Qual Islã, para qual nação?
Após proteger, durante longo tempo, os taliban, o general Pervez Musharraf, presidente do Paquistão, invoca agora a salvação e a unidade nacional para justificar seu apoio incondicional à intervenção militar norte-americana no AfeganistãoJean-Luc Racine
A nação, o Islã, a guerra: na delicada situação por que passa, o Paquistão encontra-se frente à frente com si próprio e com seu jovem passado. Após ter manipulado islamistas radicais e dado origem aos taliban, como irão o seu exército e seus serviços secretos (Inter Services Intelligence ? ISI) administrar a nova linha, se ainda utilizam os mesmos grupos armados islamistas para exercer pressão sobre a Caxemira indiana? Como encarar o antiamericanismo, estimulado pelos bombardeios do Afeganistão, e enfrentar o sentimento de solidariedade muçulmana, de que se aproveitam partidos religiosos e grupos partidários da i7.
Prevalece a incerteza
A identidade do Paquistão, que Mohammed Ali Jinnah, o “pai da nação”, desejava que fosse moderada, precisa ser definida: qual Islã, para qual nação?
Finalmente, o quarto e último desafio: o exército. Os islamistas não teriam condições de derrubar o regime sozinhos, sem o apoio dos militares. E qual seria o peso do islamismo entre eles? Alguns generais conseguiram manipular os grupos islamistas, para conduzir a guerra no Afeganistão e em sua estratégia anti-indiana, na Caxemira, sem com isso aderir à sua ideologia. Outros, fizeram-no por convicção. No dia 7 de outubro, pouco antes dos primeiros bombardeios norte-americanos, Musharraf afastou alguns de seus colaboradores mais próximos, como o general Mahmud Ahmed, chefe do ISI. Um mês depois, alguns ex-dirigentes militares foram envolvidos numa controvérsia8 .
Os dirigentes indianos não acreditam que o presidente Musharraf deseje aproveitar-se das circunstâncias para operar, no Paquistão, a grande transformação de que o país necessita. E, ainda que o desejasse, como o poderia conseguir, num clima de tensões crescentes, quando está em jogo a questão, emblemática, da Caxemira, a força do exército ? alimentado por 50 anos de tensão com a Índia ? e o desafio do islamismo radical? A volta dos civis ao poder, que continua sendo anunciada para outubro de 2002, não garante uma alteração nas prioridades nacionais9 , nem na política regional, nem de estabilidade política. No Paquistão que se procura, é a incerteza que prevalece. (Trad.: Jô Amado)
1 – Fundada em 1904, em Dhaka, a Liga Muçulmana tornou-se, na década de 40, sob a direção de Mohammed Ali Jinnah, uma força inevitável em favor da partilha do império.
2 – O xeque Mir Hamza, secretário do Jamaat-i-Ulema-i-Pakistan, foi um dos cinco signatários da fatwa/i> (decreto religioso) emitida por Osama bin Laden, em 23 de fevereiro de 1998, contra os Estados Unidos.
3 – O Paquistão foi governado por militares de 1958 a 1971 e de 1977 a 1988.
4 – O que explica a oposição paquistanesa à Aliança do Norte, que conta com o apoio da Rússia e da Índia. Após a tomada de Mazar-e-Sharif pela Aliança, em 9 de novembro de 2001, a reticência norte-americana em permitir sua marcha sobre Cabul ? justamente quando Musharraf se encontrava com Bush, em Washington ? obedecia à mesma lógica.
5 – Ler, de Philip S. Golub, “Inde-Pakistan, le bras de fer”, in “Atlas 2000 des conflits”, Manière de voir nº 49, e Le Monde diplomatique, respectivamente janeiro e fevereiro de 2000.
6 – Discurso de 20 de setembro de 2001. As três outras prioridades são: 1) a segurança do país e a ameaça externa ? no caso, a Índia, e até os Estados Unidos, se Washington vier a definir o Paquistão como um país que abriga grupos terroristas; 2) o crescimento da economia, indispensável. Ela contaria com a suspensão das sanções impostas por Washington, com novos empréstimos e o reescalonamento da pesada dívida. 3) as centrais nucleares, consideradas ameaçadas, em caso de conflito.
7 – Imtiaz Alam, um comentarista famosos no Paquistão, acredita, a partir da conexão de pashtu pro-taliban, islamistas de confissão deobandi (escola religiosa fundada na Índia, no século XIX) e wahabitas (corrente islâmica originária da Arábia, no século XVIII), o germe para uma possível guerra civil entre os partidários do Estado-nação e os do pan-islamismo radical. The News, Karachi, 20 de outubro de 2001.
8 – O general Moinuddin Haider, ministro do Interior, criticou publicamente, no dia 8 de novembr