Rosa Luxemburgo (1871-1919), filósofa alemã, previu uma crise final do capitalismo porque ele corroeria a si mesmo pela derrocada da capacidade aquisitiva dos trabalhadores. Isso faria cair a mais-valia pela baixa do consumo em massa da classe trabalhadora.
Para suprir essa falta de mercado consumidor, a classe capitalista teria que expandir seus negócios para além do mercado operário. E, efetivamente, o faz, com o camponês, com os capitalistas de outros setores e com povos nada ou pouco industrializados.
Essa tese, entretanto, sem ser completamente refutada, foi contestada por Lênin (1870-1924), como mostrou o filósofo social francês Henri Lefebvre (1901-1991). Ele ponderou que o capitalismo, antes de uma grande crise final, estaria sujeito a crises cíclicas menores, posto que poderia haver, antes de uma baixa de consumo, uma superprodução de bens e serviços. E essa, mais do que a perda da capacidade de consumo das pessoas, levaria a uma exaustão das compras gerais e, portanto, da própria formação da mais-valia (Lefebvre).
De algum modo complementar, ambos podem estar certos, embora a crise final prevista por Rosa Luxemburgo não tenha chegado até hoje, mas as crises cíclicas previstas por Lênin, sim. Enfim, o tempo dirá.

Gentrificação
O geógrafo britânico David Harvey identifica uma crise geográfica urbana para o sistema capitalista (bolhas imobiliárias, como a gentrificação). Isso gera especulação com o preço das terras urbanas, a cidade fica mais cara, menos acessível e, portanto, nada democrática.
As populações pobres são expulsas das cidades ou passam a viver em periferias, onde são ser controladas pelo aparato policial. Ou seja, afirma Harvey, o direito das pessoas às cidades foi subtraído, tanto pela especulação privada quanto por ações governamentais, como desapropriações para a construção, por exemplo, de equipamentos olímpicos.
A disputa pela hegemonia dos espaços urbanos aumenta. Essa é uma das formas mais eficazes para re-aplicar o excedente de capital, segundo Lefebvre, (2001).
Cidade-mercadoria
Eventualmente, em curtos períodos onde o capital abunda, há empreendimentos para as camadas mais pobres, para manter a supremacia do projeto de cidade-mercadoria de que falava Lefebvre, mas um dos problemas é que, se a economia retrai, os juros, antes baixos, sobem, a inflação recrudesce e os pobres e a classe média pagam ainda mais, chegando, até mesmo, a perder suas casas.
A propriedade, conceitualmente, na sua forma capitalista, para pensadores como Proudhon, é um roubo. As hipotecas norte-americanas, com a crise de solvência do setor bancário de 2008, foram executadas, o que fez da crise das subprimes não apenas um problema financeiro, mas também e, talvez sobretudo, de projeto habitacional e, portanto, de projeto de cidade, de espaço urbano, conclui Harvey.
Bancos são salvos com dinheiro público quando o governo compra as hipotecas para garantir a solvência dos bancos e não a habitação para as pessoas.
Dinheiro no exterior
Havia até 2017, no exterior, de dinheiro de brasileiros, segundo dados do governo federal, US$498 bilhões em paraísos fiscais e isso nas mãos de apenas 41.106 brasileiros. Isso deu, grosso modo, quase R$2 trilhões (ao câmbio médio de setembro e outubro de 2018). Ou, em outras palavras, 25% mais do PIB brasileiro de 2017, que foi de R$1.5 trilhão.
Enquanto isso, as cinco famílias que dirigem os quatro maiores bancos privados lucraram, no primeiro semestre, mais de R$30 bilhões, o mesmo que receberam as 39 milhões de famílias beneficiadas, direta ou indiretamente, pelo Bolsa Família.
Se tomarmos uma família padrão, de quatro pessoas, as cinco famílias, ou 20 pessoas ganham em seis meses, o mesmo que 156 milhões de pessoas ganharam em 1 ano. Enquanto isso, o Brasil tem uma PEA (População Economicamente Ativa) de mais ou menos 100 milhões e dois terços, 66 milhões, ou estão desempregados (14 milhões) ou subempregados, na economia informal (52 milhões). Os privilegiados aqui mencionados compõem as classes média e alta dos centros urbanos brasileiros.
Mudança com participação social
Não há mais como ignorar tais fatos e situações. Urge mudarmos o sistema político no Brasil, para podermos nos reconstruir como o país de todos, pois foi este mesmo sistema político que não levou a esse estado lamentável de realidade social. Nada indica, até o presente momento, que já atingimos os mecanismos que farão esta tão necessária mudança. E sem participação popular, real e efetiva, com respeito pela diversidade que temos, nada mudará.
Países como Coréia do Sul e os Escandinavos (Finlândia, Suécia e Dinamarca), eram pobres até um pouco depois da II Guerra Mundial. Em menos de uma geração, ou seja, em menos de 30 anos, deram um salto de qualidade de vida e hoje possuem os melhores Indicadores de Desenvolvimento Humano (IDH) do planeta. É difícil, mas não é impossível.
Carlos Fernando Galvão é geógrafo e pós doutor em Geografia Humana