Precisamos entender que o câncer tem gênero!
Além de toda violência de gênero experimentada atualmente, durante o tratamento contra o câncer, 70% das mulheres são abandonadas
Meu nome é Daniela Louzada, há dois anos e meio me trato no Instituto do Câncer de São Paulo (Icesp).
Meu primeiro contato com o câncer foi em março de 2014, quando meu pai de 68 anos foi diagnosticado com câncer de pulmão em nível avançado e passou sete meses internado no Icesp em minha companhia. Como única filha mulher fiquei como responsável pelo tratamento dele.
Desde então, um novo mundo se abriu para mim. Eu já sabia que no Brasil nós mulheres somávamos 51% da população, o que eu não percebia era como nossa saúde era negligenciada. Os direitos da saúde da mulher têm menos de trinta anos. É tudo muito recente quando se fala de mulher.
É muito comum ver nos hospitais sempre uma mulher acompanhando outra mulher, um parente próximo, seu filho ou pai. Sem generalizar, mas os hospitais estão cheios de mulheres, até mesmo quando elas são as pacientes.
Quando recortamos o câncer no universo das enfermidades do Brasil, isso toma uma outra proporção. Estudos apontam que os tratamentos provocam uma série de consequências físicas e emocionais nas pacientes. Elas passam por uma reestruturação e elaboram mecanismos para “cuidarem de si”, mas também padecem com a falta de políticas públicas voltadas para as suas especificidades.
Os números impressionam. Só em 2020 mais de 316 mil mulheres receberam o diagnóstico de que estão com câncer. E tudo pode influenciar o aparecimento da doença, desde fatores genéticos até os fatores socioeconômicos e ambientais, além de variados hábitos de vida.
![câncer](https://diplomatique.org.br/wp-content/uploads/2021/08/pexels-michelle-leman-6798755-scaled-e1630433212283.jpg)
Portanto, não estamos aqui falando de casos isolados e sim de um problema de saúde pública que necessita de atenção das autoridades, gestores de saúde e principalmente da sociedade.
Ao mesmo tempo que a medicina avança com pesquisas que podem combater alguns tipos de câncer, os tratamentos ainda são muito agressivos, debilitando o organismo, aumentando a ansiedade e trazendo à tona diversos problemas que a sociedade não quer olhar, alimentando um ciclo de violências sofridas apenas pelas mulheres. Além de toda violência de gênero experimentada atualmente – para citar só um dado, o Brasil é o quinto país do mundo com a maior taxa de feminicídio –, durante o tratamento contra o câncer, 70% das mulheres são abandonadas pelo marido.
Muitas mulheres acabam precisando parar de trabalhar para seguir com o tratamento. Muitas delas são arrimo de família e, nesse momento, quem cuida de suas famílias? Quem cuida dessas mulheres? Este não seria o papel do Estado?
Fazendo um trabalho de campo nos corredores do Icesp e conversando com mulheres de classe popular (mães que precisaram parar de trabalhar para cuidar de seus entes queridos ou porque estavam em tratamento), elas me contaram que entendem que precisam de seus corpos saudáveis para trabalhar. As que estão em tratamento, relacionam o processo de adoecimento com a perda de qualidade corporal para o trabalho. Isso marca seus corpos e as relações sociais que elas mantêm com o mundo.
Para estas mulheres, o corpo é instrumentalizado para a produção, para a manutenção da subsistência; afinal, elas são integrantes da classe trabalhadora urbana, que fazem do uso da força física sua forma de sobrevivência. Por esse motivo, a saúde é tão valorizada por estas mulheres.
O capitalismo parece nutrir grande apreço pelo empenho e compromisso das trabalhadoras com o trabalho, mas não reconhece que no momento mais frágil de suas vidas deve haver reciprocidade. Precisamos pensar sobre isso e intervir politicamente em busca de um mundo mais justo.
Por isso que se faz tão importante que tenhamos políticos comprometidos e políticas públicas que sejam voltadas para a saúde e bem-estar da mulher. Que os gestores hospitalares pensem em ambientes que possam acolher estas mulheres, sendo elas mães ou não. Definitivamente a mulher é quem cuida, e ela precisa ser cuidada. No câncer isto é evidente.
Daniela Louzada, 44 anos, portadora de câncer cerebral, até o momento incurável, paciente paliativa, hoje sobrevive da ajuda de campanhas como a da vakinha vaka.me/2357764. Influenciadora Digital do Canal Terminal – www.youtube.com/terminaloficial, voltado para pessoas que têm ou que cuidam de quem tem câncer.