Quando a diáspora volta para casa
Formando ’lobbies’ importantes nos Estados Unidos e mesmo na Rússia, a comunidade armênia na diáspora investe no país, metamorfoseando sua paisagem, não sem antes enfrentar percalços políticos e choques culturaisVicken Cheterian
Se você tivesse visitado Erevan, capital da Armênia, no último verão, não teria podido entrar em nenhum museu nem ir à maioria das ruas do centro da cidade: aqueles estavam em restauração e estas, em reconstrução. Graças à doação generosa de um bilionário norte-americano de origem armênia, Kirk Kirkorian, a cidade ganhou uma nova fisionomia.
Equivalente a um terço do orçamento anual do Estado, a soma doada por um bilionário norte-americano de origem armênia garante emprego a cerca de 20 mil pessoas
Proprietário, em especial, dos estúdios da Metro-Goldwyn-Mayer (MGM) em Hollywood e de hotéis em Las Vegas, Kirkorian doou, a partir de 2001, 170 milhões de dólares para a construção de estradas e de habitações na região sujeita aos terremotos. A ajuda se destina também a empréstimos às pequenas empresas. Equivalente a um terço do orçamento anual do Estado, esta soma garante emprego a cerca de 20 mil pessoas.
A metamorfose dos investimentos
Gerard Cafesjian, também armênio e estabelecido nos Estados Unidos, liberou, por sua vez, perto de 25 milhões de dólares para terminar e renovar o Cascade, um conjunto que deve seu nome a uma seqüência de escadas e de ateliês ligando o centro de Erevan ao bairro dos monumentos. Ele planeja construir ali um museu de arte moderna1, novas lojas, restaurantes… No momento em que os armênios do exterior começam a ir à Armênia, suas atividades já provocam uma metamorfose nas ruas da capital.
Enquanto a Armênia conta com 3,8 milhões de habitantes, a diáspora seria cerca de duas vezes maior – com uma forte presença na Rússia, nos Estados Unidos, na Geórgia, na França, no Irã e no Líbano. Após o terremoto de 1988, que destruiu um terço do potencial industrial do país e matou mais de 25 mil pessoas, os armênios do exterior enviaram uma ajuda humanitária maciça. Há dois anos, os investimentos substituíram a ajuda para apoiar as atividades econômicas intactas, quer se trate das empresas de software ou da medicina de ponta.
Relações complexas
Nos anos que se seguiram ao colapso soviético, armênios de Marselha, do Cairo ou de Boston foram para a Armênia onde sofreram um verdadeiro choque cultural
No plano político, as relações entre a Armênia e a diáspora mostram-se mais complexas. Aparentemente, os partidos políticos tradicionais implantados fora da Armênia, como a Federação Revolucionária Armênia (Tashnaktsoutyun) e o Partido Liberal Democrata (Ramgavars), dispõem de uma certa influência no país através de suas ramificações e da mídia vinculada a eles. Mesmo assim, continuam divididos por profundas divergências políticas e por um acúmulo de mal-entendidos. Em 1988, no início do movimento popular na Armênia, os partidos da diáspora pediram calma numa declaração que apoiava, tacitamente, as autoridades soviéticas. Tendo sempre temido seu vizinho turco, os partidos armênios pensavam, então, que o enfraquecimento do poder soviético na Armênia exporia o país à “ameaça turca”.
Nos anos que se seguiram ao colapso soviético, armênios de Marselha, do Cairo ou de Boston foram para a Armênia onde sofreram um verdadeiro choque cultural. Como esperavam investir no local, não compreenderam as sutilezas da burocracia soviética nem as novas regras da economia de mercado selvagem, tampouco a corrupção ou ainda o relativismo das “leis”. Em apenas alguns meses, muitos deles perderam seus investimentos. A decepção foi tão grande, que alguns pensaram em buscar refúgio em “uma outra nação”.
Lobbies poderosos
Um certo número de organizações da diáspora atua pela causa armênia e, deste modo, torna mais visível no cenário internacional essa nação, em resumo, modesta
Fator agravante: o primeiro presidente armênio, Levon Ter-Petrossian, não apreciava a presença, na Armênia, de organizações formadas por membros da diáspora. Em dezembro de 1994, um certo número de ativistas tashnak foi preso, seus meios de comunicação foram fechados e as atividades do partido foram proibidas. Com a chegada de Robert Kotcharian ao poder (1998), as relações entre os partidos melhoraram: os ativistas presos foram soltos e o Tashnaktsoutyun, de novo considerado como parceiro. Atualmente, tem três ministros no governo. Para virar a página, o Estado armênio organizou dois colóquios, em 1999 e em 2002, convidando os armênios do exterior a investirem no país. O atual ministro das Relações Exteriores, Vartan Oskanian, nascido na Síria mas formado nos Estados Unidos, desempenhou um papel decisivo na organização e no bom funcionamento desses dois eventos2.
Um certo número de organizações da diáspora atua pela causa armênia e, deste modo, torna mais visível no cenário internacional essa nação, em resumo, modesta. A Assembléia Armênia dos Estados Unidos e o Comitê Nacional Armênio dos Estados Unidos, dois lobbies muito poderosos e determinados, com sede em Washington, lutam pelo reconhecimento do genocídio de 1915 e tentam incentivar os Estados Unidos a adotarem uma política favorável em relação à Armênia.
Manobra do Kremlin
Enquanto a influência geral da diáspora aumentou na Armênia, seu impacto sobre a tomada de decisão política, social e econômica do país continuou limitado
Nos últimos tempos, Aram Abrahamian, um oligarca russo-armênio, lançou a Organização Mundial da Armênia com a bênção direta do presidente russo, Vladimir Putin. Em Erevan, teme-se que isto esconda uma nova manobra do Kremlin para aumentar sua influência não só sobre a Armênia, mas também sobre o conjunto de suas comunidades no mundo todo. Para alguns analistas, nesse período de eleições para a Duma, Putin tenta, principalmente, ganhar a simpatia de mais ou menos 2,5 milhões de cidadãos russos de origem armênia3.
O enorme esforço que a diáspora se dispôs a fazer para apoiar a Armênia absorveu fundos destinados à organização da comunidade justamente no momento em que, sob a pressão de novos fluxos migratórios e nesta década de globalização, sua identidade entrava em mutação. Tal esforço enfraqueceu consideravelmente as estruturas comunitárias armênias tradicionais, a começar pelos partidos, pela igreja ou ainda pelas escolas4. Curiosamente, enquanto a influência geral da diáspora aumentou na Armênia, seu impacto sobre a tomada de decisão política, social e econômica do país continuou limitado.
(Trad.: Iraci D. Poleti)
1 – Ver www.cmf.am
2 – O ministro armênio das Relações Exteriores e a política externa do país foram influenciados pela diáspora. O primeiro ministro das Relações Exteriores foi o norte-americano-armênio Raffi Hovannesian, filho do famoso historiador Richard Hovannesian. Depois que ele apresentou seu pedido de demissão, em 1992, a política externa foi, essencialmente, o domínio do assessor presidencial, o especialista em Ciências Políticas, Gerard Libaridian, que nasceu no Líbano e morou nos Estados Unidos.
3 – Ver, de Sophie Lambroschini, “Russia: Putin Plays To Armenian Diaspora, But For What Purpose?” RFE/RL, Praga, 13 de outubro de 2003.
Vicken Cheterian é jornalista, autor de War and peace in the caucasus, Russia´s trouble 3d frontier, Nova York, Hurst/Columbia University Press, 2008.