Petróleo, um barril de pólvora
A exacerbação do conflito na Palestina e o risco de uma ação militar norte-americana no Iraque reúnem os ingredientes para uma possível guerra que envolveria vários países árabes. Uma mistura de barris de petróleo e de pólvora que pode ser explosivaNicolas Sarkis
A indústria petrolífera mundial entrou numa nova zona de turbulências após os atentados de 11 de setembro que atingiram os Estados Unidos e cujas primeiras ondas de choque se propagaram rapidamente sobre toda a cena política e econômica internacional. O Oriente Médio, em particular, ficou desde essa época no olho do furacão. Com dois terços das reservas comprovadas e 44,5% da exportação mundial de petróleo, os países dessa região estão no topo da lista dos visados pela “guerra contra o terrorismo” declarada pelo presidente George W. Bush. Eles são o berço da Al-Quaida de Osama bin Laden e da quase totalidade dos outros movimentos de radicais islâmicos. O Iraque e o Irã, assim como a Coréia do Norte, fazem parte do que o presidente norte-americano chamou de “eixo do mal”.
A Arábia Saudita, principal país produtor e exportador de petróleo do mundo e principal aliado dos Estados Unidos no Oriente Médio, também está na corda bamba devido às pressões e acusações que sofreu em relação a seu apoio aos radicais islâmicos. A Síria e o Iêmen não são poupados, assim como o Hezbollah libanês, o Hamas palestino e alguns emirados do Golfo acusados de terem fechado os olhos para as ações e o financiamento de organizações de caridade suspeitas de se terem envolvido em atividades pouco caridosas. Finalmente, com os últimos massacres nos territórios palestinos, a exacerbação do conflito árabe-israelense e o risco de uma ação militar norte-americana no Iraque, estão reunidos todos os ingredientes para a possível deflagração de uma guerra que envolveria mais de um regime árabe. Nessas condições, a coexistência de barris de petróleo e barris de pólvora anuncia-se particularmente explosiva nessa parte do planeta.
O sobe-e-desce dos preços
Até agora, o impacto dos atentados do dia 11 de setembro sobre o mercado petrolífero limitou-se a bruscas variações de preço. No espaço de quatro meses, o preço médio do petróleo OPEP1 teve uma queda de 28,3%, passando de 24,46 dólares/barril, em agosto de 2001, para 17,53 dólares em dezembro do mesmo ano. Essa forte queda foi provocada tanto pela diminuição da demanda e o medo de uma recessão econômica mundial quanto pela persistência de um acréscimo de oferta dos países pertencentes à OPEP2 e de fora dela.
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Nos próximos meses, o preço do petróleo deverá manter seu movimento de ioiô graças à relação oferta/procura e à queda de braço entre os EUA e o Iraque
A partir de janeiro de 2002, a reorganização dos preços foi particularmente brusca, com o petróleo OPEP atingindo 24,48 dólares por barril em meados de maio, ou seja, um salto de 39,6% em relação à média de dezembro. Essa reviravolta deve-se aos sinais de uma retomada da economia norte-americana, à baixa dos estoques nos países industrializados e às especulações a respeito de uma eventual intervenção militar norte-americana no Iraque. Nos próximos meses, o preço do petróleo provavelmente manterá seu movimento de ioiô graças à relação oferta/procura, ao nível de respeito dos países OPEP por suas quotas de produção e à evolução da queda de braço entre Washington e Bagdá. De qualquer forma, parece improvável que o preço do barril ultrapasse por muito tempo a barreira dos 25 dólares.
Reorganiza-se o cenário do petróleo
Graças a uma capacidade de produção não utilizada, avaliada em quase 6,5 milhões de barris/dia (b/d), da qual, a metade na Arábia Saudita, os países membros da OPEP não hesitarão em aumentar sua produção, caso um ataque contra o Iraque venha a provocar a suspensão das exportações por esse país ou se, por outras razões, a oferta mundial se tornar insuficiente para atender à demanda. Embora necessitem muito de uma alta dos preços do petróleo para enfrentar suas dificuldades econômicas, os países da OPEP insistem em manter como objetivo uma variação de 22 a 28 dólares por barril. Alguns regimes árabes, particularmente do Golfo, ficaram paralisados de medo com as ameaças feitas pelo governo Bush após o 11 de setembro e, para garantir a segurança e a sobrevivência, aumentaram a produção em algumas centenas de milhares de barris de petróleo por dia.
Num prazo mais longo, os efeitos da tragédia de 11 de setembro sobre a indústria petrolífera poderão ser maiores que as variações abruptas de preço. A luta contra o terrorismo internacional reaviva as inquietações sobre a segurança das provisões dos países consumidores e recoloca em questão o papel do Oriente Médio como principal zona de produção e exportação de petróleo do mundo. Uma reorganização do cenário do petróleo mundial já começou, principalmente com a aproximação entre os Estados Unidos e a Rússia e uma retomada do interesse por outras regiões petrolíferas, como a Ásia Central e a África Ocidental. Seria isso suficiente para reduzir, ainda que de maneira pouco significativa, a dependência em relação ao petróleo do Oriente Médio e evitar novas crises de energia? É pouco provável.
Os EUA endurecem
Os países membros da OPEP não hesitarão em aumentar a produção, caso um ataque contra o Iraque venha a provocar a suspensão das suas exportações
Em primeiro lugar, porque corremos o risco de assistir a um endurecimento das sanções norte-americanas. A mobilização, por bem ou por mal, dos países industrializados sob o estandarte norte-americano na luta contra o terrorismo torna despropositadas as divergências entre os Estados Unidos e a União Européia quanto às “sanções secundárias” contra o Irã e a Líbia3. É difícil conceber, num futuro previsível, que empresas européias, japonesas ou outras continuem ignorando as sanções norte-americanas em relação a países terceiros e assinem novos acordos de exploração-produção com aqueles dois países. Para o Iraque, o que se pode esperar de melhor é a manutenção, em condições ainda mais constrangedoras para esse país, do programa “petróleo contra alimentos”, no âmbito do projeto norte-americano curiosamente batizado de “sanções inteligentes”. Tudo isso fará diminuir os investimentos na indústria petrolífera desses três países, responsáveis por cerca de um quarto das reservas de petróleo mundial.
Esse congelamento de investimentos em petróleo, que já são insuficientes, leva as empresas internacionais da região a voltarem-se para outras regiões, como a África Ocidental – principalmente Angola -,os países do mar Cáspio, onde só na jazida de Kashagan, no Cazaquistão, calcula-se que haja o dobro de reservas do setor britânico do mar do Norte, e a Rússia.
O papel preponderante do Golfo
Para colocar as coisas em suas justas proporções, não se deve esquecer, no entanto, que a totalidade das reservas comprovadas dos países do Golfo da Guiné, incluindo a Nigéria, são avaliadas, atualmente, em 39 bilhões de barris, ou 5,2% do total mundial, enquanto as da Ásia Central não passam de 1,6% das reservas mundiais, percentuais que devem ser comparados aos 66% detidos pelos países do Oriente Médio.
Alguns regimes árabes, com medo das ameaças do governo Bush, aumentaram a produção em algumas centenas de milhares de barris de petróleo por dia
Outra conseqüência dos atentados de 11 de setembro foi o reaquecimento das relações entre os Estados Unidos e a Rússia, com um maior envolvimento das empresas norte-americanas nos projetos de desenvolvimento dos setores de petróleo e de gás naquele país. No fim da década de 80, a Rússia era o principal produtor de petróleo do mundo, com uma produção que chegou a 11,4 milhões de b/d em 1987-1988, antes de cair para 6,2 milhões de b/d já em 1996. Durante os cinco últimos anos, subiu para 7,3 milhões de b/d em conseqüência do rearranjo dos preços em 1999-2000, da reorganização do setor de hidrocarbonetos iniciada em 1992-1993 e da desvalorização do rublo após a crise financeira de agosto de 1998. Durante os próximos anos, esse país continuará aumentando sua produção e suas exportações. Tem condições para fazê-lo, com reservas avaliadas em 48,6 bilhões de barris, ou seja, 4,6% do total mundial. Porém, dada a progressão de suas próprias necessidades, sua parte nas exportações mundiais, atualmente de 6,3%, dificilmente ultrapassará 7 ou 8 % daqui até 2010.
Se a esperada colaboração da África, da Ásia Central e da Rússia para cobrir as necessidades petrolíferas mundiais está longe de ser negligenciável, também não pode, levando-se em conta o crescimento da demanda, substituir ou ameaçar o papel preponderante do Golfo árabe-persa.
O desafio do crescimento do consumo
Todas as previsões energéticas mundiais disponíveis concordam, salvo em alguns detalhes, com o fato de que o Oriente Médio continuará ainda por muito tempo como o deus ex maquina da indústria petrolífera. Graças a suas enormes reservas comprovadas, às jazidas gigantes que foram descobertas e que ainda não foram exploradas (no Iraque e no Irã, principalmente) e ao baixo custo de exploração, essa região deveria cobrir a maior parte do crescimento esperado do consumo mundial.
O cenário mundial do petróleo reorganiza-se com a aproximação entre os EUA e a Rússia e a retomada do interesse pela Ásia Central e a África Ocidental
O relatório sobre as Perspectivas Energéticas Mundiais, que a Agência Internacional de Energia (AIE) publicou em novembro de 2001, dois meses depois dos atentados de Nova York e Washington, lembrou oportunamente essa realidade. Para o petróleo, a AIE mantém intocadas, em relação ao relatório do ano precedente, as estimativas de oferta e procura mundiais para os próximos vinte anos: um crescimento médio da demanda mundial de 1,9% ao ano, o que levará a uma demanda mundial de 95,8 milhões de b/d (em média) em 2010 e 114,7 (em média) em 2020. Isso representa uma demanda adicional de cerca de 20 milhões de barris/dia daqui até 2010 e de mais de 40 milhões b/d até 2020. Em outras palavras, será necessário desenvolver novas capacidades de produção equivalentes, até 2010, ao dobro da capacidade atual da Arábia Saudita, e até 2020, a 130% do total da capacidade de todos os países da OPEP juntos. Trata-se de um colossal desafio que ninguém ousa afirmar no momento se, e como, será resolvido.
O peso do Oriente Médio
Na realidade, as estimativas a longo prazo da procura são mais confortáveis que as da oferta, pois baseiam-se em parâmetros mais fáceis de delimitar, entre os quais o crescimento econômico e demográfico, a elasticidade do preço e as extrapolações a partir do passado. A tarefa é bem mais árdua para a evolução da oferta: os pontos de interrogação são fortes, inclusive as incertezas que pesam sobre os investimentos, a estabilidade política na maioria dos países produtores, as sanções que atingem países como Iraque, Irã e Líbia e as políticas de petróleo dos países exportadores.
Só na jazida de Kashagan, no Cazaquistão, calcula-se que as reservas petrolíferas representem o dobro daquelas do setor britânico no mar do Norte
Considerando essas incertezas, a AIE avalia que o abastecimento não-OPEP se estabilizará por volta de 46 a 47 milhões de barris/dia, em média, até 2010, antes de começar a declinar. Para cobrir o enorme crescimento das necessidades mundiais, a produção OPEP deveria, para compensar, ter uma disparada até atingir 44,1 milhões de barris/dia em 2010 e 61,8 milhões de barris/dia em 2020, ou seja, mais do que duplicar nos próximos 20 anos. São principalmente cinco países do Oriente Médio, membros da OPEP – Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Kwait, Irã e Iraque – que deveriam elevar sua produção de 19,5 milhões de barris/dia em 1997 (ano de referência) para 30,5 milhões de barris/dia em 2010, e para 46,7 milhões de barris/dia em 2020. A quota desses países na produção mundial passaria de 26%, em 1997, para 32% em 2010, e 41% em 2020.
Investimentos colossais
Dessa forma, a dependência dos principais países consumidores em relação ao petróleo importado, principalmente o que vem do Oriente Médio, cresceria. Entre 1997 e 2020, passaria de 44,6% para 58%, para a América do Norte, de 52,4% para 79%, para a Europa, e de 88,8% para 92,4% para a região do Pacífico. Assim como o petróleo, a produção de gás natural no Oriente Médio deveria passar por um crescimento fenomenal, passando de 223 bilhões de metros cúbicos (Gm3) em 2000 para 524 Gm3 em 2020.
Um enorme ponto de interrogação coloca-se em relação aos investimentos colossais necessários para compensar o declínio natural da produtividade das jazidas e desenvolver novas capacidades de produção. Segundo diferentes estimativas, esses investimentos ultrapassariam 300 bilhões de dólares nos principais países do Oriente Médio e um trilhão de dólares nos principais países não-OPEP, no período 2001-2010. No momento, levando-se em conta principalmente as novas incertezas criadas pelos acontecimentos de 11 de setembro, nada indica que investimentos tão grandes possam, de fato, ser vislumbrados.
Preços e estabilidade política
As previsões energéticas mundiais concordam que o Oriente Médio continuará ainda por muito tempo como o deus ex maquina da indústria petrolífera
As dificuldades provêm menos das políticas adotadas pelos países exportadores em questão que do nível dos preços e da conjuntura política internacional. A revolução líbia de 1969, a revolução islâmica de 1979 no Irã e a guerra contra o Iraque em 1991 ilustram bem o fato de que, seja qual for o regime, esses países aspiram a desenvolver sua produção e suas exportações pela simples e boa razão de que necessitam aumentar sua receita com o petróleo e o gás. Além do fato de que devem se esforçar para evitar sanções, gozar da necessária estabilidade para atrair investimentos estrangeiros e manter os preços do petróleo num nível razoável. Mesmo a 25 dólares o barril, o preço do petróleo representa apenas 7,2 dólares em moeda de 1973 e menos da metade de seu patamar no início da década de 80.
Portanto, o verdadeiro problema não está nos recursos, mas nos preços e na estabilidade política do Oriente Médio, uma região que continuará sendo, queiramos ou não, o centro nevrálgico da indústria petrolífera mundial durante as próximas décadas.
(Trad.: Denise Lotito)
1 – O preço do do petróleo OPEP b