Por uma imaginação radical
O ideal democrático está sob a ameaça do capitalismo. Hoje em dia, a criatividade política parece estagnada. É como se o imaginário constituído pelo capitalismo tivesse conseguido bloquear, de forma permanente, a imaginação criadora da radicalidadeRobert Redeker
O filósofo Cornelius Castoriadis pensou a imaginação uma faculdade política. O livro Figures du pensable, último volume dos “Carrefours du labyrinthe”, permite apreender a unidade e a originalidade do pensamento do autor através das distintas áreas em que ele se distribui: a poética, a economia, a política, a psicanálise e a lógica.
Fundamentalmente política, a filosofia de Castoriadis é uma teoria da imaginação: a imaginação radical é o que diferencia o homem dos outros animais, a tal ponto que “os seres humanos se definem, antes de mais nada, não por serem racionais, mas por serem providos de uma imaginação radical”. A imaginação situa-se na raiz de tudo o que é humano: as sociedades, as instituições, as normas políticas e morais, a filosofia, as obras estéticas.
Uma autêntica “ruptura histórica”
Uma grande idéia está por trás dessa radicalidade da imaginação: os homens e as sociedades são auto-criações. A maioria das civilizações são heterônomas, disfarçando essa auto-gestação. Algumas delas ousaram ser autônomas. Foi na antiga Grécia que, pela primeira vez, os homens (análises sublimes sobre Sófocles o exemplificam) descobriram a origem singelamente humana das grandes idéias (imaginárias) que estruturam a vida social; desse achado, uma autêntica “ruptura histórica”, nasceram a política (“o questionamento das instituições existentes e sua mudança para uma atuação coletiva deliberada”) e a filosofia (“o questionamento das representações e significados instituídos e sua mudança para a atividade reflexiva do pensamento”). A democracia é a possibilidade que se abre através dessa ruptura; mas — tendo que inventar suas próprias leis (e limites) em causa própria — é um regime trágico, ameaçado pelo constante re-questionamento de suas instituições. A Europa pós-medieval retomou a descoberta grega da autonomia.
A “privatização do indivíduo”
O ideal democrático está sob a ameaça do capitalismo. Hoje em dia, a criatividade política parece estagnada. É como se o imaginário constituído pelo capitalismo tivesse conseguido bloquear, de forma permanente, a imaginação criadora da radicalidade. Esse extraordinário livro sugere um enigma: encontraria o homem do início do século XXI os recursos para se emancipar do capitalismo, retomando o caminho da autonomia, ou continuaria ele atolado no “conformismo generalizado” que é caracterizado na nossa era pela “privatização do indivíduo”? Iremos assistir a um novo despertar dessa faculdade política que é a imaginação?
Cornelius Castoriadis, Figures du pensable , ed.