Por que consumir orgânicos?
A associação francesa Gerações Futuras divulgou no dia 20 de fevereiro um relatório sobre a presença de pesticidas nos produtos agrícolas: 73% das frutas e 41% dos legumes analisados nos últimos cinco anos estavam contaminados. Motivo para reforçar o interesse na agroecologia. Mas o que dizem os estudos sobre os benefícios desta para o meio ambiente?
A agricultura orgânica remete às práticas que procuram favorecer a preservação dos ecossistemas e a equidade na classe dos agricultores. É sobretudo a ausência de pesticidas sintéticos que reduz consideravelmente seu impacto no ambiente e na saúde. Fabricadas em laboratório, as moléculas que compõem os produtos fitossanitários acompanharam o aumento da produção agrícola em todo o planeta. Mas, após algumas décadas, aprofundou-se a consciência dos efeitos do emprego intensivo dos produtos químicos cada vez mais numerosos.
Exemplo: depois de vinte anos, registrou-se uma poluição generalizada das águas superficiais e subterrâneas por nitratos e substâncias fitossanitárias. Segundo os últimos dados das agências responsáveis pelo controle das águas, em 2014 87% dos rios vistoriados continham pelo menos um pesticida.1 As duas substâncias mais frequentemente encontradas são o Ampa, um metabólito do glifosato, e o próprio glifosato, o famoso herbicida classificado como provável cancerígeno pela Organização Mundial da Saúde. De 1994 a 2013, 39% das interrupções de captações de água potável se deveram à poluição por nitratos e pesticidas.2 Essa poluição e seu tratamento custariam entre 640 milhões e 1,140 bilhão de euros por ano.3 “Sabemos que mais vale prevenir que remediar”, diz Patricia Blanc, diretora-geral da agência de controle de águas Seine-Normandie. “Há vinte anos, nossas agências começaram a financiar projetos de mudança das práticas agrícolas, pois temos um verdadeiro problema de poluição das águas.”
A agricultura convencional também produz efeitos sobre a biodiversidade. “Todas as atividades caminham no mesmo sentido: a diminuição do número de espécies de insetos”, resume Axel Decourtye, diretor científico do Instituto Nacional de Pesquisa Agronômica (Inra, na sigla em francês). Em outubro de 2017, um novo estudo revelou uma perda de 76% a 82% da biomassa dos insetos em vinte anos, em diversas regiões da Alemanha.4 Quanto aos pássaros, a quantidade de espécies no ambiente agrícola caiu pela metade de 1989 a 2013.5 Não é fácil, é claro, determinar as causas exatas da diminuição da biodiversidade. A difusão de doenças, o desaparecimento de hábitats e o emprego de produtos fitossanitários são os principais motivos aventados. Todavia, segundo um artigo solidamente fundamentado, os pesticidas desempenham um papel decisivo no declínio dos insetos polinizadores.6
Em se tratando de hábitats, os agricultores orgânicos favorecem as pradarias com a rotação de culturas, a plantação de cercas-vivas e ainda as associações de plantas. “A diversificação é um elemento-chave da agroecologia”, confirma Natacha Sautereau, engenheira agrônoma e economista do Instituto Técnico de Agricultura Orgânica (Itab, na sigla em francês). Essas práticas aumentam o número de plantas, aracnídeos, minhocas, coleópteros, pássaros e até mamíferos. O aumento dos recursos alimentares disponíveis favorece também algumas espécies ditas auxiliares – morcegos, ouriços, répteis, certos insetos e ácaros –, que minimizam a pressão dos depredadores.
Identificar os efeitos dos pesticidas
Os solos são, com frequência, os grandes esquecidos quando observamos o impacto das atividades humanas. No entanto, o emprego excessivo de pesticidas, de nitrogênio e de fósforo não os poupa. Muito adubo os acidifica e provoca fenômenos de proliferação de algas, como as “marés verdes” da Bretanha. Os pesticidas sintéticos contaminam os solos e destroem a vida microbiana que ali se encontra. Já a agricultura orgânica favorece a cobertura dos solos, evitando a erosão. De maneira geral, os solos das fazendas agroecológicas têm quantidades maiores de matéria orgânica, estimadas em 37,4 toneladas de carbono orgânico por hectare, contra 26,7 na agricultura convencional.7 As grandes culturas orgânicas integram 64% de pradarias, contra 16% na agricultura convencional, mas também mais leguminosas nas rotações e uma melhor cobertura dos solos no inverno.8 O conjunto dessas práticas favorece o sequestro do carbono, o que pode contribuir para a contenção do aquecimento climático.
Avaliar sistemas agrícolas implica levar em conta seus efeitos sociais. Por exemplo, a diversificação dos produtos e dos métodos de venda na agricultura orgânica, com mais circuitos curtos, exige mais assalariados. Um relatório sobre os elementos secundários da agricultura orgânica revela que, em dois terços das plantações, ela gera muito mais empregos.9 Além disso, em diversas atividades que apresentam dificuldades financeiras aos agricultores, a passagem para a agricultura orgânica se torna uma alternativa viável, explicando por que, de 2005 a 2016, a superfície agrícola orgânica passou de 2% para 5,7% do total. Observamos isso na produção de leite, frutas e legumes. “De início, são as vicissitudes econômicas que provocam a mudança”, explica Marc Benoît, economista e diretor adjunto do Comitê Interno de Agricultura Orgânica do Inra. “Está em jogo aí a famosa compressão dos preços: o dos gêneros diminui, enquanto aumenta o da energia, dos adubos e dos fitossanitários. No caso do leite, os criadores percebem que o sistema orgânico é melhor, mais rentável.”
Estranhamente, esses elementos são raramente destacados. Fala-se mais nos que estão ligados à saúde. A agricultura orgânica produz efeitos nessa área? Para verificar, é necessário levar em conta as exposições diretas e indiretas aos produtos fitossanitários. Diferentemente dos agricultores e ribeirinhos, os consumidores não ficam em contato direto com esses produtos. No entanto, o efeito global do sistema de agricultura orgânica vai além do indivíduo, sendo interessante considerar o benefício para o conjunto da população. Notemos, num primeiro momento, que certos produtos da agricultura orgânica contêm, paradoxalmente, traços de pesticidas sintéticos: segundo um relatório de 2016, 45% dos produtos convencionais contêm pesticidas, mas também 12% dos provenientes da agricultura orgânica.10 Isso se deve, sobretudo, à contaminação pelas glebas vizinhas e durante o beneficiamento.
A exposição direta a diversos produtos fitossanitários causa inúmeros problemas de saúde (câncer, malformações etc.). Em 2013, num relatório produzido por diversos especialistas do Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica (Inserm, na sigla em francês), passou-se em revista a literatura científica referente aos efeitos dos pesticidas na saúde.11 “Observamos, em primeiro lugar, que os agricultores são menos sujeitos que o resto da população aos cânceres digestivos, do cólon e do reto, bem como aos ligados ao tabagismo, como o do pâncreas, da bexiga e das vias superiores. Isso depende, contudo, da idade e do tipo de trabalhador”, afirma Pierre Lebailly, professor da Universidade Caen-Normandia e pesquisador do Centro François Baclesse.
Em contrapartida, foram detectadas ligações entre o emprego de agentes sintéticos e o aumento do risco de desenvolver mal de Parkinson, linfomas não Hodgkin (LNH, cânceres do sistema linfático), mielomas múltiplos (cânceres do sangue) ou mal de Alzheimer. As pessoas que aplicam os pesticidas e os empregados que os produzem teriam de 12% a 28% de riscos suplementares de ter câncer de próstata, sem que seja possível associá-lo mais precisamente a determinada substância. No caso de mulheres expostas durante a gravidez, os estudos mostram a possibilidade de associação na presença, em crianças, de malformações congênitas ou leucemia. Entre as substâncias pesquisadas, o lindano, o DDT e a malationa são frequentemente associados ao desenvolvimento de linfomas não Hodgkin. Ao término de uma longa batalha, o mal de Parkinson e os linfomas não Hodgkin passaram a ser reconhecidos também como doenças profissionais.
Em seguida, outros estudos trouxeram novos elementos probatórios. O grupo Agrican, que atua desde 2006, tem por objetivo avaliar a incidência de câncer entre os agricultores num período de pelo menos dez anos. “Por enquanto, observamos um excesso de 5% a 30%, com relação ao resto da população, de linfomas não Hodgkin, de câncer de próstata e de câncer de pele, como o melanoma”, revela Pierre Lebailly. Vários estudos apontam para o inseticida clorpirifós, que, em caso de exposição durante o período pré-natal, pode acarretar problemas de desenvolvimento cerebral. “O que é certo hoje é que o DDT e o clorpirifós são perigosos para o desenvolvimento do cérebro. Entretanto, mais de uma centena de pesticidas poderiam afetar esse órgão. Precisamos de mais provas para afirmá-lo. Existem já várias pesquisas, mas registramos com frequência exposições mistas que complicam o isolamento de um pesticida”, insiste Philippe Grandjean, epidemiologista da Universidade do Sul da Dinamarca. Nathalie Jas, historiadora do Inra, sustenta que a realidade dos problemas de saúde ligados aos produtos fitossanitários está mascarada pela penúria de dados e por causa da má visibilidade das afecções e da dificuldade de associá-las a exposições a doses fracas. Ela nota também, na França, um desinteresse de mais de trinta anos por esses problemas, considerados “o preço a pagar pelos progressos técnicos da agricultura”.12
Desde os anos 1980, estudos vêm avaliando a qualidade dos alimentos produzidos pela agricultura orgânica. “Eles mostram que os orgânicos contêm uma quantidade maior de carotenoides, ácidos graxos e vitamina E”, diz Denis Lairon, diretor emérito de pesquisas do Inserm, especializado em nutrição. Em outubro de 2017, um deles sintetizou o conjunto dos progressos obtidos nessa área.13 “Nos resultados mais seguros, notamos uma diferença com relação aos polifenóis, existentes em maior quantidade nas frutas e nos legumes orgânicos, que além disso revelaram uma presença menor de cádmio [um metal tóxico]. Entretanto, os resultados não apresentam uma diferença muito grande”, contemporiza Axel Mie, um dos autores do artigo e pesquisador do Instituto Karolinska, na Suécia.
Menos risco de obesidade
Um ambicioso estudo epidemiológico foi publicado na França em 2011 pelo grupo NutriNet-Santé. Segundo os primeiros resultados, comer alimentos orgânicos reduziria em 23% o risco de excesso de peso e em 30% o de obesidade.14 “Notamos uma obesidade menor quando conseguimos separar os fatores ligados ao modo de vida. Chegamos mesmo a notar certa diferença entre pessoas que consomem uma alimentação equilibrada”, declara Emmanuelle Kesse-Guyot, epidemiologista do Inra encarregada desse estudo. Duas hipóteses são aventadas para explicar o fenômeno. Por um lado, a quantidade maior de ácidos graxos do tipo ômega 3 e de antioxidantes nos produtos orgânicos amenizaria a síndrome metabólica. Por outro, as pessoas consideradas adeptas de uma alimentação equilibrada consomem mais frutas e legumes; todavia, quando estes não são da agricultura orgânica, contêm numerosos produtos fitossanitários. Ora, muitos estudos constataram um vínculo entre a exposição aos pesticidas e um aumento de obesidade e diabetes de tipo 2.
Os problemas de saúde ligados aos produtos fitofarmacêuticos já têm uma longa história. “As primeiras substâncias químicas utilizadas na agricultura que suscitaram uma barulhenta controvérsia foram os arsenicais, lá pelo fim do século XX”, relata Nathalie Jas. O arsênico só foi suprimido definitivamente em 2001, após inúmeras restrições de uso. Do mesmo modo, com o tempo, várias substâncias foram eliminadas. Entre as mais conhecidas, temos a família dos organoclorados e alguns organofosforados. Para muita gente, essas supressões provam o bom funcionamento do sistema de regulação dos produtos sintéticos. Acontece, no entanto, que isso às vezes vem tarde demais e os produtos continuam produzindo efeitos bem depois de sua interdição: por exemplo, a clordecona nas Antilhas e a atrazina, proibida pela União Europeia em 2003, mas que ainda é encontrada na maior parte dos rios.
Longe de ensejar a descoberta de outras soluções além dos pesticidas, cada proibição abre caminho para o surgimento de novas substâncias apresentadas como menos perigosas. A toxicidade pode mudar, mas nem por isso é menor. “Proibiram-se as que se mantinham por muito tempo nos tecidos animais; as novas, porém, têm afinidade com a água e se acumulam ainda mais nos solos”, explica Axel Decourtye.
Sob pressão dos interesses financeiros, a máquina administrativa e sanitária que gerencia os riscos associados aos pesticidas parece um pouco enferrujada, ainda que o acúmulo de dados científicos devesse conduzir a uma adoção bem mais rápida de modos de produção mais sustentáveis.
*Claire Lecoeuvre é jornalista.