Produção social de moradias
O Pacote de Habitação, como tem sido chamado, prevê isenção de IPI (hoje, em 5%) para cimento, azulejos, louças sanitárias, vidros e telhas; e convoca os governos estaduais a isentarem de ICMS esses produtos.
Harry Hopkins foi o braço direito do presidente Roosevelt durante a crise de 1929 nos Estados Unidos. Ele foi o idealizador das políticas de assistência aos desempregados e às populações empobrecidas com a crise. Depois de um período inicial de distribuição de cestas de alimentos, Hopkins verificou que a grande demanda, associada à autoestima e à dignidade dos cidadãos, era por trabalho. A partir daí as políticas de assistência passam a contratar as pessoas para realizarem o que sabem fazer. O trabalho, mais que uma dimensão produtiva, assume uma função social.
Organizados em frentes de trabalho, os desempregados construíram e reformaram escolas, pavimentaram estradas, realizaram obras de saneamento básico, entre outras. Todas obras de interesse público. O “New Deal” (Novo Pacto) propunha também a construção de casas populares e programas de locação social, a preços subsidiados, para famílias de baixa renda. Para instituições locais, que assumiam o trabalho de urbanização de favelas e construção de casas populares, o governo oferecia financiamentos de longo prazo1.
Não estamos vivendo no Brasil uma crise dessa magnitude, mas temos um expressivo aumento do desemprego e um deficit habitacional acumulado pela ausência de políticas nessa área. Como durante o “New Deal”, o governo brasileiro precisa ter agilidade para responder a essas novas situações. Dinamizar políticas que melhorem a qualidade de vida e criar novas oportunidades de trabalho, principalmente para os jovens que têm baixa escolaridade.
O anunciado programa de construção de um milhão de moradias em dois anos pode ser uma grande oportunidade. É preciso ousadia e capacidade de inovação para adotar novas políticas que rompam com os paradigmas clássicos de convocar a indústria da construção para realizar essa tarefa e, ao menos em parte, transformá-la num grande mutirão popular. Trabalho remunerado, com assistência técnica2 e formação profissionalizante, para construir casas populares, as suas casas.
As informações disponíveis até agora indicam as empreiteiras como as futuras executoras desse programa de moradia popular. E a discussão em torno do valor do imóvel e do subsídio governamental para os setores de renda mais baixa revela que as moradias continuam sendo tratadas dentro de uma lógica que garante a rentabilidade das empresas e, com isso, eleva o preço dos imóveis projetados.
O Pacote de Habitação, como tem sido chamado, prevê isenção de IPI (hoje, em 5%) para cimento, azulejos, louças sanitárias, vidros e telhas; e convoca os governos estaduais a isentarem de ICMS esses produtos. Para as famílias com renda mensal até R$ 1.800 fica dispensada a exigência de avalista e fiador na compra de materiais de construção, garantidos por um fundo de um bilhão de reais do FGTS.
O Pacote também prevê a redução dos juros dos financiamentos habitacionais pelo FGTS. As construtoras que acessarem esses recursos para a construção de moradias populares terão, garantido pelo governo, uma espécie de seguro contra a inadimplência, com outro fundo de um bilhão de reais. Ponto polêmico, que encontra resistências, é a utilização de terrenos da União, Estados e Municípios, para baratear os custos de produção.
Para cada faixa de renda há uma proposta. As famílias com renda mensal até R$ 4.900 poderão aumentar o prazo de financiamento de vinte para 30 anos, sem precisar dar os 20% de entrada. Para famílias com renda de R$ 1.200 a R$ 2.200 o governo federal pretende comprar imóveis de grandes construtoras (cujos preços estimados estão entre R$ 50 mil e R$ 60 mil) e refinanciá-los a preços mais baixos. Para as famílias com renda até dois salários mínimos, o governo pretende transformar imóveis desocupados da União em moradias populares3.
O grande desafio está em atender a grande maioria da população, as famílias com menos de cinco salários mínimos de renda mensal (R$ 2.325), que hoje vivem em habitações precárias, sem serviços básicos e infraestrutura urbana.
É aqui que entra a possibilidade de inovação: promover a Produção Social da Moradia, isto é, apoiar e promover, por ações do poder público nacional, estadual e municipal, um programa massivo de construção de moradias populares por autogestão, promovido por associações e cooperativas habitacionais populares. O que já vem sendo realizado em várias regiões do país por entidades e movimentos sociais articulados ao Fórum Nacional de Reforma Urbana, União Nacional por Moradia Popular, Central de Movimentos Populares, Confederação Nacional das Associações de Moradores, Movimento Nacional de Luta pela Moradia.
A Produção Social da Moradia tornou-se possível desde que o presidente Lula sancionou a lei 11.578/2007, que viabiliza o acesso direto por parte dos movimentos de moradia aos recursos do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social, e também em razão da aprovação, em março de 2008, pelo Conselho Gestor do FNHIS, da ação Produção Social da Moradia4.
*Silvio Caccia Bava é diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil.