Os frutos do “livre” comércio
Graças às regras da OMC, o Equador atende 25% do mercado mundial da fruta. Transnacionais e oligarcas controlam a produção, humilham trabalhadores e envenenam a naturezaPhilippe Revelli
Entre Santo Domingo e Machala, sobre as terras férteis situadas ao pé dos Andes equatorianos, os bananais se estendem ao longo dos dois lados da estrada. À entrada de cada plantação, há um cartaz com o nome da hacienda ? “Maria Elisa”, “La Julia”, “Norma Gisela” ? e uma guarita, onde se encontra um guarda armado. De quando em quando, um aviãozinho rasante solta uma nuvem branca de pesticidas…
O Equador vem exportando, nos últimos cinco anos, uma média anual de 4,3 milhões de toneladas de bananas, o que faz do país um dos primeiros exportadores da fruta, responsável por 25% do mercado mundial. A bananicultura equatoriana ocupa 180 mil hectares e gera 250 mil empregos (os quais, levando-se em conta os empregos indiretos, representam 14% da população ativa). A situação equatoriana difere da que predomina em outros países produtores de bananas-dólar [1]: nestes outros, as três grandes multinacionais líeres do setor, a Dole, a Chiquita Brands e a Del Monte, possuem suas próprias culturas, enquanto no Equador a produção bananeira é provida por cerca de 6 mil produtores nacionais.
A Dole, líder mundial da agroindústria, contratou grande número destes produtores, e assegura cerca de um quarto das exportações de bananas do país [2]. Bem menos todavia que a companhia Bananera Noboa, que, sob a marca Bonita, é responsável por quase metade das exportações equatorianas de bananas. A companhia, cujo proprietário éAlvaro Noboa – uma das maiores fortunas da América Latina e candidato à presidêcia do Equador -, é o terror dos pequenos e médios produtores: “São bandidos!”, afirma Gustavo Pesantez, presidente da Associação dos Produtores de Bananas de Los Rios (Aproban). “Para nos forçar a vender-lhes nossa produção, moveram processos contra 900 produtores, ameaçando tomar suas terras”.
Precariedade e exploração
Com a palavra, Enrique Feijoo, proprietário de uma plantação de trinta hectares, também sofrendo um processo por parte da Bananera Noboa: “O contrato assinado com Noboa estipulava que eu vendesse a caixa de bananas pelo preço oficial, 3,20 dólares. Na prática, o pagamento era efetuado em espécie, numa agência do Banco del Litoral [de propriedade do grupo Noboa]. Exigia-se então, sem qualquer justificativa, que eu revertesse U$ 0,8 por caixa vendida ao banco, podendo Noboa romper o contrato a qualquer momento. Todavia, quem não quer mais o contrato de venda sou eu… E é por isso que Noboa está me processando!” Além de ter sido condenada inúmeras vezes por evasão fiscal e por infrações à legislação comercial, a Bananera Noboa se destaca dos demais exportadores pela brutalidade com que procede. É verdade que a grande maioria destes se opõe à regulação do setor, assim como impõem preços ridiculamente baixos aos produtores, deixando-lhes a tarefa de gerir os conflitos sociais decorrentes dos salários miseráveis, e das péssimas condições de trabalho vigentes nas plantações.
É quase meio-dia, hora de almoço dos colhedores de banana, na Hacienda Ipanema, em Los Rios. Faz um calor causticante. “As jornadas de trabalho se prolongam até que o carregamento tenha partido, explica um dos trabalhadores, ou seja, para além das doze horas. Os salários variam de 30 a 70 dólares por semana segundo o cargo ocupado [3]. Roupas e ferramentas de trabalho não são fornecidos pela empresa. Além disso, os trabalhadores têm de arcar com as despesas de transporte. É nesta situação que se encontra a maior parte das plantações. Horas extras raramente são pagas. Ademais, segundo a Federação Nacional dos Trabalhadores Agroindustriais, Camponeses e Indígenas Livres do Equador (Fenacle), única organização sindical presente no setor, 90% das empresas não inscrevem seus trabalhadores na Previdêcia Social. As contribuições à Previdêcia são descontadas dos salários para nunca serem revertidas aos trabalhadores.
Sanções arbitrárias, multas e demissões injustificadas são freqüentes. O recurso à terceirização agrava ainda mais a situação dos trabalhadores. “A cada mês, um agricultor pode ser provisoriamente contratado por uma prestadora de serviço diferente, ainda que seja mantido numa única hacienda. Esta medida visa impedir a aquisição de direitos por tempo de serviço”, explica um operário que passou por diversos empregadores.
Trabalho infantil
A exposição dos agricultores aos produtos químicos massivamente empregados é também objeto de denúncia recorrente: “Substâncias tóxicas são utilizadas sem proteção adequada. Além disso, durante toda a minha carreira, conheci apenas uma empresa que retira os trabalhadores da plantação durante as fumigações aéreas”, relata Alfredo Rosalbal, da El Zapote, companhia bananeira de pequeno porte.
Em 2002, reagindo a um relatório da ONG humanitária Human Rights Watch (HRW) [4], o congresso norte-americano pretendia, a partir da erradicação do trabalho infantil nas plantações de bananeiras, abrir negociações sobre o Tratado de Livre Comércio (TLC) —cuja assinatura, sem outra forma de processo, provoca fortes mobilizações populares. Todavia, enquanto a HRW estima que pouco mudou, Eduardo Ledesma, diretor da Associação dos Exportadores de Bananas do Equador (AEBE) protesta: afinal, não é a própria lei equatoriana que permite o trabalho de menores de idade a partir dos 15 anos?
A AEBE reuniu no Hotel Sheraton de Guayaquil, em 22 e 23 de janeiro deste ano, a nata dos exportadores e produtores de bananas, para debater os “novos desafios do mercado bananeiro”. Entre duas mesas redondas dedicadas à análise dos mercados e à produtividade do setor, uma manhã foi dedicada às “conquistas sociais da agroindústria bananeira”. Os resultados são celebrados pelos representantes dos principais produtores: “Três postos de saúde e uma unidade médica móvel atendem gratuitamente os empregados da companhia”, anuncia a assessora de imprensa da Dole. “Criamos dez escolas, e nossa fundação mantém outras vinte, apesar da oposição do sindicato dos professores, que denunciava uma privatização da educação”, vangloria-se o porta-voz da Reybanpac. Alexandra Moncada, por sua vez, representante do Projet Soy [5], louva com entusiasmo os avanços em prol da erradicação do trabalho infantil.
Degradação ambiental
Destoando dos demais, Joaquin Orrantia, representante dos produtores locais, reconhece com uma franqueza brutal o impacto negativo da monocultura bananeira sobre o meio-ambiente, que acelera a erosão e degradação dos solos, assim como a poluição gerada pelos produtos químicos utilizados. Todavia, defende os produtores, responsabilizando os exportadores pelos preços que impõem, insuficientes para a implementação das medidas ambientais necessárias. Mesmo assim, a mesa redonda é concluída num tom otimista, com Eduardo Ledesma apresentando os projetos sociais da AEBE. E anuncia que a organização patronal pretende criar um campeonato de futebol das empresas bananeiras! Quanto aos salários, sublinha-se que qualquer aumento prejudicaria a competitividade. É óbvio que a palavra não foi cedida a nenhum representante dos trabalhadores. De todo modo, a AEBE tem como certo de que as “reivindicações extremistas” por parte dos sindicatos levariam à “desaparição da empresa”.
Na hacienda Josefa, os “extremistas” da Fenacle se mostram todavia bastante moderados, limitando-se a exigir a aplicação do código trabalhista: pagamento dos encargos sociais e o direito assegurado de organizar-se sindicalmente. O que, no entender de seu proprietário, é conceder demais. Subordinado à Dole, segue a orientação de um de seus técnicos, demitindo em janeiro dez operários, dentre os quais quatro são dirigentes sindicais. Uma vez votada a greve, 85 assalariados ocupam o depósito de condicionamento de bananas durante quase um mês. Em 11 de fevereiro de 2006, a polícia intervém para expulsar os grevistas. Os grevistas pedem então para ver a ordem de expulsão, o que foi recusado. Na verdade, a intervenção policial não foi determinada pela Justiça. Ao contrário, tratava-se de uma medida ilegal. A decisão foi tomada para agradar a um proprietário que saberá, no momento oportuno, expressar sua gratidão [6].
Não houve confronto e os trabalhadores aceitaram retirar-se calmamente. Não é sempre assim. “Em 2002, durante o conflito de Los Alamos”, recorda Guillermo Touma, presidente da Fenacle, “a intervenção policial, apoiada por 200 pistoleiros contratados por Noboa, foi de extrema violência, resultando em uma morte e vários feridos, dentre os quais um trabalhador que teve que amputar uma perna”. Este conflito sangrento, que marcou a ressurreição do movimento sindical nos bananeirais, gerou alguns frutos. As principais companhias (Noboa, Dole, Reybanpac) tiveram que regularizar a situação trabalhista de seus empregados permanentes. “Nós estamos hoje organizados em 22 plantações, dentre as quais sete dispõem de uma seção sindical legalmente registrada”, ressalta Touma.
Choques disseminados
Mesmo assim, há meios de se evitar a concessão dos direitos trabalhistas e a constituição de frentes sindicais. O recurso a contratações temporárias por empresas de prestação de serviços é mais e mais comum. O código de trabalho equatoriano estipula um mínimo de 30 afiliados para o estabelecimento de um sindicato de empresa. A contratação intermediada por inúmeras prestadoras de serviços evita que se atinja esta cota. “Trata-se, na maioria das vezes, de empresas-fantasma, reunidas num mesmo escritório, com o mesmo número de telefone. Se você telefonar para qualquer uma delas, a resposta será: Bananera Noboa, bom dia [7].
Apesar da adoção de estratégias de combate ao sindicalismo por parte do patronato, os conflitos se multiplicam nas plantações. Ocorreram em diversas haciendas. Porém, estes conflitos acontecem isoladamente uns dos outros. A Fenacle, por sua vez, opta por negociar cada convulsão em particular, evitando assim que o movimento se alastre e radicalize. A Fenacle não aposta nas forças locais, mas espera muitos resultados decorrentes de apoios internacionais: “Quando dos acontecimentos de Los Alamos, as denúncias de organizações como a Coordenação dos Sindicatos Bananeiros da América Latina [Colsiba], a Organização Regional Interamericana dos Trabalhadores [CIOSL/ORIT], a US-LEAP ou a Banana Link [8] deram a este conflito uma repercussão internacional” Estima Touma que as campanhas de informação sobre as atividades de multinacionais como a Chiquita ou a Dole “constituem um apoio inestimável a nossas lutas”.
Na Europa, uma taxa única de 176 dólares por tonelada substitui, desde janeiro, o antigo sistema de cotas e certificados que visava regular o acesso das bananas ao mercado comum europeu. “O mais provável é que a nova regulamentação européia acabe prejudicando ainda mais os salários praticados na indústria bananeira. Dever-se-ia, outrossim, pressionar as grandes multinacionais agroindustriais e supermercados europeus e norte-