queimar energias fósseis6. No âmbito dos mercados de direito a emissões, Michael Markels pensa propor aos industriais um custo de aproximadamente 2 dólares por retirada de uma tonelada de carbono, preço bem inferior ao do mercado, avaliado em 8 dólares7. E explica: “As empresas mineradoras poderiam estar interessadas. Uma etiqueta colada ao recipiente de seu combustível lembraria que estão empenhadas em eliminar da atmosfera uma quantidade de gás carbônico equivalente àquela que emitem8.” Não se trata de um caso isolado. A empresa Ocean Science, ex-Carboncorp, fundada na Califórnia pelo engenheiro Russ George, também trabalha com a fertilização pelo ferro. Propõe que os navios comerciais sejam equipados e pagos para jogar o fertilizante em lugares pré-determinados durante seus trajetos. Sem esperar, e em nome da experiência científica (sic), Russ George criou um sistema de vendas de “Green Tags”, a quatro dólares por unidade, cada uma supostamente garantindo o seqüestro de uma tonelada de carbono pelo micro-plâncton dos oceanos. Por apenas 60 dólares, uma residência norte-americana já pode, portanto, comprar o equivalente em “Green Tags” às quinze toneladas de gás carbônico que emite anualmente. Homem de negócios experiente, Russ George montou um esquema sem riscos. Na hipótese provável da fertilização dos oceanos vir a ser aceita no âmbito de um futuro mercado de emissões de poluentes, as “Green Tags” poderiam ser revendidas com lucro. Caso contrário, o investimento efetuado seria dedutível dos impostos a título de ajuda à pesquisa sobre os oceanos.
Uma “tela” para a radiação solar
Uma terceira técnica seria a absorção do gás carbônico pelas plantas. O objetivo seria aumentar a produtividade vegetal plantando vastas florestas
Todavia, nada comprova que o armazenamento de gás carbônico pelas algas seja durável. Stéphane Blain, oceanólogo da Universidade de Brest que entrevistamos, preocupa-se com as alterações induzidas por essas experiências: “Todos os oceanos são conectados e não se pode afirmar que os efeitos serão restritos a um local. Será difícil, portanto, avaliar as conseqüências reais. É preciso levar em consideração que o acúmulo de várias pequenas experiências pode ser tão prejudicial quanto uma grande. Na verdade, o controle dessas experiências deveria ser internacional.” Paul Johnston, que dirige o laboratório científico do Greenpeace Internacional em Exeter, na Grã-Bretanha, esclarece: “Essas experiências são idéias de engenheiros que simplificam um problema ao máximo pretendendo encontrar uma solução durável. É uma opinião parcial que não leva em conta a visão dos microbiólogos, dos oceanógrafos… Pessoas mal informadas não podem compreender os ecossistemas na sua globalidade.” Essas controvérsias também evidenciam a fraqueza da legislação. Além do limite de 200 milhas marítimas, os oceanos não pertencem a ninguém e nenhum país se pode opor a essas experiências.
Considerando que os gases responsáveis pelo efeito-estufa provocam o aquecimento do planeta, o objetivo da quarta técnica seria diminuir a radiação solar recebida pela Terra. Trata-se de espalhar, na alta atmosfera, partículas finas, sólidas ou líquidas, chamadas aerossol, que funcionariam como uma tela face à irradiação solar. A disseminação seria feita pelos aviões comerciais. A disseminação de aerossol se produz naturalmente quando ocorrem erupções vulcânicas e as imensas nuvens de poeira provocam um efeito refrescante. Hervé Le Treut, climatólogo e diretor do CNRS em Paris, preocupa-se: “Com o aerossol não se vai resolver o problema, mas apenas modificar o mundo de outra maneira. Além do mais, o aerossol provoca chuvas ácidas.” Também quanto a isso, o arsenal legislativo inexiste. Na França, como em muitos outros países, nenhuma legislação regula a alta ou a baixa atmosfera.
Controle do clima com objetivos militares
Um instituto de pesquisa japonês trabalha com plantas geneticamente modificadas, capazes de resistir à falta de água, para tornar verdes os desertos
A idéia de intervir sobre os ciclos naturais não é nova. Na década de 60, foram desenvolvidos inúmeros programas de ajuda à agricultura: para aumentar a precipitação pluvial, semeavam-se as nuvens com iodeto de prata. Houve quem achasse boa esta solução, que supostamente faria chover na África saheliana, condenada a uma seca endêmica. Nos Estados Unidos, inúmeras empresas ainda funcionam nesse setor: a Atmospherics Inc., criada em 1960, a Weather Modification Inc., ou ainda a TRC North American Weather Consultants, que elaborou mais de 200 projetos de modificação do clima desde a década de 50. Todavia, o impacto desses programas continua sendo secundário: apenas de 10 a 15 % de precipitação adicional. No mesmo período, os militares se interessaram por essas técnicas. De 1966 a 1972, os norte-americanos efetuaram experiências batizadas como Projeto Popeye, durante a guerra do Vietnã. Tentavam prolongar o período das intensas chuvas para que o avanço das tropas norte-vietnamitas fosse impedido pelo barro9. A assinatura, em 1976, de uma convenção internacional proibindo o uso de armas ambientais10 pôs fim a essas experiências.
Todavia, a idéia de um controle do clima com objetivos militares não foi totalmente abandonada. O Projeto Haarp, financiado pelo Pentágono e desenvolvido pelo Centro de Pesquisas sobre a Ionosfera11 do Alaska, é um exemplo disso. Bernard Eastlund, idealizador do projeto, registrou a patente da idéia de modificar o clima por meio da projeção de raios laser de muita intensidade sobre as fontes de correntes de altitude, os jets stream12, cujas variações influem intensamente sobre os climas regionais. Um relatório elaborado em 1996 pela US Air Force insiste sobre a necessidade de a aviação norte-americana intervir diretamente sobre o clima, seja para aumentar a visibilidade – suprimindo as nuvens ou a neblina – ou, ao contrário, para incentivar a formação de instabilidade, criando, em seu proveito, nuvens ou tempestades13.
O uso maciço de energias renováveis
Nada garante que a estocagem de gás carbônico por algas seja durável e alguns cientistas preocupam-se com as mutações induzidas por essas experiências
As atuais tentativas de modificar o clima são paradoxais. Embora as experiências de fertilização sejam tecnicamente simples de realizar e de baixo custo, implicam em alto risco. Quanto às técnicas de seqüestro do gás carbônico em cavidades ou no fundo dos oceanos, os cientistas esquecem de mencionar que todos os esses processos são vorazes consumidores de energia: é preciso capturar o CO2, comprimi-lo, transportá-lo para o lugar onde será enterrado e injetá-lo no subsolo ou nas profundezas do mar…
Segundo Kitsy McMullen, especialista em impactos e adaptações às mudanças climáticas da organização Greenpeace nos Estados Unidos, “essas pesquisas são feitas ou financiadas por agências governamentais ou grandes empresas que pensam que apenas a tecnologia resolverá sozinha nossos problemas. São incapazes de pensar em soluções simples”. Hervé Le Treut, do CNRS, vai mais longe: “Todos esses projetos baseiam-se em considerações econômicas. As possibilidades de controlar esses processos são extremamente frágeis.” Melhor seria questionar os modos de produção industrial e os hábitos de vida dos consumidores ocidentais. Essas experiências de modificação do clima apenas retardam a guinada que será fatalmente adotada, mais cedo ou mais tarde, quando for necessário viver sem quaisquer energias fósseis e tiver que ser priorizado o racionamento da energia e a utilização maciça de energias renováveis, como a solar, a eólica e a biomassa.
(Trad: