Reféns da guerra trágica
A possível reeleição do presidente Uribe e a continuidade de sua “guerra total” contra as guerrilhas deixam mais distante a troca humanitária de prisioneiros com as FARCMaurice Lemoine
Nessa densa floresta, “em algum lugar na Colômbia”, chove, mas chove tanto que parece que o céu vai desabar. Quando a tempestade se acalma é para dar lugar a uma garoa insistente. As folhas pingam, a vegetação escorre, a lama recobre-se de mais lama. Protegidos por seus longos impermeáveis que deformam sob as armas sempre a tiracolo, pequenos grupos de guerrilheiros se dedicam às suas tarefas quotidianas.
À pergunta que fizemos no começo de fevereiro, o comandante Raúl Reyes, porta-voz das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), responde sem nem um segundo de hesitação: “Posso lhes assegurar que Ingrid Betancourt está viva, em boa saúde. É uma mulher muito inteligente e capaz e, como todos os prisioneiros, deseja que um acordo humanitário seja assinado”. Com um sorriso sincero, acrescenta: “É perfeitamente normal que ela queira recuperar a liberdade”.
Franco-colombiana, Ingrid Betancourt tornou-se o símbolo dos reféns do conflito que dilacera o país. Eleita deputada e depois senadora, ela distanciou-se rapidamente de uma grande parte da classe política denunciando, não sem coragem, o tráfico e a corrupção nesse meio. Muito crítica em relação aos movimentos de oposição armados, ela defendia no entanto uma resolução negociada do conflito. Foi sob as cores de seu pequeno partido, Oxigênio Verde, que ela se engajou na campanha pela eleição presidencial de 2002.
Acordo distante
A poucos meses da data marcada para a votação, em 20 de fevereiro, o governo rompe as negociações de paz com as FARC, próximo à San Vicente del Caguán, numa vasta zona desmilitarizada. Conduzindo uma violenta ofensiva, as forças governamentais reocupam a vila e suas imediações. As autoridades recusam a solicitação de Betancourt que pede, enquanto candidata à presidência, para viajar de avião com os jornalistas que acompanham o Presidente Andrés Pastrana ao local. Apesar dos conselhos dos que tentam dissuadi-la, ela decide ir assim mesmo, por terra. Em 23 de fevereiro, em companhia de sua assessora de imprensa, Clara Rojas, e de dois jornalistas, ela penetra na zona onde se acirra o combate entre o exército e a guerrilha. Ela recusa-se a fazer meia-volta quando o motorista, de longe, percebe a barricada construída pelos guerrilheiros.
A poucos meses da eleição de 2002, o governo rompeu o acordo com a FARC e lançou uma violenta ofensiva
Em 28 de junho de 2001, as FARC haviam libertado unilateralmente 242 soldados e policiais em La Macarena (Meta), mantendo sob seu jugo apenas os oficiais. A oligarquia não libertou em troca nenhum guerrilheiro. “Depois de uma conversa”, conta o comandante Reyes, “o Alto Comissário para a Paz, Camilo Gómez, na minha presença, disse à Marulanda [chefe histórico da guerrilha] que nem o governo Pastrana nem aquele que o seguiria aceitaria um acordo de troca humanitária. Que se as FARC não se submetessem às condições de Pastrana, podiam esquecer. Nós recebemos essa declaração como uma chantagem e dissemos: se vocês não querem, a responsabilidade é de vocês”.
Ressentidos, os guerrilheiros advertiram: seqüestraremos membros da classe política, tidos como “tão escandalosamente indiferentes ao drama da guerra vivida pelo povo quanto ao destino dos soldados nas fileiras do exército”. Depois, começaram a raptar o maior número possível de personalidades a fim de pressionar o governo para obter, em troca, a liberação de 500 combatentes detidos.
Conflito acirrado
A ascensão de Álvaro Uribe ao poder, em 7 de agosto de 2002, marca um aumento no conflito militar. Curiosamente, o governo tenta, de todas as maneiras, convencer a “comunidade internacional” de que não existe conflito armado na Colômbia. Apenas uma “ameaça terrorista”. Ao longo dos últimos vinte anos, esse conflito que não existe custou a vida de pelo menos 70 mil pessoas e produziu 3 milhões de migrantes! O país vive uma conflagração de caráter social, econômico e político, no contexto de uma guerra civil que já dura décadas.
Inseridas na lista norte-americana das organizações terroristas em setembro de 2001, e depois incluídas nas listas da União Européia, as FARC e o Exército de Libertação Nacional (ELN) – viram-se afastados do estatuto de beligerantes. No entanto, se tomamos a definição do Protocolo II adicional às quatro Convenções de Genebra, ratificado por Bogotá em 18 de maio de 1995, a Colômbia vive um “conflito armado interno, sem caráter internacional”: “Um conflito onde se defrontam as forças armadas do Estado com outras forças igualmente armadas, identificáveis, que se opõem ao Estado, vestem uniformes reconhecidos, portam armas abertamente, dependem de um comando e são ou foram, em algum momento, reconhecidos como tais pelo Estado”. Assim o testemunham as negociações de paz conduzidas em 1984 pelo governo de Belisario Betancur, bem como as que ocorreram de 7 de novembro de 1998 a 20 de fevereiro de 2002, sob a égide de Pastrana.
O país vive uma conflagração de caráter social, econômico e político, no contexto de uma guerra civil que já dura décadas
De uma maneira ou de outra, esse complexo confronto atinge toda a população. Se os paramilitares das Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC) e seus cúmplices das forças de segurança arcam com a responsabilidade da imensa maioria dos homicídios, desaparecimentos e atos de tortura, às guerrilhas atribuem-se a maior parte dos seqüestros. Estima-se em cerca de 3 mil por ano (atualmente em baixa) o número de pessoas vítimas desse flagelo.
Guerra de números
Em 2003, as FARC foram responsáveis por 30,55% dos seqüestros, o ELN por 15,5% e os paramilitares por 7,86%; o resto foi causado pela delinqüência comum [1]. Uma diferença considerável em relação ao número freqüentemente divulgado pela mídia, como bem o simboliza o impresso publicitário de um cantor popular, lançado sob o título “Renaud na selva”, anunciando uma canção e um show de apoio em 23 de fevereiro de 2006, pela libertação de Ingrid Betancourt” e dos 3 mil reféns da Colômbia detidos pelas FARCs [2]”
Não nos lançaremos numa batalha indecente de números fazendo pensar que a retenção de 800 ou 900 pessoas seria menos condenável que a de 3 mil. Do mesmo modo como o efeito do anúncio não tem nada de inocente, os sentimentos gerais mobilizados em favor de Betancourt são freqüentemente aproveitados, por estupidez, ignorância ou cumplicidade, para maior proveito do governo colombiano.
De fato, se o cativeiro de Betancourt comove, o barulho feito em torno de seu destino também irrita bastante – sobretudo na Colômbia. Não porque sua família e seus próximos, amigos bem colocados – dentre os quais Dominique de Villepin -, de boa vontade mobilizem-se a seu favor. “Procuramos por todos os lados”, declara, muito humana e digna, sua mãe, Yolanda Pulecio, em Bogotá. “Pressionamos o presidente, tentamos ser ouvidos pela guerrilha, procuramos apoio com os Estados Unidos, o México, a Venezuela e, obviamente, sobretudo na França…” Quem faria diferente?
Se o cativeiro de Betancourt comove, o barulho feito em torno de seu destino irrita bastante – sobretudo na Colômbia
Dois lados violam direitos
Mas, para outros, em vista de shows de apoio diante das câmeras de televisão, uma questão se coloca: tanta energia seria despendida em favor das vítimas não “franco-colombianas” desta tragédia? Os outros 61 “prisioneiros políticos” das FARC interessam bem menos – quer seja o governador do Meta (Alan Jara), o antigo ministro Fernando Araújo, o senador Luis Eladio Pérez, os deputados Consuelo González, Orlando Beltrán e Oscar Liscano, quer sejam militares ou policiais… “Que diferença entre a dor da mãe de um soldado e a da mãe de um homem ou mulher políticos?”, questiona Marleny Orjuela, presidente da Asfamipaz, a Associação Colombiana de Familiares de Membros da Força Pública Retidos pelo Grupos Guerrilheiros. “Ingrid beneficia-se de um tratamento diferenciado porque tem a cidadania francesa e pertence a um meio privilegiado”, escarnece Margarita Salchali, irmã do sub-tenente Elkín Hernández, preso em combate desde 14 de outubro de 1998. “Dizemos que há seqüestrados de primeira e de segunda classe. Nós fomos esquecidos.”
E, sobretudo, por que esse silêncio frente aos exageros dos paramilitares e do exército? A Associação Colombiana de Famílias de Detidos e Desaparecidos (Asfaddes) recenseou cerca de 7 mil casos documentados de pessoas seqüestradas desde 1997 pelos grupos de extermínio, cujos corpos jamais foram encontrados. E quanto a quem ostenta seus retratos nas vitrines dos conselhos municipais? Porque não conduzir campanhas, também, e ao mesmo tempo, para denunciar a política de criminalização da contestação social, que lança centenas de colombianos, dirigentes ou militantes sindicais e de associações, nas prisões do Estado?
Quer seja pela “retenção” de pessoas cujos próximos vêem-se obrigados a pagar um resgate (o “imposto revolucionário” para os rebeldes), ou pelos seqüestros políticos, as FARC violam o “jus in bello” – conjunto de regras de conduta de guerra moralmente aceitáveis. Esta doutrina implica que as populações civis não devem jamais ser consideradas como alvo.
A fonte da revolta
Segundo o parágrafo 1 (b) do artigo 3o comum às quatro Convenções de Genebra de 12 de agosto de 1948, e o artigo 4 (2) do Protocolo II adicional de junho de 1977, as FARC deveriam libertar todos os seqüestrados e reféns “imediatamente, sem condições e unilateralmente”.
A política de criminalização da contestação social lança centenas de dirigentes ou militantes nas prisões do Estado
Isto tendo sido claramente afirmado, devemos, a rigor, considerar como “refém” todo aquele que se encontra em suas mãos? Não seria conveniente ao menos falar sobre prisioneiros combatentes, uma vez que evocamos o destino de 36 oficiais, sub-oficiais e policiais capturados em combate [3]? Reféns, Tomas Howes, Keith Stansell e Marc Gonçalvez? Empregados da sociedade californiana Microwave Systems, contratados do Pentágono, caíram nas mãos dos rebeldes depois da queda de seu avião de espionagem Cesna 208 Caravan – pertencente ao governo dos Estados Unidos, em 12 de fevereiro de 2003, numa zona de guerra em Santana de las Hermosas (Caqueta). “Mercenários” caberia melhor. O deslocamento semântico não tem nada de eufêmico.
Os sentimentos de injustiça desempenharam um papel importante na conversão dos rebeldes às armas. Assim como em relação à sua brutalidade. Em agosto de 2001, nos encontramos, no Sur de Bolívar, próximo ao rio Magdalena – tinto do sangue derramado pelos paramilitares – o comandante de uma tropa do ELN. Durante duas horas, no sereno de uma noite desoladora, ele nos contou sobre essa guerra desumana. A voz era surda, as palavras saíam aos borbotões, o homem precisava falar. Depois de um longo silêncio, ele conta sobre um senador, raptado por seu destacamento, cuja guarda esteve sob sua responsabilidade enquanto esperavam pelo resgate estabelecido [4]. “Ele gritava, chorava: ’porque eu, o que será de minha família, o que foi que eu fiz?’ Eu respondi: ’Você pertence à classe política. Por sua causa eu passei uma infância sem escola, sem médico, na penúria total. Por sua causa minha família não conheceu outra coisa senão a miséria. Por sua causa eu não tive outra escolha a não ser pegar em armas. Por sua causa eu morrerei nessas montanhas. Então não reclame. Você vai passar uns meses desconfortáveis e ainda vai sair barato.”
Como minimizar os danos?
Em suma, um antigo presidente da república, Alfonso López Michelsen, disse exatamente a mesma coisa quando questionou a sociedade sobre o tema “os bons e os maus”: “Como aquele que pegou em armas e que pratica a extorsão é abominável aos olhos dos membros do establishment, aquele que, através das vantagens que sua posição social, econômica e política lhe proporciona, luta para manter o status quo apoiando-se sobre as armas oficiais, é igualmente abominável aos olhos daqueles que militam no campo adversário [5].”
Uribe se empenha obstinadamente em libertar os cativos por meio de operações militares
Em 28 de março de 1984, quando assinaram os acordos de La Uribe, as FARC condenaram a prática dos seqüestros e se engajaram para acabar com ela. A negociação conduzida com o presidente Belisario Betancur deveria então marcar sua primeira tentativa de inserção política através da criação de um partido, a União Patriótica (UP), e um cessar-fogo. Militares e paramilitares decidiram o contrário. A experiência do UP – 3 mil mortos – acabou num banho de sangue [6]. À imagem de sua organização, o comandante das FARC Iván Ríos tirou suas próprias conclusões: “Nós temos nossas próprias normas que, às vezes, coincidem com aquelas do Direito Internacional Humanitário [DIH], mas a realidade do confronto colombiano não é totalmente abarcada por este último. O DIH não está adaptado à nossa realidade [7].”
Esta guerra, como toda guerra, tem pouco a ver com a moral. Pode-se ainda tentar atenuar os efeitos mais dolorosos. “As FARC têm, tiveram e terão sempre como objetivo político a troca de prisioneiros”, reafirma o comandante Reyes. “Troca humanitária” que o poder recusa obstinadamente. Do ponto de vista da guerrilha – além da obtenção da liberdade de seus combatentes -, discutir em pé de igualdade com o governo lhe conferiria um status político que a desligaria do estatuto de organização terrorista que lhe foi conferido, e que ela contesta violentamente.
Prisioneiros da angústia e da incerteza, as famílias dos cativos rejeitam tentativas de libertação via ofensiva militar
Armadilhas do eixo do mal
Isto é o que Uribe, por definição, quer evitar, com sua obsessão de uma vitória militar sobre o “eixo do mal”. Ele se empenha obstinadamente em querer libertar os cativos por meio de operações militares – com todas as conseqüências desastrosas que isso possa implicar. Porque, nesse caso, forçando sua lógica às vezes até o limite do insuportável, alguns fronts das FARC cumprem aquilo que sempre anunciaram: não permitir a libertação de nenhum seqüestrado. Assim como prova o destino do governador do departamento de Antioquia, Guillermo Gaviria, bem como o do ex-ministro da defesa Gilberto Echeverri e de oito militares, quando, em 5 de maio de 2003, um comando a bordo de um helicóptero se aproximou do lugar onde eles estavam presos, nas cercanias de Frontino (Antioquia). Eles pagaram com suas vidas, executados pelos guerrilheiros, de acordo com o testemunho de um sobrevivente. Assim como ocorreu, nas mesmas circunstâncias, com a ex-ministra da cultura Consuelo Araujo Noguera.
Assim, a exibição do segundo vídeo gravado em cativeiro por Betancour deu espaço para uma abordagem midiática ambígua [8]. Os excertos, levados ao ar ou publicados, em geral davam a entender que a ex-senadora pedia ao governo para negociar a libertação dos soldados, ressaltando que a liberdade de reféns civis “não seria negociável”. E que, sobretudo, no que se referia a ela, daria sinal verde a uma operação militar de salvamento.
Na verdade, a declaração integral diz o seguinte: “Salvamento sim, claro que sim, por princípio. Mas não qualquer salvamento. Os salvamentos devem acabar em sucesso ou não devem acontecer. A Colômbia não pode cair na armadilha de um expediente no qual um salvamento seja simplesmente uma oportunidade política na qual coloca-se em jogo a vida de vários cidadãos, mas em que o Estado sai sempre ganhando. Ganha se os seqüestrados são libertados vivos, porque constituem um troféu, e ganha igualmente se traz de volta cadáveres, porque assim pode-se acusar o inimigo.”
Diante dos entraves colocados pelo governo ao seu trabalho, a missão de paz das ONU retirou-se, em abril de 2005
Saídas diplomáticas
Prisioneiros da angústia e da incerteza, as famílias dos cativos rejeitam fortemente este tipo de tentativa. “Que as forças armadas me perdoem, mas elas são incapazes de levar a bom termo uma operação de libertação. Lutamos durante anos pela sua liberdade, não queremos vê-los retornar envoltos em uma mortalha”, diz o pai de um policial que foge, com os nervos à flor da pele, à simples idéia desta possibilidade.
Tanto que, argumenta Ana Caterina Heyck, advogada especialista do DIH, “para a libertação de civis e militares seqüestrados pelas FARC, podemos nos apoiar no artigo 3o comum às quatro Convenções de Genebra, que regula os conflitos armados internos e que estabelece, em sua parte final, o que é conhecido sob o termo ’acordos especiais’”. Além disso, acrescenta, pressupondo que a política de paz é uma “política de Estado”, permanente e participativa, a lei colombiana 434, de fevereiro de 1998, permite igualmente a aplicação efetiva do DIH: “Ela determina a utilização prioritária do recurso do diálogo na negociação”.
Na mesma lógica e com os mesmos argumentos, o diretor do escritório do Alto Comissariado da ONU, Michael Frühling, declarou em 26 de agosto de 2005 que o presidente Uribe deveria fazer da libertação dos seqüestrados da guerrilha uma prioridade. Mas a ONU, em Bogotá, não é assim tão imparcial. Em fevereiro de 2005, Uribe solicitou e conseguiu a volta de James Lemoyne, conselheiro especial do secretariado geral da ONU para a Colômbia. No passado este último havia se empenhado bastante em aproximar os partidos nos momentos difíceis atravessados pelas negociações de paz entre a FARC e o governo Pastrana. Chegando ao poder, a administração belicosa de Uribe não o perdoou. Em 3 de agosto de 2004, diante do senado colombiano, o alto comissário de paz Luis Carlos Restrepo não se conteve, evocando este período: “Os comissários bebiam uísque com os guerrilheiros e os embaixadores iam ao delírio quando eram fotografados em companhia de um homem de uniforme camuflado portando um fuzil.”
O serviço secreto colombiano impede encontros com os guerrilheiros para soluções negociadas
Sem a ONU e a Igreja
Lemoyne exasperou-se. Não consideravam as FARC como uma organização de “caráter político”? Diplomata verborrágico, ele não hesitou em questionar publicamente o governo: “Se ele não quer sentar-se com as FARC, tudo bem, mas que o diga. Há muitas vozes oficiais dizendo sim, não, talvez, impossível, possível. Isto não traz confiança às FARC [9].” Diante dos entraves colocados pelo governo ao seu trabalho, a missão de paz das Nações Unidas convidada pelas FARC retirou-se em abril de 2005.
Bastante envolvida na busca de uma solução, a Igreja não está melhor posicionada. Em 31 de janeiro de 2003, um membro de uma comissão de negociação (que integrava também o padre Dario Echeverri e o antigo ministro do trabalho Angelino Garzón), Dom Luis Augusto Castro, presidente da Conferência Episcopal, preparava-se para ir até o Secretariado das FARC. Nos termos comedidos que a sua função obriga, ele não mostra nenhuma indulgência em relação a elas: “Elas demonstram uma terrível insensibilidade”, confessou-nos recentemente. “Eles não podem dizer que a sorte de seus prisioneiros seja a mesma de seus guerrilheiros. Estes passam por julgamento, têm direito à visita. Os seqüestrados não. Podem passar três anos sem que nos chegue nenhum sinal de vida.” Como homem de paz, ele privilegia o caminho da negociação. Tanto que, conta ele, “há alguns anos eu pude, com as FARC, trabalhar, dialogar e realizar a libertação de oitenta soldados. Nós já nos conhecíamos, era fácil dialogar…”
Justamente quando ele tentava ir ao Secretariado, o presidente Uribe lança uma gigantesca operação militar, o Plano Patriota. Decidido a desbravar o perigo e levar sua missão a bom termo, custe o que custar, o padre seria finalmente dissuadido pelas FARC: “Não venha, aqui só há sangue!” “O plano patriota”, lamenta Dom Castro, “criou um muro entre elas e nós. Isso nos impede de continuar este tipo de encontros. De modo que nossos contatos se fazem apenas por correspondência ou por e-mail.”
Diálogo interrompido
Em 2 de janeiro de 2004 – em operação dos serviços secretos colombianos e americanos – o comandante guerrilheiro Simon Trinidad, designado para negociar a libertação de reféns, foi preso no Equador. “Ele estava em Quito para estabelecer contato com James Lemoyne, pois nós desejávamos nos reunir com ele”, explica o comandante Reyes. “Como era difícil fazê-lo na Colômbia, uma vez que seria necessário que Lemoyne pedisse a autorização de Uribe, e que não queríamos dever nenhum favor a ele, foi preciso procurar outro lugar para a conversa”. Tendo sido levado às autoridades colombianas, foi extraditado em 31 de dezembro de 2004 para os Estados Unidos, baseado em um dossiê americano constituído às pressas, treze horas depois de terminado o prazo dado pelo governo para que as FARC libertassem 65 prisioneiros [10].
As famílias dos cativos se exasperam, tão voltadas contra o governo quanto a própria oposição armada
Em 13 de dezembro de 2004, em Caracas, foi a vez de Rodrigo Granda ser levado pelos serviços secretos colombianos. Conhecido como o ministro das relações exteriores das FARC, Granda tinha sido enviado para dialogar com Paris sobre uma possível saída para o caso Betancourt, através da embaixada da França na Venezuela.
A proximidade das eleições presidenciais em maio próximo, à qual se apresenta Uribe, parece modificar um pouco o cenário. E porque: como os antigos presidentes Alfonso López, Ernesto Samper, Julio César Turbay, e o ex-procurador geral Jaime Bernal, a maioria dos Colombianos se dizem favoráveis às trocas humanitárias. Em meados de agosto de 2004, o governo propõe liberar unilateralmente 50 guerrilheiros, que partiriam para fora do país ou se integrariam a um programa de reinserção, em troca de reféns políticos. Mas as FARC, mesmo aceitando negociar com Restrepo, exigem que as conversações sejam feitas pessoalmente e não por… internet, como sugeriu o governo. Mais tarde, elas recusaram que o diálogo seja travado numa nunciatura apostólica ou numa embaixada, “numa igrejinha ou numa escolinha”, ironiza Reyes…
O desastre chamado Uribe
Os rebeldes insistem que os encontros sejam organizados numa “zona de segurança” desmilitarizada, nos municípios de Pradera e Florida [11]. “Nós não queremos arriscar ao perigo os prisioneiros, os negociadores, os observadores internacionais e nós mesmos”, explica Reyes. “Que Uribe retire as tropas por trinta dias, que ele dê uma data precisa e, se chegamos a um acordo, efetuaremos as trocas de uma vez por todas.”
As famílias dos cativos se exasperam, tão voltadas contra o governo quanto a própria oposição armada. “Nós somos as famílias do povo, como disse a guerrilha, ela nos torna muchachos”, revolta-se Orjuela. Mario Enrique Murillos, pai de um soldado, não esconde a sua cólera: “Nossos filhos estavam no exército por causa do salário e do desemprego, essa é a verdade! Se eles se tornaram prisioneiros, foi pra defender a pátria. Então que o presidente nos estenda a mão!”
Em dezembro de 2005, os governos francês, espanhol e suíço chegam a Bogotá para tentar desembaralhar a situação. Buscando, até onde podiam, a aproximação entre os partidos, os diplomatas europeus esperam operar com discrição, e pedem o máximo de sigilo ao presidente. “Então, o que fez Uribe?”, se exalta o comandante Reyes. “A cada vez que os franceses ou a comunidade internacional fazem uma proposta, ele a sabota ou, se ela lhe convém, ele se apropria dela para parecer generoso”. Em 14 de dezembro, “esquecendo” a discrição solicitada, Uribe anuncia com grande estardalhaço que, respondendo a uma iniciativa européia, ele aceita estabelecer uma zona desmilitarizada de 180 km2 em El Retiro (departamento de El Valle).
Se Uribe continuar no poder, as pressões internacionais terão de desempenhar um papel em relação ao destino dos prisioneiros
Eleições decisivas
“Uribe aparece numa coletiva de imprensa…”, prossegue o comandante Reyes. “Declara que aceita a proposta e que então devemos aceitá-la. Nós não a conhecíamos! Ela só chegou a nós depois.” Intransigência? Má fé? Em termos prudentes, Dom Castro confirma implicitamente a afirmação. “Não havia, até o momento, um obstáculo em termos de segurança. Na fórmula pretendida, a segurança das FARC estaria assegurada pela comunidade internacional. Mas quem seria? Um embaixador, um delegado? Isso não daria nenhuma garantia às FARC, que estão em guerra. E eles não delegam a própria segurança. Lançar uma proposta para a opinião pública antes de ter comunicado à guerrilha foi um erro lamentável, era preciso antes tê-la consultado.”
Depois deste episódio, os rebeldes concluíram: “Enquanto Uribe for presidente, não haverá troca humanitária.” Submergem, assim, as famílias dos cativos, bem como as dos guerrilheiros encarcerados, num profundo desalento. A ausência de um verdadeiro líder de oposição e o peso dos paramilitares – aparentemente desmobilizados – na campanha eleitoral, por ameaça e coerção, abrem a via para uma provável reeleição de Uribe. Quatro anos mais para aqueles que aguardam a liberdade nas florestas, nas montanhas, presos entre fogo cruzado, correndo riscos por causa da intensidade do conflito?
Carlos Gaviria, candidato do Pólo Democrático Alternativo (centro-esquerda) se declarou a favor das trocas humanitárias, mas é Alvaro Leyva quem está mais avançado neste setor. Elétron livre saído do Partido Conservador, ex-ministro e sobretudo um negociante, sob diversas presidências com várias guerrilhas, ele faz campanha prometendo “as trocas humanitárias imediatamente e a paz em seis meses.” Quando Manuel Marulanda, o líder histórico das FARC, o encontrou, em dezembro de 2005, ajudou-o claramente. Anunciando, em 4 de março, que em seguida de suas negociações, as FARC estariam dispostas a libertar dois policiais – Eder Luiz Almanza et Carols Alberto Logarda -, a oposição armada o consagrou implicitamente como “seu” candidato.
O peso da comunidade internacional
Isso não impede que Uribe continue incontestavelmente como favorito. Se ele continua no poder, afirma-se em Bogotá, as pressões internacionais terão de desempenhar um papel em relação ao destino dos prisioneiros.
Dom Castro assim o deseja, declarando em meias-palavras: “Estamos em sintonia com as pressões internacionais, e as apoiamos.” Assim como Virgínia Franco, mã
Maurice Lemoine é jornalista e autor de “Cinq Cubains à Miami (Cinco cubanos em Miami)”, Dom Quichotte, Paris , 2010.