“Por que o ódio e não o amor?”
Relembrar a execução de DJ Lah é luto e luta contra a violência policial
Laércio Grimas (o DJ Lah, do Conexão do Morro) foi uma das sete vítimas fatais da primeira chacina de 2013 (04.01 – 12 anos atrás); outras duas ficaram feridas. O local da ocorrência poderia até servir para um novo clipe de Click, Clack, Bang: Rua Reverendo Peixoto da Silva, 75, Jardim Rosana (Distrito Campo Limpo), Zona Sul, São Paulo-SP – Lah residia nessa via, próximo do Morro do Piolho, onde o grupo surgiu.
Cometido por 14 policiais, segundo testemunhas, o crime foi uma retaliação à prisão de cinco agentes responsáveis pela execução de um morador da mesma rua dois meses antes, em novembro de 2012. As imagens desse assassinato, exibidas pelo Fantástico e gravadas por um vizinho (que foi colocado sob o programa de proteção a testemunhas), serviram para que a justiça indiciasse o quinteto.
Apesar da repercussão, apenas um dos militares envolvidos no extermínio de 2013 foi condenado: Gilberto Eric Rodrigues, sentenciado a 125 anos em 2023, ou seja, dez anos depois. Isso prova que, no Brasil, a justiça, quando não falha, tarda — especialmente para os mais pobres.
O luto e a luta contra a letalidade policial no país (como a de 2013) foram reavivadas por meio do Decreto N.° 12.341, de 23 de dezembro de 2024, assinado por Lula; dividindo opiniões em críticas por reproduzir, em grande parte, as leis sobre o tema nos estados ou elogios acerca do “Comitê Nacional de Monitoramento do Uso da Força – CNMUDF” (a ser instituído).
A atualização da legislação sobre o uso da força é uma resposta à sociedade ao aumento da letalidade policial brasileira, que mata mais do que as de 15 países do G20 somados; “proporcionalmente, 36 vezes mais do que de outras nações”.
A curto prazo, é preciso combater a impunidade! A eficácia dessa medida pode mudar a conjuntura; porém, não resolve, efetivamente, o problema — que é estrutural — do culto à violência (espólio da ditadura recente e, por conseguinte, da escravidão). Para mudar a médio e longo prazos, é imprescindível investir em educação, de modo que quem venha a ser incumbido do uso da força também seja formado pelo conhecimento e pelas emoções.
Urge aprimorar, efetivamente, a formação (inicial e continuada) das polícias de todas as esferas no que se refere à diversidade. É preciso eliminar as aprendizagens subliminares que ensinam que ‘pau que bate em Chico não bate em Francisco’ ou ‘abordagem nos Jardins tem de ser diferente da periferia’ (como apregoou o ex-comandante da Rota e atual vice-prefeito de São Paulo, Ricardo Augusto Nascimento de Mello Araújo).
Do meu lugar de fala, como professor e morador da periferia, ressalto a importância da inserção da diversidade nos currículos da educação básica (especialmente nos últimos 40 anos – com destaque especial ao Hip-Hop, aos saraus, aos SLAMs), que empoderou os excluídos no combate aos preconceitos e contra as opressões econômicas, sociais e policiais.
Dessa maneira, com mais instrução, a indignação de quem tem o celular furtado na periferia ou seja incomodado pelo fluxo na praça (e tem de se indignar mesmo, diga-se de passagem), volta-se também para quem tem o privilégio de, por canetadas, desviar dinheiro público e debochar da população, sob a proteção da mesma polícia que protege os de lá e bate nos de cá (quando não extermina).
Dentro de um sistema complexo de relações de poder e de corrupção, reconheço que, isoladamente, a alteração pedagógica das polícias não resolve o problema (valorização salarial e saúde mental, entre outras, são imperativas). Todavia, educar para o respeito às diversidades é um passo importantíssimo para a resolução da violência policial, um mal que tem de ser extirpado, assim como outras mazelas deste país.
Como lição de casa, pega a visão de um grafite, em uma escola do meu bairro: “mais livros, menos armas [por favor]”! Assim, mais preparado, quem sabe, 12 anos depois da morte de DJ Lah, a gente possa dar uma resposta plausível à pergunta viva de seu grupo de RAP: “Por que o ódio [e a ignorância] e não o amor [e a razão]?”
Fábio Roberto Ferreira Barreto é professor da educação básica e mestre em literatura pela USP.