Quem paga pelas “inovações”?
Embora possam ter algum peso nos debates e nas relações entre médicos e pacientes, as chamadas “inovações” farmacêuticas raramente explicitam o que o novo produto traz no plano terapêutico – quando o trazPhilippe Rivière
De palestras a jantares, os Big Pharma inundam médicos e entidades com discursos louvando os méritos de suas descobertas e inovações. As fontes de informação independentes dos laboratórios praticamente inexistem. O atual escândalo revolta inúmeras pessoas do mundo médico. Constatando que, cada vez com maior freqüência, os testes clínicos não são realizados por pesquisadores independentes, mas por órgãos de pesquisa contratados (aos quais são impostas cláusulas de sigilo e só podem divulgar resultados com a concordância do patrocinador), os editores de treze das mais importantes revistas mundiais de pesquisa médica decidiram anunciar, por exemplo, em um editorial comum, o endurecimento de seus critérios de publicação1
. Uma pesquisa do Wall Street Journal mostra, por outro lado, que alguns laboratórios não hesitam, acobertados pelo direito à informação, em comunicar resultados dos “chamados estudos de ?pós-marketing? – pesquisas limitadas sobre medicamentos já aprovados [para outras indicações], guiadas tanto por objetivos de mercado quanto científicos2
“.
O próprio termo “inovação” é uma armadilha. Se tem algum peso nos debates e nas relações entre médicos e pacientes, raramente explicita o que o novo produto traz no plano terapêutico. Fazendo o balanço dos novos medicamentos e as intenções terapêuticas aprovadas ao longo do ano de 2001 pelas autoridades de saúde, a Sociedade Internacional das Revistas Independentes sobre o Medicamento (ISDB) avalia que “somente uma pequena proporção [deles] oferece alguma vantagem ao paciente, se comparados com as opções já existentes”. O resto – melhoria dos métodos de produção, descoberta de produtos similares podendo avivar a competição entre laboratórios etc. – não é inútil, mas o ISDB deplora que sirva para “turvar a diferença entre os verdadeiros avanços terapêuticos e a inovação. (…) A indústria farmacêutica cria o sentimento de que existe um imperativo de desenvolvimento e de procedimentos de aprovação acelerados3
“. Incapazes de desenvolver seus próprios estudos, as agências do medicamento, instâncias de regulação dessa indústria, são especificamente denunciadas por sua negligência.
Convergindo preços para cima
As agências do medicamento, instâncias de regulação da indústria farmacêutica, são especificamente denunciadas por sua negligência
A adoção da moeda única européia é a oportunidade, para os laboratórios, de lançarem nova ofensiva contra o sistema de fixação de preços dos medicamentos no continente. Negociados país por país, eles não têm, de fato, nada um “preço de mercado”. Para um dado medicamento, dentro da União Européia, os preços podem variar de 1 a 5. Em média, a Alemanha paga 132 euros por produtos que custam 85 euros na Espanha. Os Estados Unidos, por sua vez, pagam mais que o dobro dos europeus. Ora, o essencial da diferença se explica pelo mecanismo de regulação adotado: nos países de preços administrados (decididos pelo governo em acordo com os industriais), os preços são inferiores à média européia, enquanto nos países que praticam preços livres (regulados apenas pela concorrência) observam-se tarifas superiores.
Entretanto, os preços na União Européia tendem a aproximar-se ao longo dos anos. Naturalmente, os industriais buscam uma convergência por cima. Salientam que a fatia do mercado norte-americano passou, de 1990 a 2001, de 31% para 43% do mercado mundial, enquanto a parte européia decresceu na mesma proporção (32% para 22%). Sem destacar o fato de que isso se deve à explosão dos preços e volumes vendidos nos Estados Unidos, e não a uma queda absoluta nas despesas européias!
“Soluções de mercado”
Se não lhes trouxer um aumento de rentabilidade, a Europa está ameaçada de ver barrado seu acesso às inovações. O diretor-presidente da Pfizer, Hank McKinnel, já avisara, em junho de 2001: “Introduzimos nossas novidades cada vez mais tarde no mercado francês e, se o governo continuar fazendo pressão sobre os preços, não haverá mais lançamento de novos produtos ali4
“.
A adoção do euro é a oportunidade, para os laboratórios, de lançarem nova ofensiva contra o sistema de fixação de preços dos medicamentos na Europa
O jornalista Stephen Pollard – membro do Centre for the New Europe, um think tank, baseado em Bruxelas, cuja divisa é… “Problemas políticos, soluções de mercado” – explicita o argumento: “Se os industriais acharem que a União Européia deixou de ser suficientemente ?hospitaleira? – isto é, lucrativa – , então nada os forçará a ali permanecerem (e a manterem suas capacidades de pesquisa) nem, o que é ainda mais importante, a oferecerem seus tratamentos mais recentes aos pacientes europeus”. O roteiro, assegura ele, estaria sendo preparado: Tom McKillop, diretor-presidente da AstraZeneca, não declarou recentemente que “todos os grandes laboratórios farmacêuticos estão tomando a decisão de não lançar novos produtos” no mercado europeu5
?
A “solução de mercado?” Pollard tem grandes esperanças nos pacientes: eles “não se resignarão a um estatuto de segunda classe. Quando perceberem [que estão sendo privados das novidades farmacêuticas], exigirão mudanças que lhes darão acesso aos novos medicamentos”. As entidades entrarão nesse combate contra os sistemas de tratamento, ou se afastarão do arrocho dos industriais para assumir plenamente sua função de provocadoras – tanto dos laboratórios quanto dos poderes públicos – a serviço dos doentes?
(Trad.: Maria Elisabete de Almeida)
1 – “Sponsorship, Authorship, and Accountability”, New England Journal of Medicine, vol. 345, n°11, 13 setembro de 2001, pp. 825-827.
2 – Ler, de Ann Davis, “Postmarketing by Makers of Alzheimer’s Pill Raises Questions About the Uses of Research”, The Wall Street Journal Europe, 7 de janeiro de 2002
3 – ISDB, Declaration on Therapeutic Advance in the Use of Medicines, Revista Prescrire, Paris, 15-16, novembro de 2001.
4 – Entrevista a Vé