Por uma terceira idade ativa
No momento em que a expectativa de vida atinge oito décadas, os 50 anos tornam-se o momento-chave para a preparação da passagem da vida profissional à terceira idade ativa. No entanto, os quinquagenários são insuportavelmente maltratados pela gestão de “recursos humanos” em nome da lucratividade
A literatura sobre os idosos é extremamente abundante, porém de maneira geral diz quase sempre as mesmas coisas, com destaque para dois aspectos: em primeiro lugar, fala-se que o rápido aumento da expectativa média de vida (cerca de um trimestre a mais por ano) em países como a França não poderá ser suportado pela população economicamente ativa, o que obrigaria a uma revisão urgente das normas de sistemas de aposentadoria; em segundo, que não se trata apenas de viver mais, e sim cada vez melhor. Daí ganha foco a questão, mais individual do que social, do “envelhecer bem”. Se em relação ao primeiro caso já existem muitas propostas alternativas1, o segundo ainda não é devidamente abordado, considerando a crítica de fundo que suscita.
“Envelhecer bem” tornou-se assunto pessoal de teor médico-psicológico, cujo fundamento é a aceitação de um inexorável declínio. “Aprenda a envelhecer bem”, diz, por exemplo, o título da revista Psychologies2, que traz ainda seis dicas de como chegar na terceira idade “em forma”:
1) cuide do corpo (coma melhor, não fume, faça um pouco de exercício);
2) mantenha a boa aparência (com ótimas tecnologias anti-idade, de massagem a medicina estética);
3) leia os filósofos (Sêneca, Montaigne, Bergson: filosofar ajuda a aprender a morrer);
4) atravesse a menopausa sem crises (“uma vez liberada da maternidade, alimente sua sexualidade”);
5) comece a fazer terapia (“nunca é tarde para começar a frequentar um psicanalista”);
6) inspire-se em pessoas mais velhas (mantenha uma rede de relações como as dos centenários de Okinawa, no Japão).
Essa inquietante visão individualista do problema salta aos olhos. Nem sequer são mencionadas atividades sociais como transmissão de saberes e experiência profissional, novos aprendizados, participações voluntárias múltiplas na esfera pública, busca de atividades criativas. Segundo essa “pedagogia”, o idoso será sempre visto como um inativo, concepção paradoxalmente cheia de ameaças àqueles a quem ela pretende “ajudar”. De um lado, esse conceito de velhice condena o indivíduo a manter-se em seu espaço privado, ao que se poderia chamar, inversamente, de “envelhecer mal”; de outro, alimenta a ideia cínica de que a terceira idade é um conjunto de “bocas inúteis” para a coletividade e que deveriam, pouco a pouco, pagarem elas mesmas sua aposentadoria.
Tal visão, embora muito contestável, escapa à crítica radical porque parece fundada em uma evidência: a de que, com a idade, a mente necessariamente envelhece junto com o corpo. À “curva biológica da vida” – crescimento, estagnação, declínio – corresponderia uma curva psicológica que nos condena a envelhecer diminuídos, e por isso aposentados de atividades sociais3. Em seu trabalho sobre o sujeito, Simone de Beauvoir cultivava em larga medida essa visão pseudomaterialista4. Se por um lado Beauvoir era fascinada por exemplos surpreendentes de longevidade – de Bernard Le Bovier de Fontenelle a Leon Tolstói, de Johann Wolfgang von Goethe a Giuseppe Verdi, que renovou sua arte aos 80 anos com Falstaff –, por outro tratava-os como “exceções mal explicadas” do que ela define como lei da natureza.
Receitas anti-idade
Ora, se nos detivermos com atenção5, compreenderemos aquilo que nos dá a entender a obra do psicólogo Alexis Leontiev: a personalidade sociobiográfica representa nada mais que a duplicação da individualidade biopsíquica. Se essa individualidade é em grande parte regida por elementos de nascença ou da infância, a personalidade é uma construção tardia na qual as lógicas sociais, inseridas numa biografia singular, desempenham papel fundamental, garantindo ao sujeito uma autonomia mais ou menos profunda.
A individualidade pode ser brevemente definida como um conjunto estável de características, enquanto a personalidade seria um “currículo público”. Dessa forma, o envelhecimento das funções psíquicas elementares, se não acompanhado de elementos de invalidação (como impotência, dependência, amnésia etc.), afetaria muito indiretamente a dinâmica pessoal. Envelhecer pode ter muitos sentidos: podemos estar em bom estado psicomotor e ainda assim assumir uma vida senil, ou, ao contrário, manter uma vida ativa apesar de eventuais problemas físicos. Ludwig van Beethoven estava totalmente surdo quando compôs sua sonata nº 14, a melhor segundo seu julgamento. A compreensão do conceito de personalidade sociobiográfica precisa ser muito rasa para aceitar a ideia de que “envelhecer bem” se resolve com algumas receitas “anti-idade”.
Essa consideração nos leva ao núcleo da questão do que é uma vida. Um exemplo entre tantos outros: o sociólogo francês Lucien Lévy-Bruhl (1857-1939) tornou-se célebre entre as duas grandes guerras por sua teoria da “mentalidade pré-lógica”, segundo a qual os “povos primitivos” não seriam capazes de pensar racionalmente, teoria largamente retomada apesar das críticas. Entretanto, em seus cadernos, redigidos entre 1938 e 1939, às vésperas de sua morte – ele já havia passado, então, dos 80 anos –, Lévy-Bruhl se volta com extraordinário vigor autocrítico sobre a tese que lhe conferiu notoriedade mundial, e escreve com clareza: “Equivoquei-me…6”. Tal afirmação levou-o a esboçar todo um programa de novas pesquisas a serem empreendidas.
A leitura desses cadernos desqualifica a pretensa fatalidade do atrofiamento intelectual e da teimosia senil que, se por um lado conta com numerosos exemplos, por outro não constitui uma lei. Como explicar a longevidade intelectual de Lévy-Bruhl? Em poucas palavras: para ele o segredo é que sempre renovou suas atividades, conhecimentos e interesses – da filosofia alemã à sociologia moral e à etnologia de “povos primitivos” –, durante toda sua vida; e, junto a tudo isso, dedicou-se a estudar os críticos de sua obra. Esse homem faleceu em plena vitalidade do pensamento.
Estudar de maneira um pouco mais detalhada a biografia dessas pessoas cuja longevidade criativa nos surpreende pode revelar, logo de início, uma formação de alto nível, renovação sempre cheia de motivações, capacidades e atividades, além da progressiva conquista de autonomia em relação ao mundo e a si mesmo. Em idade avançada, se escaparem de enfermidades graves e muito limitantes, esses indivíduos terão garantidos o dinamismo do espírito. Envelhecer bem é o caminho lógico decorrente de toda uma vida nesse sentido.
De forma geral, portanto, medimos os estragos da concepção biologizante do ser humano adjacente à ideologia liberal – a do homo economicus, animal geneticamente programado para ser uma calculadora individualista –, enquanto os traços de uma personalidade (da linguagem à inteligência crítica, dos saberes à consciência moral) têm sua origem não no genoma, mas nas relações sociais construídas e apropriadas de uma maneira particular ao longo da vida.
Os sujeitos em questão parecem estar, pois, deturpados pelo vocabulário dominante. São designados como “idosos”, “pessoas de idade”, “mais velhos”, ou simplesmente “velhos”. Assim são tratadas 13 milhões de pessoas na França, como uma simples categoria demográfica. Naturaliza-se de antemão um problema sociobiográfico e incentiva-se um pensamento discriminatório em termos ideológicos, enquanto a questão se trata de organizar socialmente (e não individualmente) o futuro dos “aposentados” e discutir qual é, de fato, o lugar que são impelidos a ocupar na sociedade.
Longevidade das carreiras
Passar do preconceito à crítica implica – para além da biomedicina, cuja importância primordial não está em questão – interessar-se pelas instâncias sociais que regem a lógica biográfica, principalmente pela política das empresas capitalistas no que se refere a “recursos humanos”. Extraordinário paradoxo: enquanto, desde a década de 1970, a expectativa média de vida na França cresceu dez anos, a longevidade das carreiras diminuiu 12 anos7. Na maior parte das empresas francesas, funcionários são considerados velhos a partir do 40 anos: “O mundo das empresas faz dos assalariados de mais de 45 anos idosos prematuros, privando-os notadamente do direito à formação”, observa Serge Guérin8. Aos poucos, os meios empresariais se livram desses “senhores” por meio de um conjunto de ferramentas que vão desde a aposentadoria precoce até a licença. “Na França, o índice de atividade entre 55 e 64 anos (38,3%) é um dos mais baixos da Europa9”. Para milhares de quinquagenários, o fim da vida profissional transforma-se em pesadelo e a aposentadoria ganha uma conotação fortemente negativa.
A importância desse drama social e humano é levada em conta? No momento em que a expectativa de vida em bom estado atinge e ultrapassa os 80 anos de idade, os 50 anos tornam-se mais do que nunca a idade-chave para a preparação da passagem da vida profissional à terceira idade ativa que deve ser a “aposentadoria” – com a condição de que essa nova fase permita às pessoas se lançarem a outras atividades e competências humanamente dignas. No entanto, os quinquagenários são insuportavelmente maltratados diante de nossos olhos pela gestão de “recursos humanos” em nome da lucratividade.
Muitos se deram conta recentemente, com a série de suicídios na empresa France Telecom, do suplício que pode ser esse “gerenciamento pelo terror”. Porém, não basta apenas colocar em exame a ditadura que exerce a lucratividade, é preciso também ampliar o campo de visão para o conjunto de suposições que regem a vida, desde o acesso ao trabalho até a aposentadoria.
A crise atual não é apenas financeira, econômica, social, ecológica, mas também antropológica. O gênero humano é ameaçado em seus valores e existência civilizada pela implacável lógica que faz tanto da atividade mental quanto física uma mercadoria rentável ou descartável. Na França de amanhã serão contabilizados mais de 20 milhões de aposentados. Em que estado eles se encontrarão se, em massa, esperarem anos por um emprego decente, e em seguida se depararem com uma vida de trabalho mais ou menos alienada, cujo caminho leva à meia-idade, que terminará numa aposentadoria imposta e pressionada pela exploração dos “idosos” como um nicho de mercado? A degradação acelerada de vidas seria menos grave que o derretimento das calotas polares, e não nos ameaça como uma catástrofe de grandes proporções?
Novos interesses
A longevidade criativa de pessoas célebres não significa uma exceção biológica. Indica, antes, o que pode se tornar a regra sob a condição, como dizia Marx, da sociedade “formar as circunstâncias humanamente” para todos10. Isso implica emancipar todas as sucessões de idade sociais: oferecer a cada um formação inicial de alto nível, acabar com o desemprego dos jovens, desalienar o trabalho, garantir a segurança continuada do emprego e do estudo. Ao mesmo tempo, é preciso passar da ideia de tempo livre pouco compensador a uma vida sem trabalho formativa e repleta de novos interesses, além de incentivar ao máximo a preparação dos quinquagenários para o período pós-profissional. Em outras palavras, trata-se da necessidade de abrir, em grande perspectiva, essas dezenas de anos pela frente – subtraídas da vida dessas pessoas por um sistema de aposentadoria submetido à lógica exploradora do mercado – e revalorizá-las a partir de uma distribuição de renda mais justa e indexada aos salários. A França de 2040 seria, dessa forma, o oposto de um “país velho”.
Para mudar a vida da maioria da população, daqueles e daquelas que produzem a riqueza apropriada por uma minoria, é preciso inventar um verdadeiro “envelhecer bem”, gerador de um novo bem-estar humano, de eficácia social superior. Os progressos da biomedicina induziram a uma revolução demográfica com o aumento da expectativa de vida, mas sob a ameaça de estarmos construindo um “envelhecer mal”. É preciso, portanto, engajar-se de maneira pacífica, porém combativa, em uma verdadeira revolução sociobiográfica.
*Lucien Sève é filósofo, autor de Penser avec Marx aujourd’hui. Tome 2: L’Homme, La Dispute, Paris, 2008.