Quando a bicicleta reinventa uma cidade
Econômica, boa para a saúde e para o meio ambiente, a bicicleta voltou à moda. Mas ainda há um abismo entre a exaltação do veículo e o fornecimento de infraestrutura adequada para que ele seja utilizado. O sucesso de Copenhague mostra a importância de repensar a vida urbana a fim de construir uma rede coerente, prática e segura
O barulhinho de uma roda livre girando, um grito, o som de uma gaivota… Copenhague tem sons estranhos, que se tornaram inaudíveis nas cidades invadidas pelo barulho dos motores. Na pista da Ponte Langebro, um homem de uns 50 anos pedala em alta velocidade, de terno e gravata, uma mountain bike. Pedalando em um ritmo mais tranquilo, um idoso que teve o cuidado de colocar sua bengala no bagageiro da bicicleta. Um rapaz de jeans rasgado, carregando uma caixa de cerveja, ultrapassa uma moça de vestido elegante e salto alto. Não existe sociologia do ciclista na capital da Dinamarca: todo mundo, ou quase (quatro em cada cinco habitantes), pedala, e em todas as circunstâncias, a exemplo da mulher que transporta quatro crianças em sua bicicleta de carga, usando um pequeno reboque. É possível até cruzar com um ministro pedalando, ou com Mogens Lykketoft, ex-presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas, que defende esse modo de deslocamento como o melhor para atingir onze dos dezessete Objetivos de Desenvolvimento Sustentável que a organização internacional estabeleceu para 2030.
Desde sua abertura, em junho de 2014, canais de televisão vêm de todo o mundo para filmar a “serpente das bicicletas”, uma ponte de 235 metros de comprimento suspensa sobre a piscina ao ar livre de Fisketorvet. Prática, elegante, ela encarna tanto o estilo dinamarquês como o nascimento de uma rede de vias para ciclistas repensada como tal, e não como um apêndice à rede para veículos motorizados. Com 19 mil travessias diárias, sua frequência superou todas as expectativas. Copenhague decidiu que, até 2025, metade das viagens para o trabalho ou para a escola será feita de bicicleta. E quase já chegou lá: em 2018, a participação da bicicleta nos modais de deslocamento cotidiano (“participação por modal”) representava 49%, contra 6% para as caminhadas, 18% para o transporte público e 27% para os carros.1 A título de comparação, a bicicleta está em apenas 4% dos deslocamentos cotidianos em Paris, e de 12% a 16% nas cidades francesas com as maiores participações: Bordeaux, Grenoble e Estrasburgo.2
Para resumir esse sucesso em um número, podemos citar a última pesquisa de opinião, segundo a qual 77% dos habitantes de Copenhague se sentem seguros ao circular de bicicleta. “A bicicleta é considerada conveniente, funcional. Gostamos que seja um pouco modesta”, explica Marie Kåstrup, chefe do programa de ciclismo do município. “É um símbolo de liberdade, de saúde, um prazer simples que está ao alcance de todos. Há uma dimensão democrática nela.” Esse entusiasmo não tem como explicação principal a preocupação com o meio ambiente (que aparece em apenas 16% das respostas à pesquisa anual sobre o tema), nem o baixo custo (26%), nem a necessidade de fazer exercícios (46%), mas a rapidez e, acima de tudo, a facilidade de uso (55%) desse modo de transporte em uma cidade que, embora plana, tem bastante vento e é muito menos densa do que Paris. Chegar a isso é algo que requer infraestruturas contínuas, rápidas e seguras, projetadas de acordo com usos e necessidades específicos dos ciclistas.
Urbanista e designer, guru do retorno da bicicleta à cidade, Mikael Colville-Andersen nos revela alguns pontos fundamentais. Ele para no cruzamento de Søtorvet: “Este era o lugar mais perigoso da cidade, com quinze feridos graves ou mortos por ano. Muitos ciclistas não respeitavam o código de trânsito. Mas são justamente eles os especialistas: eles passam aqui todos os dias! Era preciso ouvi-los. Os semáforos foram escalonados no tempo, de modo a dar quatro segundos de vantagem aos ciclistas, e no espaço, evitando que estes fossem incomodados pelos carros. A calçada que eles precisavam usar para não se ver presos virou uma ciclovia. E quase não há mais acidentes”.
Facilitar os deslocamentos ativos, que têm a vantagem de exigir muito menos espaço do que o carro, significa fazer o oposto do que foi feito em todos os lugares desde a década de 1950: complicar a circulação de carros e simplificar a de pedestres e ciclistas. “É necessário focar o design”, continua Colville-Andersen; “a beleza da rede em Copenhague é o design simples, uniforme e contínuo da infraestrutura. Há apenas quatro tipos de infraestruturas para ciclistas. Dependendo do limite de velocidade imposto aos carros, escolhe-se o mais apropriado. Esse modelo poderia ser aplicado a todas as ruas do país e a cada cidade do mundo.”
Nas áreas residenciais locais, onde a velocidade é limitada a 30 quilômetros por hora, carros e bicicletas dividem a mesma pista. Isso funciona bem na Dinamarca, pois as velocidades são respeitadas e essas ruas são usadas exclusivamente para o trânsito local. As vias limitadas a 40 quilômetros por hora são margeadas por ciclofaixas, sempre à direita da circulação ou de áreas de estacionamento, quando há. Ao longo das vias limitadas a 60 quilômetros por hora, as ciclovias são separadas do tráfego de automóveis no mínimo por uma guia e, muitas vezes, por vagas de estacionamento. É o tipo de organização que mais se destaca, e sua largura não para de aumentar para se adaptar ao número de usuários. A nova norma PLUSnet prevê que duas pessoas que estejam conversando enquanto pedalam de frente possam ser ultrapassadas por uma terceira – ou seja, 3 metros de cada lado. Por último, quando a velocidade permitida é superior a 60 quilômetros por hora, os itinerários para ciclistas seguem um percurso totalmente distinto daquele empregado pelos carros.

Prioridade para as ciclovias
Esses princípios permitem saber o tempo todo onde estão as bicicletas, o que garante conforto e segurança para todos os usuários da rede viária. Pesquisas de opinião mostram grande satisfação, inclusive entre os pedestres. Muitos deles também são ciclistas e, nos espaços compartilhados, sabem que a bicicleta vai desacelerar, sem que ninguém precise parar para se cruzar. Colville-Andersen explica o que ele acredita que deveria ser o axioma de qualquer política de ciclismo ambiciosa: “É necessário entender como o ciclista funciona. O que ele mais quer evitar é ter de parar. Ou pior: ter de colocar o pé no chão!”. Com o selim na altura correta, parar significa descer da bicicleta e gastar muita energia para se colocar novamente em marcha.
Diante disso, como resolver a questão dos cruzamentos? Descobrimos a resposta subindo as vias Østerbrogade e Nørrebrogade. Partindo do centro da cidade, é possível percorrer 3 quilômetros sem interrupção. Regulados para uma “onda verde” de 20 quilômetros por hora, os semáforos ficam verdes ao ritmo dos ciclistas. E, quando é inevitável parar, um corrimão e um apoio para o pé direito permitem não sair do selim. Cada cruzamento também tem uma sinalização de solo precisa e respeitada. Nas vias azuis, reservadas para as bicicletas, os ciclistas não estão sujeitos à intrusão de carros, que devem obrigatoriamente esperar sua vez (em muitos casos marcadas por um semáforo), sobretudo antes de virar à direita.
Nørrebrogade se tornou a avenida mais ciclista da Europa. Mas, em 2007, a decisão de restringir o tráfego de carros não foi fácil de defender, lembra Klaus Bondam, então secretário encarregado dos serviços técnicos e do meio ambiente: “Recebi muitos e-mails de ódio, críticas na imprensa. As pessoas ficaram enfurecidas porque tomamos a decisão de mudar hábitos, dando prioridade aos pedestres, aos ciclistas e ao transporte público. Muitos comerciantes pareciam imaginar que apenas os motoristas compravam roupas e comida… Agora temos uma rua atraente, com novas lojas”.
A atenção aos detalhes pode ser observada na presença de lixeiras orientadas no sentido do fluxo, na Østbanegade, ou ainda nas barreiras especiais que permitem manter a continuidade e a segurança do itinerário durante grandes obras, na Rua Nygårdsvej. E a demanda inverte as prioridades: no inverno, para satisfazer o maior número possível de pessoas, os serviços técnicos começam removendo a neve das ciclovias…
Tamanho sucesso atrai jornalistas e políticos. O presidente francês, Emmanuel Macron, não deixou de fazer um passeio de bicicleta pela cidade durante sua visita, em 29 de agosto. Mas a falta de interesse de muitos visitantes pelas razões profundas desse sucesso é intrigante. Prova disso são os artigos publicados na imprensa francesa em geral, ou as escolhas feitas, ao retornarem à França, por dois políticos ambientalistas, Christophe Najdovski, o “Senhor Bicicleta” de Paris, e Yann Mongaburu, seu colega de Grenoble.
Durante a consulta apresentada no documento “Paris, capital do ciclismo”, cinco tipos de infraestrutura foram oferecidos aos parisienses. O modelo aprovado em Copenhague, chamado pelos serviços técnicos franceses de “ciclovia de altura intermediária entre calçada e faixa de rolamento”, não estava entre eles… Outro exemplo: as autoridades privilegiaram as “rodovias para bicicletas” (Rua de Rivoli e Bulevar Sébastopol, em Paris) ou as vias “Chronovélo” (Bulevar Agutte Sembat, em Grenoble). A ideia é implantar vias bidirecionais em avenidas que incluem muitos cruzamentos – um tipo de infraestrutura banido em Copenhague há mais de vinte anos, pois é duas vezes mais perigoso que as vias laterais. Os acidentes levaram Londres a destruir esse tipo de infraestrutura na Torrington Place para adotar o modelo de Copenhague. Mas as vias bidirecionais são adequadas ao longo de rios, canais, ferrovias ou em áreas periurbanas sem cruzamento. Nas outras cidades francesas, a maioria das “ciclovias” são apenas marcações no chão ao lado dos carros estacionados: “Entre as portas dos veículos e o tráfego de automóveis, o lugar mais estúpido para colocar bicicletas”, exalta-se Mikael Colville-Andersen em sua obra de referência.3
Os veículos de autoatendimento
Além disso, Paris, seguida por muitas outras cidades, dedicou a maior parte de seus recursos financeiros às bicicletas compartilhadas. O novo contrato da Vélib’ representa 600 milhões de euros em dinheiro público em quinze anos, contra 150 milhões de euros apenas no plano de investimento em bicicletas da prefeita Anne Hidalgo (2014-2020). Em Copenhague, esse serviço é limitado a 2 mil veículos, destinados essencialmente a turistas em estadias curtas, que não têm tempo para alugar um veículo mais eficiente em uma das seiscentas lojas especializadas. O famoso arquiteto e urbanista dinamarquês Jan Gehl destacou o caráter secundário dessa ferramenta no livro que publicou em 2010: “As bicicletas compartilhadas devem ser um elemento, entre outros, de uma estratégia para o desenvolvimento da cultura do ciclismo, não sua ponta de lança”.4
Já o conceito de “rodovia para bicicletas” (Supercykelstier) também existe na Dinamarca, mas não no centro da cidade. As autoridades da região da capital – 27 municípios, 1,7 milhão de habitantes – constataram que o retorno da bicicleta estava ocorrendo fundamentalmente em Copenhague (600 mil habitantes): a formação de uma malha ligando as áreas periurbanas, para construir uma verdadeira rede expressa de vias para bicicletas, ainda precisava ser feita. As primeiras conexões já atraem novatos, sendo um quarto deles ex-motoristas. Deve-se dizer que, quando só conhecemos os engarrafamentos, essas “superciclovias” permitem uma experiência completamente diferente de entrada na cidade. O itinerário noroeste, por exemplo, atravessa a floresta de Vestkoven, longe do tráfego de automóveis. A pista é larga, bem conservada, sombreada e não interfere na rota de pedestres adjacente. E surpresa: quando, após vários quilômetros, o ciclista cruza com uma via, o semáforo imediatamente fica verde. Sensores sob o calçamento detectam a chegada dos ciclistas.
O programa prevê a construção de 750 quilômetros de supervias em dez anos (2012-2022). O custo (300 milhões de euros), embora significativo, representa apenas um vigésimo do custo do projeto Fehmarn, um túnel rodoviário de 18 quilômetros em construção entre o arquipélago de Copenhague e a Alemanha. Um investimento que incentiva a prática regular do ciclismo revela-se muito lucrativo quando seu retorno é calculado considerando-se não apenas os desdobramentos econômicos, mas também os custos de saúde evitados, explica Sidsel Birk Hjuler, autoridade responsável pelas questões relativas à mobilidade na região capital: “Em maio de 2018, fizemos uma análise socioeconômica das rodovias para bicicletas usando o padrão nacional do Ministério das Finanças, que deve ser seguido quando se recebe dinheiro do Estado.5 O retorno socioeconômico da infraestrutura cicloviária, que é de 11%, excede em muito o de todos os outros tipos de investimento: 3% para o metrô e 5,4% para o túnel Fehmarn”.
“Não é apenas um hobby”
Esse método de cálculo também justifica a construção de muitas pontes e passarelas na capital: “O estilo de vida sedentário faz as mulheres perderem sete anos de expectativa de vida; os homens, 6,9 anos”, explica Gitte Laub Hansen, encarregada do projeto de atividade física e alimentação na Sociedade Dinamarquesa de Câncer. “Nos últimos quinze anos, descobrimos também seus vínculos com o câncer. Além disso, os convalescentes se recuperam muito melhor quando praticam atividade física.” Marie Kåstrup completa: “Os benefícios em termos de saúde pública são vinte vezes maiores do que a perda por acidentes. Temos de nos preocupar com os acidentes, mas acima de tudo precisamos promover o ciclismo”.
Um estudo recente mostra que os ciclistas dinamarqueses cometem muito menos infrações que os motoristas, especialmente quando têm uma infraestrutura adequada.6 Entre 1995 e 2016, dobrou o número de quilômetros percorridos de bicicleta em Copenhague, e o número de vítimas de acidentes caiu pela metade, com apenas um caso sério a cada 5,7 milhões de quilômetros. Isso equivale a uma taxa de risco em queda livre, confirmando as conclusões de vários estudos internacionais: quanto mais bicicletas, menos acidentes.7
Para incentivar o tráfego de bicicletas nos percursos periurbanos, necessariamente mais longos, o Parlamento dinamarquês decidiu, em junho de 2018, não limitar a velocidade das bicicletas eletricamente assistidas a 25 quilômetros por hora, como ocorre na França. Os deputados preferiram confiar nos ciclistas, que podem chegar a 45 quilômetros por hora quando não houver ninguém por perto, mas devem reduzir a velocidade em outros lugares. Quem mora longe do centro ou teme o mau tempo também pode embarcar suas bicicletas nos transportes públicos: no trem, no S-Tog (trem regional) e até no metrô, fora da hora do rush. Como essa possibilidade é gratuita, a rede de transporte público viu seu número de usuários aumentar bastante. “A bicicleta utilitária precisa ser levada a sério”, diz Sidsel Birk Hjuler. “Ela não é apenas um hobby ou uma moda dinamarquesa. Em muitos países europeus, não saímos do lugar porque esse modo de deslocamento não é suficientemente levado em consideração.”
E todos podem contribuir. Um exemplo é a empresa Rambøll, localizada em Ørestad, 5 quilômetros ao sul do centro da cidade. Embora atendida por uma rodovia, pelo trem e pelo metrô, ela incentivou seus funcionários a usar a bicicleta. Eles podem seguir uma “rota verde”, longe do tráfego. Quando chegam, têm muitos lugares para estacionar, do lado de fora quando o tempo está bom e dentro em dias de chuva. Uma rampa dá acesso a um local com duzentos armários para roupas, secadores de sapatos, chuveiros e jatos para lavar as bicicletas.
Muitas obras têm sido realizadas a fim de acompanhar esse sucesso, principalmente para melhorar o estacionamento e evitar o acúmulo de bicicletas, por exemplo, perto de estações de trem e metrô. Em escala nacional, a prática está em baixa nas áreas rurais, que têm pouca infraestrutura. Uma atenção especial é dada às crianças, cuja prática também está em baixa em nível nacional, como em todos os países europeus. Os novos bairros, como o de Ejby, preveem uma rede para bicicletas totalmente distinta das vias motorizadas entre as áreas residenciais e as escolas.
A efetivação dessa forte vontade política passa essencialmente por serviços técnicos avançados, competentes, atentos aos usuários. Para liderar essa equipe em Copenhague, a escolha foi uma especialista em literatura, não um engenheiro. A nomeação de Marie Kåstrup, que acabara de escrever uma tese sobre a cultura do ciclismo e a identidade nacional da Dinamarca, reflete uma visão global: “Não se trata de construir ciclovias apenas para ter ciclovias”, explica. “Minha formação literária me ajuda a manter a perspectiva geral de uma cidade melhor para o maior número possível de pessoas. A bicicleta é apenas uma ferramenta – muito eficaz se fizermos as escolhas certas –, que deve ser adicionada ao transporte público, ao desenvolvimento urbano, às práticas culturais, a todas as ações da cidade.”
Para visitar o bairro histórico de Christiania e os cais da ópera, montamos em um engraçado veículo de três rodas, com, na frente, um confortável banco de dois lugares equipado com capota retrátil para o caso de chuva e cobertas para o caso de a temperatura cair. No guidão do triciclo com assistência elétrica, Pernille Bussone costuma visitar Finn Vikke, que caminha com dificuldade, em frente ao lar de idosos onde ele reside. Saímos para um passeio de uma ou duas horas, com a sensação, para ele, de ter novamente “o direito de sentir o vento no cabelo”, na altura da calçada, sem para-brisa…
A associação Cycling Without Age,8 que fez com que eles se conhecessem, foi criada após uma reunião em 2012 entre Ole Kassow e uma mulher de 84 anos que queria rever lugares marcantes de sua vida: “Após nossa viagem, ela voltou a falar”, conta. “Alguns dias depois, o diretor me ligou. Eu temi que ele fosse me contar que ela havia morrido. Mas não! Ela tinha contado aos outros residentes sobre a viagem e eles queriam fazer o mesmo!” Embora esteja no centro, a bicicleta aparece aí como o veículo de uma ambição que vai além da questão dos deslocamentos urbanos.
O passeio termina no restaurante, no novo cais de madeira de Kalvebod. Mais precisamente, um cykelkoken, um ciclorrestaurante de três rodas com uma geladeira, um fogareiro e comida suficiente para atender cerca de vinte pessoas, que comem de pé. Assim que a refeição termina, aproveitando o lindo dia de verão, a maioria dos convivas entra no antigo porto despoluído para nadar, em pleno coração da cidade. Decididamente, em Copenhague se cultiva o gosto pelos prazeres simples da vida.
*Philippe Descamps é jornalista do Le Monde Diplomatique.
1 Salvo indicação em contrário, todos os números são de “Copenhagen City of Cyclists, The Bicyle Account 2018” [Copenhague, cidade de ciclistas, Relatório do Ciclismo 2018], Copenhague, maio 2019.
2 Frédéric Tallet e Vincent Vallès, “Partir de bon matin, à bicyclette…” [Sair cedinho, de bicicleta…], Insee Première, n.1629, Paris, jan. 2017.
3 Mikael Colville-Andersen, Copenhagenize: The Definitive Guide to Global Bicycle Urbanism [Faça como Copenhague: guia definitivo para o ciclourbanismo global], Island Press, Washington, DC, 2018.
4 Jan Gehl, Pour des villes à échelle humaine [Por uma cidade em escala humana], Écosociété, Montreal, 2012.
5 “Samfundsøkonomisk analyse af supercykelstierne”, Incentive, Holte, 30 maio 2018.
6 “Cyklisters adfærd i signalregulerede Kryds”, Rambøll, Copenhague, 1º mar. 2019.
7 Cf. sobretudo Peter Jacobsen, “Safety in Numbers: More Walkers and Bicyclists, Safer Walking and Bicycling” [Segurança em números: quanto mais pedestres e ciclistas, mais seguro é caminhar e pedalar], Injury Prevention, v.9, n.3, Londres, set. 2003.
8 Para a seção francesa: <https://avelosansage.fr>; para a brasileira, <https://pedalandosemidade.com.br>.
Uma luta minoritária que virou consenso
“É preciso uma mentalidade muito conservadora para pensar que as cidades não podem mudar. No contexto europeu, deveríamos ter aprendido que elas mudam o tempo todo, que sempre se adaptaram.” Diretor da Federação Dinamarquesa de Ciclismo desde 2014, Klaus Bondam foi secretário municipal entre 2006 e 2009. Ele era o encarregado pelos serviços técnicos e ambientais, e foi responsável pelo plano de ciclismo que transformou Copenhague.
Tendo sido por muito tempo uma cidade operária, a capital da Dinamarca teve sua primeira fase de amor pelas bicicletas há… um século! Como na maioria dos países industrializados da Europa, as décadas de 1920 a 1940 foram o apogeu dessa forma de deslocamento urbano. Mas, nos anos 1950, a adaptação da cidade ao automóvel provocou também aqui o desmonte generalizado dessa prática. Na Ponte da Rainha Louise, na entrada do centro da cidade, havia 62 mil travessias de bicicleta por dia em 1949 e apenas 8 mil em 1970. O número hoje é de 48 mil…
Em 1965, a cidade relançou um projeto de rodovia que poderia ter desfigurado o distrito de Vesterbro, com doze faixas de tráfego. “Felizmente, o município era pobre, não tinha recursos para isso”, conta Marie Kåstrup, chefe do programa de ciclismo do município. “Note que a Dinamarca nunca teve indústria automobilística”, acrescenta Klaus Bondam. “Em muitos aspectos, estamos muito próximos de nossos vizinhos suecos, mas eles têm dois fabricantes automobilísticos, a Volvo e a Saab, que tiveram enorme influência no planejamento urbano. Na França, há a Peugeot, a Renault, a Michelin…”
O projeto de rodovia urbana foi abandonado em 1972. O choque do petróleo do ano seguinte fez com que os ambientalistas pudessem ser mais amplamente ouvidos. Como em Berlim ou em Paris, grandes manifestações, “ciclorrevoluções”, foram repetidamente realizadas em frente à prefeitura. “A população de Copenhague queria acesso à sua cidade, às suas ruas, que as autoridades públicas voltassem a dar prioridade a pedestres e bicicletas”, comenta Kåstrup. “Aqui eles conseguiram ser ouvidos…”
Os sociais-democratas que administram a cidade há mais de um século abriram-se para as questões ambientais e formaram coalizões que vão dos sociais-liberais à esquerda ambiental. O retorno da bicicleta foi facilitado pela subsistência de infraestruturas dedicadas a elas e, principalmente, por uma doutrina herdada do início do século XX: a proteção dos ciclistas por itinerários separados, inicialmente utilizando as pistas laterais às vias reservadas aos cavalos. A primeira ciclovia exclusiva data de 1915.
Reaparecendo muito gradualmente nas políticas públicas a partir de 1982, a bicicleta ganha cada vez mais adeptos. Antes das eleições municipais de 2005, o congestionamento nas ciclovias se tornou um dos problemas mais prementes. A primeira mulher prefeita da capital (2006-2009), Ritt Bjerregaard, lançou um ambicioso plano de investimentos em infraestrutura e na construção de uma rede coerente. Às vésperas da conferência mundial sobre o clima prevista para ocorrer em 2009 em Copenhague – e que acabou fracassando –, o município assumiu o objetivo de alcançar a neutralidade do carbono até 2025.
Também social-democrata, o sucessor de Ritt Bjerregaard, Franck Jesen, que assumiu o cargo em 2010, continuou esse programa, com o apoio da oposição de direita. “Pode-se pensar que defender a bicicleta é uma ideia de esquerda. Mas ela também é uma ferramenta muito eficaz para organizar a cidade, a produtividade, o que atende às expectativas das pessoas de direita”, explica Klaus Bondam. “Hoje, esse tema é praticamente um consenso, da extrema esquerda à extrema direita – com nuances e mais algumas batalhas, por exemplo, a respeito do estacionamento.” Outra particularidade, que estamos muito longe de ver em Paris e nas outras grandes cidades francesas: aqui, todos os vereadores andam de bicicleta. (P.D.)