Os estragos do vício
O Irã é um dos países com mais viciados em heroína e ópio no mundo: oficialmente, são 1,2 milhão de toxicômanos e 800 mil consumidores ocasionaisCédric Gouverneur
Cai a tarde sobre os milhares de casebres de taipa do gueto de Shir-Abad, situado atrás das pistas do aeroporto de Zahedan. Um grupo de refugiados afegãos está reunido na encosta da colina, sobre detritos, em volta de uma fogueira. Têm entre 15 e 50 anos. Alguns fugiram de seu país há vinte anos. Outros, em dezembro de 2001. No fogo, queimam as cinzas de um cigarro de heroína que acabaram de fumar. Recuperados dessa maneira, os resíduos adquirem uma segunda vida e são imediatamente reinjetados. Aqui, HIV ou não, as mesmas seringas usadas são partilhadas por braços cobertos de feridas. O mais jovem dos viciados suplica a nosso acompanhante, com grandes olhos vidrados: “Me dê um dinheiro para comprar uma dose! Me dê!” Um de seus companheiros tem a presença de espírito de afastar as numerosas crianças da vizinhança que, intrigadas, vêm observar o curioso ritual dos adultos. Oficialmente, Shir-Abad não existe: o bairro nem é mencionado nos mapas da cidade.
O Irã é um dos países do mundo com mais viciados em heroína e ópio1. Haveria oficialmente, no interior da República Islâmica, 1,2 milhão de toxicômanos e 800 mil consumidores ocasionais, para um total de 73 milhões de habitantes. “Esses números de 1999 são muito subestimados”, avalia um jornalista iraniano especialista no assunto. “Aqui, a droga continua sendo um tabu.” Vejamos um exemplo: em meados de janeiro, em Teerã, a polícia interrogou no parque de Haft-e-Tir dezenas de “pervertidos sexuais que importunavam as mulheres”, segundo a versão oficial da televisão estatal, controlada pelos conservadores. Tratava-se, na verdade, de toxicômanos e de revendedores. Nas ruas e parques do sul de Teerã, é comum cruzar com os rostos pálidos dos viciados em heroína e em ópio. Este é vendido a 20 mil rials (6,50 reais) o grama, a heroína, a 10 mil rials a dose. São preços no varejo, que triplicaram a partir do verão. Misturada em mais de 90%, essa heroína provoca regularmente ondas letais de intoxicações – cerca de oitenta em três meses, no último outono, somente na região de Teerã.
O tédio da juventude
Atualmente, o consumo de opiáceos passou do campo cultural para o campo social, devido à oferta abundante de tóxicos e à demanda pelos consumidores
A Pérsia está habituada há séculos a um consumo de ópio recreativo e moderado, no âmbito de práticas culturais ligadas à poesia e ao misticismo. Em Kerman, em Isfahan, entre os nômades Lor, em Chiraz entre os nômades Kashkai, nas províncias curdas e azerbaijanas do oeste do país, o cachimbo de ópio continua a ser usado normalmente, principalmente entre as pessoas de idade madura. Atualmente, o consumo de opiáceos passou do campo cultural para o campo social, em razão da oferta super-abundante de tóxicos e da grande demanda dos consumidores, exacerbada pelas frustrações econômicas e sociais – o desemprego atinge 20% da população e 53% dos iranianos vivem abaixo do nível de pobreza. Nas classes populares urbanas, a toxicomania atinge em particular os mohajirs (refugiados): afegãos, iranianos deslocados por ocasião da guerra Irã-Iraque, ou devido ao êxodo rural, vulneráveis por serem deserdados, desterrados e pouco aceitos pelo controle social comunitário. No Khorasan, no Sistan-Baluchistão e em Kerman, as regiões mais atingidas pela droga, 70% dos divórcios são motivados pelo vício do cônjuge.
Segundo os estudiosos do assunto, o tédio da juventude seria também um dos fatores explicativos dessa toxicomania: a nova geração – 70% dos iranianos têm menos de 35 anos – privilegia os aspectos nacionais e ocidentais de sua identidade indo-européia, por oposição aos valores islâmicos. Ora, a cultura ocidental é rigorosamente banida pelas autoridades religiosas. A maior parte dos jovens deve, portanto, apelar para passatempos ilegais: música pop proveniente dos países vizinhos ilicitamente ou via Internet, vídeo cassetes de filmes vendidos clandestinamente, shows e festas clandestinas, álcool de contrabando… Nesse contexto de proibições, uma droga pesada pode ser assimilada a um passatempo ilegal como qualquer um outro. Um abrandamento, mesmo parcial, das restrições culturais que os conservadores – repudiados de eleição em eleição desde 1997 – impõem à sociedade civil, daria um pouco de fôlego à juventude. Mas esse avanço parece, por enquanto, ilusório: como alguns desses conservadores se preocupam com o sucesso dos ciber-cafés, estes serão proibidos, em breve…
Modernização desmascara tabus
Os ciber-cafés fazem grande sucesso entre os jovens. Preocupadas com isso, as autoridades conservadores irão proibi-los, em breve
“Quando alguém não consegue se adaptar à sociedade, droga-se para encontrar energia e inspiração.” Hossein Dezhakam sabe do que está falando. Esse assistente social usou “todos os tipos de drogas” durante mais de vinte anos. Atualmente um ativista da ONG Aftab (O sol), em Teerã, tenta tirar do vício os toxicômanos. Todos os dias, umas cinqüenta pessoas, homens e mulheres, de 14 a 70 anos, vêm à sede da Aftab para partilhar suas experiências em terapias de grupo baseadas no modelo dos Alcoólatras Anônimos. “Infelizmente, as drogas são atraentes”, observa Dezhakam. Daí a necessidade de desenvolver a prevenção. Se, em janeiro de 2002, existiam apenas três cartazes de prevenção em toda Teerã – 12 milhões de habitantes -, a informação, no entanto, está progredindo. Há alguns anos, oficialmente, a toxicomania havia desaparecido com o regime do Xá.
Atualmente, nas campanhas de prevenção, as autoridades deixaram de lado o discurso institucional para adotar a linguagem da rua. Na televisão, os clips multiplicam-se, destinados aos jovens, aos pais de família, enfatizando a degradação provocada pela heroína e o ópio. Em meados de janeiro, o governo autorizou a liberação pelas farmácias de seringas esterilizadas, a fim de limitar as contaminações relacionadas às injeções. É uma decisão inimaginável até pouco tempo atrás. Com a reeleição de Mohamad Khatami em 2001, os iranianos exigiram a avaliação, com toda a transparência, das fragilidades do sistema. A lenta supressão dos tabus que cercam a toxicomania está inserida nesse movimento. (Trad.: Regina Salgado Campos)
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Cédric Gouverneur é jornalista.