Quando a Europa diz amém
Embora mais pacientes que os EUA, França, Alemanha e Reino Unido seguem a mesma lógica, ao pressionarem o Irã: considerá-lo “Estado hostil” e impedir que desenvolva qualquer capacidade nuclear — mesmo se civil e autorizada pelo TNPCaroline Pailhe
Durante sua visita a Paris em setembro de 2005, Daniel Fried, secretário adjunto de Estado norte-americano, encarregado dos assuntos europeus, gostou muito da “mensagem de determinação” dirigida ao Irã pela União Européia (UE). Segundo ele, é “adequada”. Exaltando o realismo e a determinação da França, “que não tem vergonha do uso racional da força”, Fried salienta que os Estados Unidos “querem uma Europa forte, que se afirme não como um contrapeso ou rival [dos Estados Unidos] mas como parceira no mundo” 1. É verdade que, desde a declaração feita em março de 2003 pelo presidente George W. Bush sobre o fim das hostilidades no Iraque, os europeus não perderam nenhuma ocasião de confiar em seu parceiro transatlântico no que se refere à convergência de seus interesses relativos à segurança, sem propor agenda própria. E a questão nuclear iraniana, que preocupa a comunidade internacional há mais de dois anos, é um dos primeiros testes dessa parceria renovada, em que os europeus e norte-americanos trabalham em colaboração, no modelo do “bom” e do “mau policial”.
Em suas negociações com o Teerã, o trio europeu, que reúne a Alemanha, a França e o Reino Unido, funciona certamente com mais paciência mas com os mesmos instrumentos que Washington. A rotina é a mesma: “diplomacia, ameaça de sanções, ameaça do uso da força”. Uma política que finalmente atinge o mesmo objetivo: impedir um Estado considerado hostil de desenvolver qualquer ciclo nuclear autônomo, mesmo civil, embora autorizado pelo Tratado de Não-Proliferação (TNP) e sob o controle reforçado da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).
Uma Europa, duas palavras
A questão nuclear iraniana é um dos primeiros testes dessa parceria renovada, em que os europeus e norte-americanos trabalham em colaboração, no modelo do “bom” e do “mau policial”
Segundo o acordo assinado em Paris, em 15 de novembro de 2004, entre o Irã o grupo dos três europeus, as negociações tinham dois objetivos precisos. Os iranianos deveriam “fornecer garantias objetivas de que seu programa nuclear tem uma finalidade estritamente civil” e os europeus deveriam dar “garantias sólidas relativas a uma cooperação nuclear, tecnológica e econômica e fazer pactos consistentes na área da segurança”. Como prova de boa fé, o Teerã decidiu de maneira unilateral interromper temporariamente todas as suas atividades ligadas ao enriquecimento e retratamento do urânio, durante as negociações, e continuar a aplicar, antes mesmo de sua ratificação, o protocolo adicional da AIEA assinado em dezembro de 2003 (ler “O direito à tecnologia”, nesta edição).
Mas em agosto de 2005, os europeus propuseram ao novo presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, um acordo que se resume, segundo um diplomata europeu, “a uma bela caixa vazia embalada com muito papel de presente”. 2Embora essa proposta previsse a continuação do diálogo e uma possibilidade de cooperação em várias áreas, as promessas da UE continuam vagas em contrapartida a demandas muito exigentes ao Irã.3 Assim, a Europa exorta o Teerã a abandonar definitivamente suas atividades de enriquecimento e retratamento do urânio, sem dar garantias de sua possibilidade de provê-lo de combustível nuclear fora de suas fronteiras, o que é necessário ao desenvolvimento de seu programa nuclear civil.
Na verdade, a posição européia está alinhada com a de Washington e a de Tel-Aviv. A única “garantia objetiva de que o programa tem uma finalidade estritamente civil equivale, para os negociadores ocidentais, à cessação permanente das atividades de enriquecimento e de retratamento do urânio e do plutônio pelo Irã, embora qualificado “direito inalienável” pelo artigo IV do TNP.
As ogivas de Israel
A posição européia está alinhada com Washington Telavive. Para garantir que seu programa é civil, Teerã deveria abandonar o enriquecimento de urânio e plutônio, qualificado “direito inalienável” pelo TNP
Quanto às garantias em matéria de segurança, demandadas pelo Teerã, os europeus não demonstraram mais determinação. Contentaram-se em reafirmar as obrigações internacionais a propósito desse assunto. Reafirmaram seu apoio a um Oriente Médio isento de armas de destruição em massa, de acordo com a resolução 687 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, adotada em 1991, durante a primeira guerra do Golfo. Mas a proposição européia continua silenciosa sobre os pontos concretos que permitem atingir esse objetivo. No entanto, seja qual for a lógica, a questão iraniana não pode ser resolvida sem garantir a Teerã que não haverá uma ação de força; e sem programar de maneira determinada o desarmamento de toda a região, cuja instabilidade é conhecida — e ampliada pela provável existência, em Israel, de 200 ogivas completamente fora de controle.
A União Européia não tem a vontade política de oferecer compensações significativas para modificar os objetivos do Teerã e firmar um compromisso. É que a crise não se dá unicamente no âmbito da questão nuclear. Ela envolve inúmeros aspectos políticos e estratégicos dos quais a chave não se encontra na Europa, mas em Washington. E a Casa Branca não negocia com um “Estado violento” nem com um “posto avançado da tirania”. Prega a “mudança de regime” por meio da força se for necessário.
Ora, ao avaliarem que os recursos da diplomacia nesse caso se esgotaram, os europeus, apoiados pelos Estados Unidos, endureceram o tom e se voltaram para as medidas coercitivas, ameaçando levar a questão para o Conselho de Segurança das Nações Unidas. Quanto à ação militar preventiva, prevista pela atual administração americana (para a qual “todas as opções estão sobre a mesa”), está longe de ser “inconcebível” no âmbito da União Européia, segundo pensa o ministro britânico das Relações Exteriores Jack Straw.4
Uma estratégia que inclui a força
No que diz respeito aos meios a serem adotados, a estratégia européia prevê, sem falar de aval do Conselho de Segurança, “intervenções cada vez mais rápidas e, se necessário, robustas”
Em 2003, sempre na esteira da guerra do Iraque, as instituições européias e os Estados membros não organizaram efetivamente seus esforços para traçar uma linha de conduta diante das “novas ameaças” internacionais. Repetiram as preocupações de segurança estadunidenses sem se diferenciar verdadeiramente dos meios utilizados por Washington para enfrentá-las.
Em dezembro de 2003, a União Européia adotou uma “Estratégia da UE contra a proliferação das armas de destruição maciça”, que enquadra a política dos Estados-membros diante da questão iraniana5. Apesar de a luta contra a proliferação ter sido inicialmente pensada por ações não-militares, principalmente pela instauração de um diálogo político e o respeito aos tratados internacionais, o texto prevê que “quando as medidas [preventivas] não tiverem êxito, é possível pensar em medidas coercitivas com base no capítulo VII da Carta das Nações Unidas e do Direito Internacional (sanções, seletivas ou globais, intercepção de cargas e, se for necessário, recorrer à força)”.
Por ocasião do mesmo Conselho europeu de dezembro de 2003, a União Européia se dotou de um conceito estratégico de segurança, elaborado por Javier Solana, alto representante da política externa e de segurança comum, intitulado “Uma Europa segura em um mundo melhor”6.
A proliferação das armas de destruição maciça é considerada uma das cinco principais ameaças, ao lado do terrorismo, dos conflitos regionais, da delinqüência dos Estados e da criminalidade organizada. Encontramos então o tríptico “terrorismo, proliferação das armas de destruição maciça (ADM), Estados violentos”, caro à Estratégia de Segurança Nacional dos EUA, de 2002, que define a política norte-americana sobre o assunto. No que diz respeito aos meios a serem adotados, a estratégia européia prevê, sem falar de aval do Conselho de Segurança, “intervenções cada vez mais rápidas e, se necessário, robustas”, devendo a União Européia ser capaz de “agir antes que a situação (…) se deteriore” e “quando sinais de proliferação forem detectados”. Pois “um engajamento preventivo pode permitir que se evite problemas mais graves no futuro”.
Um ataque como contra o Iraque?
A possibilidade de ataques preventivos, com ou sem ajuda dos israelenses, permanece sobre a mesa. E o que é pior, os europeus seguem seus passos em suas aventuras imperiais
No momento em que eles ainda estavam em fase de projeto, esses dois documentos-chaves abriram amplamente o caminho para a reunião de cúpula bilateral euro-norte-americana de 25 junho de 2003, em Washington. Logo em seguida, foi adotada a declaração comum dos Estados Unidos e da União Européia sobre a proliferação das armas de destruição maciça. Nela, os signatários se comprometem a “utilizar os meios de que dispõem para evitar a proliferação das ADM e as conseqüências desastrosas que elas provocam”7.
Sem dúvida, os Estados Unidos, mesmo enlameados no Iraque, não estão preparados para “evitar os mesmos erros no Irã”, como salientou David Kay, ex-chefe de inspetores americanos em Bagdá8. A possibilidade de ataques preventivos, com ou sem ajuda dos israelenses, permanece sobre a mesa. E o que é pior, os europeus seguem seus passos em suas aventuras imperiais.
Fundamentalmente, e como mostra também a questão iraniana, a Europa não tem determinação para se colocar do lado de fora do guarda-chuva norte-americano, como uma verdadeira “potência tranqüila”. Ela não teve a oportunidade de incitar a relançar, ou mesmo de reiventar, o regime de não-proliferação, que permanece desigual, em muitos aspectos, numa área que a via de acesso à bomba é simplesmente o desenvolvimento da indústria civil. Ao contrário, em vez de se engajar firmemente na via do desarmamento que o TNP determina aos “Estados dotados de armas nucleares”, as potências européias se inclinam para a não-proliferação de modo a garantir uma segurança que se resume à preservação de seu domínio tecnológico, militar e estratégico.
No entanto, em um mundo cada vez mais globalizado, a segurança de uns não se constrói contra a de outros. Afinal, só pode haver segurança coletiva, em que a definição dos riscos e das ameaças, assim como dos instrumentos para atenuá-los, satisfaçam o conjunto dos atores que interagem no cenário internacional — e não alguns Estados ricos, privilegiados e dotados de armas atômicas.
(Trad.: Wanda Caldeira Brant)
1 – Le Monde, 21 de setembro de 2005.
2 – Reuters, 27 de julho de 2005.
3 – Para uma análise detalhada da proposta européia, ler, de Paul Ingram, “Preliminary analysis of E3/EU proposal to Iran”, Basic Notes, British-American Security Information Council, 11 de agosto de 2005.
4 – British Broadcasting Corporation (BBC), Londres, 28 de setembro de 2005.
5 – “Estratégia da UE contra a proliferação das armas de destruição maciça”, 15708/03, 12 e 13 de dezembro de 2003.
6 – “Uma Europa segura em um mundo melhor”, 15895/03, 8 de dezembro de 2003.
7 – “Declaração comum do presidente do C