Prática ancestral promete soluções para mitigar as mudanças climáticas
Exemplos no Brasil evidenciam como as agroflorestas produzem alimentos, madeira e óleos, além de restaurar áreas degradadas e regenerar ecossistemas, unindo conservação e produção agrícola
Agroflorestas são sistemas produtivos utilizados há milhares de anos. Ainda hoje, diversas culturas o fazem ao redor do mundo. O assunto vem ganhando relevância decisiva para a vida no planeta, até mesmo para recuperar o Rio Grande do Sul da maior tragédia de sua história.
A prática já vem demonstrando importantes resultados como solução para combater os efeitos das mudanças climáticas. A seca do ano passado na Amazônia é um dos exemplos. A maior seca dos últimos 120 anos, causada pelos efeitos do fenômeno El Niño e das mudanças climáticas globais, resultou em grande prejuízo para as indústrias e para o sustento das populações locais, com maior número de queimadas e altas temperaturas, além da falta de água potável e danos à biodiversidade. Os riscos à qualidade de vida, inclusive em serviços básicos como a saúde e a educação, acenderam o sinal de alerta para a urgência na adaptação aos impactos do aquecimento global já em curso.
Com apoio do Idesam, foram plantadas, em março, após o início das chuvas, um total de 6 mil mudas de 19 espécies nativas, em Sistema Agroflorestal (SAF), visando gerar oportunidade de renda ao instalar sistemas produtivos custeados por recursos de compensação de emissões. O modelo combina árvores de diferentes características e finalidades no sentido de manter o equilíbrio ecológico, a produção de alimentos e a extração sustentável de produtos florestais, óleos, frutos e resinas, vendidos para o sustento das famílias. Outros exemplos são o Café Apuí Agroflorestal, além de produtos fornecidos pelos SAFs na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Uatumã, como óleo de copaíba, breu-branco, entre outros. Esses produtos são comprados por indústrias a partir da empresa de base comunitária Inatú.
Segundo a ciência, as Soluções Baseadas na Natureza (SbN) – entre as quais, a restauração das florestas – podem entregar cerca de 30% da redução de gases de efeito estufa necessária à segurança climática do planeta. O tema ganha evidência na Década da Restauração de Ecossistemas da ONU, com efeitos também na redução da perda de biodiversidade e de serviços da natureza, como a provisão de água limpa e solos em boas condições ao cultivo de alimentos. O Idesam é ator oficial da iniciativa mundial no Brasil.

Crédito: Lucas Ninno / Diálogo Chino
Análise do Instituto Escolhas detectou que recuperar 1,02 milhão de hectares de áreas desmatadas com Sistemas Agroflorestais pode produzir 156 milhões de toneladas de alimentos e ainda remover 482,8 milhões de toneladas de CO2 da atmosfera.
Outro exemplo, no Rio de Grande do Sul, instituições de ensino, de ciência e tecnologia, entidades de classe, espaços colegiados, redes, movimentos, movimentos agroecológicos e de Povos e comunidades tradicionais se reuniram para pedir que os planos de reconstrução do Rio Grande do Sul levem em consideração as dinâmicas naturais na hora de definir a ocupação e o uso do solo, optando por manejos regenerativos agroflorestais e outras soluções baseadas na natureza.
Em sua carta, o movimento destaca que precisamos adotar estratégias que considerem uma reestruturação na ocupação territorial, com a implementação de sistemas produtivos resilientes, capazes de se adaptar às condições climáticas adversas e que contribuam para a sustentabilidade a longo prazo. Soluções baseadas na natureza, entre elas os sistemas agroflorestais, são fundamentais para mitigar os efeitos das enchentes e outras calamidades climáticas. Principalmente, em áreas vulneráveis onde são necessárias ações emergenciais.
Seja na Amazônia, no Sul, ou em qualquer lugar do Brasil, as populações locais e ancestrais possuem o conhecimento necessário para aplicar essas soluções. Assim, é possível viver com a existência de novas políticas públicas que contribuam para desenvolver condições de moradia para que continuem cumprindo o papel de guardiões de seus ecossistemas.
Paola Pacheco Bleicker é Bióloga com ênfase em ecologia, especialista em Turismo e Desenvolvimento Local pela UEA e diretora Executiva do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (IDESAM).