Os escravos do bicentenário
O Banco Mundial financia a instalação de uma empresa conhecida por atos brutais e arbitrários contra os operários e desrespeito ao direito sindical para fabricar as famosas Levi?s 505 e 555. Hoje, deflagrada a mobilização operária, militares à paisana mantêm a « ordem » nas instalações da empresaMaurice Lemoine
Nordeste do Haiti. O rio Massacre e uma ponte ruim separam Ouanaminthe de Dajabón, na República Dominicana. É lá, em Ouanaminthe, que vai ser construída uma Zona Franca, aprende-se sob o governo Aristide. O anúncio provoca vivas resistências dos proprietários de terras afetados, mas também dos que as cultivam, feitores e diaristas. Quando isso for feito, eles serão indenizados (eles ainda esperam). Acompanhados de homens armados, tratores colhem toda a produção. Impossível resistir. Os pobres miseráveis ficam « como aves selvagens, sem saber onde pousar ».
A empresa dominicana anunciada, o Grupo M, goza de uma péssima reputação. É conhecida por seus atos brutais e arbitrários contra os operários e seu desrespeito ao direito sindical na República Dominicana, onde ela é o maior empregador (12 mil trabalhadores) em suas usinas.
Sem dúvida mal informada, a Corporação Financeira Internacional do Banco Mundial financia com um empréstimo de 20 milhões de dólares para a instalação do Grupo M em Ouanaminthe. Sem dúvida, mais a par das realidades, é sigilosamente que o presidente Bertrand Aristide vai depositar a primeira pedra, em companhia do chefe de Estado dominicano Hippólito Mejía, no dia 8 de abril de 2003. Os haitianos só saberão desta notícia, pela imprensa dominicana, no dia seguinte.
O começo da resistência
Condições de trabalho embrutecedoras, ritmo frenético, salários indigentes… Desde 13 de outubro de 2003, um começo de resistência se manifesta com a criação do Sindicato
“Não se sabia nada das zonas francas. Aqui, não há trabalho. Nós tentamos”. Abertas em agosto, as duas unidades de produção e seus mil trabalhadores fabricam as famosas Levi’s 505 et 555 (usina Codevi), além de camisetas (usina MD) exportadas via República Dominicana.
Condições de trabalho embrutecedoras, ritmo frenético, salários indigentes… Desde 13 de outubro de 2003, um começo de resistência se manifesta com a criação do Sindicato dos Operários da Codevi em Ouanaminthe (Sokowa, em creole), afiliada à Intersindical 1o de maio-Batay Ouvriyé (batalha operária). Trinta e quatro trabalhadores sindicalizados são brutalmente licenciados no dia 2 de março de 2004. O país atravessa então um vazio de poder criado pela partida de Aristide. Acuados em Ouanaminthe, milicianos do chamado “exército rebelde” do Norte intervêm para abafar os protestos.
Depois de duras negociações feitas em presença do Banco Mundial, de uma comissão tripartite do novo governo hatitiano e da multinacional Levi-Strauss, a direção aceita reintegrar todos os operários (13 de abril), mas, precisa Yannick Etienne, de Batay Ouvriyé, “esquece que havia também um acordo para que o sindicato possa negociar um novo contrato coletivo”.
Exploração máxima
Não teria sido inútil. Cinco dias de trabalho, de segunda a sexta-feira – mais o sábdo obrigatório e não remunerado (como as horas extras). “Não se pode nem fazer uma pergunta. Se você se atreve, eles pegam seu nome para dispensá-lo”. Convoca-se regularmente os recalcitrantes ao “quarto”. “Eles colocam o ar-condicionado no máximo de modo a nos colocar numa situação muito desconfortável. Somos trancados durante horas, vigiados por pessoas armadas”. Obrigadas a se submetere, a cada dois meses, a uma misteriosa injeção, as mulheres reclamam de “mestruação escura, muito longas, irregulares” e mencionam casos de aborto suspeitos.
Pausa no trabalho de 30 minutos, no dia 7 de junho… No dia seguinte, cerca de quarenta militares dominicanos fortemente armados (em território haitiano!) reprimem trabalhadores
Pausa no trabalho de 30 minutos, no dia 7 de junho… No dia seguinte, cerca de quarenta militares dominicanos fortemente armados (em território haitiano !) reprimem trabalhadores a golpes de cassetetes. No dia posterior a uma nova greve de 24 horas, o patronato fecha a usina – lock-out ilegal – e, 48 horas mais tarde, na reabertura, destitui 370 operários.
Depois, a carga de trabalho é ainda aumentada. Cada trabalhador devia antes produzir mil peças por dia. Pede-se a eles agora 1.300 por um salário equivalente a 35 euros por semana. “Ninguém atinge esse objetivo e não ganhamos mais que o equivalente a 12 euros se não o atingimos”.
Enquanto militares do país vizinho, à paisana, mantêm a ordem nas instalações, Fernando Capellán, diretor dominicano do Grupo M, ameaçou transferir suas atividades. “Não acreditamos no fechamento das usinas”, reage Yannick Etienne de Batay Ouvriyé1, “mas a ameaça é um sinal bem claro de que a guerra foi declarada”. No próprio Haiti, em 1995 especialmente, Batay Ouvriyé encampou uma dura batalha contra os subsidiários da Disney da Association dos Industriais do Haiti (ADIH). Ora, muito curiosamente, ainda que de nacionalidade dominicana, Capellán é membro da ADHI. “Acredito que os patronatos dominicano e hatitiano queiram eliminar nosso jovem sindicato para criar uma situação de não-direito que permita a exploração máxima”.
1 – Ações são levadas na França para sustentar
Maurice Lemoine é jornalista e autor de “Cinq Cubains à Miami (Cinco cubanos em Miami)”, Dom Quichotte, Paris , 2010.