Regina Duarte não sabe sua função
A crise econômica consequente da pandemia do novo coronavírus afeta trabalhadores da cultura que já há tempos vêm sobrevivendo em contexto de arrocho orçamentário e censura por parte do Governo Federal. Há cerca de três semana, quando foram noticiados os primeiros cancelamentos de espetáculos e fechamento de espaços, a secretária especial da Cultura anunciou medidas cujos impactos são irrisórios e não oferecem de fato recursos emergenciais para uma categoria que agoniza e que representa 2,64% do PIB Nacional, segundo o Atlas Econômico da Cultura Brasileira.
Em vídeo de Instagram publicado em 19 de março, Regina Duarte se disse sensibilizada com as reclamações dos artistas e, como solução, comunicou três ações: flexibilização das regras de prestação de contas, possibilidade de alteração de projetos em execução e autorização para movimentação de contas que tivessem captado menos 20% dos recursos estimados. Todas as ações são voltadas para projetos já aprovados, ou seja, não significam socorro à classe artística desassistida, e mesmo aos contemplados pelos editais do passado, a resposta da secretária versa mais sobre facilitações burocráticas simples do que sobre auxílio financeiro. Na prática, não há nenhum aporte especial aos artistas. A publicação veio acompanhada da legenda #tamojunto BR.
A fala de Regina Duarte no vídeo, ao se dizer sensibilizada, mostra que ela não entendeu que o dever de uma gestora é atuar racional, célere e efetivamente para atender às reivindicações dos artistas. Não tem a ver com sensibilidade que tem ou deixa de ter: querendo ou não, é sua função agir em socorro à classe artística, que segue à deriva no naufrágio que pegou todos de surpresa. A atriz, que ainda não assumiu a responsabilidade que a nomeação de secretária exige, tem o bote salva-vidas e os coletes para distribuir, mas eles seguem guardados em algum almoxarifado empoeirado do Ministério do Turismo, que atualmente abarca a pasta da Cultura.
O que Regina Duarte deve fazer com urgência é lançar editais especiais, voltados para o fomento de projetos online de diversas linguagens, como outros gestores têm feito mundo afora, inclusive em algumas unidades federativas do Brasil. É necessário para os trabalhadores da cultura e é benéfico para a população em geral, que teria mais opções de lazer para acessar de casa, cumprindo o isolamento social necessário com menos pezar. Neste momento de ansiedade, a cultura, como sempre, salva vidas. Governos estaduais, empresas privadas e até iniciativas parlamentares, como é o caso do deputado distrital Fábio Félix, em Brasília, têm dado lição ao Governo Federal de como proceder nessa situação de calamidade pública, com divulgação de financiamentos emergenciais para artistas. As chamadas visam fomentar ações de formação, espetáculos virtuais, festivais online, webséries e outras propostas possíveis na atual circunstância. A secretária especial, entretanto, parece perder mais tempo no Instagram, compartilhando fotos suas e de seus filhos, do que de fato trabalhando neste período que exige mais dedicação do que nunca. Teletrabalho não é férias, secretária.

Estratégia
A função ocupada exige estratégia, plano, foco, embate, confronto político e entrega de resultados. A gestão da cultura não deve satisfazer o presidente da República ou ministros de Estado, mas a classe artística que agoniza. Na dúvida sobre como agir, um estudo rápido dos relatórios e documentos elaborados no passado pelo próprio Ministério da Cultura podem ajudar a iluminar os caminhos. Os anais do Seminário Internacional de Políticas Culturais da Casa de Rui Barbosa, fundação de responsabilidade da Secretaria Especial, além dos núcleos de pesquisa especializados das universidades brasileiras, também oferecem dados importantes. Conteúdo e propostas não faltam. A ausência é de ação mesmo.
Em 2006, estimava-se no Brasil a existência de 320 mil empresas voltadas para a produção cultural, com cerca de 1,6 milhão de empregos que representavam 4% de todos os postos de trabalho formais do país. De lá para cá, o número aumentou. A prática comprovou o fortalecimento da área, com aumento de espetáculos, produções artísticas, fortalecimento dos pontos de cultura e realização cada vez maior de eventos culturais. Essa grande quantidade de profissionais, responsáveis pelo enriquecimento intelectual da população, pela preservação de patrimônios e pela garantia do bem-estar social, está abandonada à própria sorte num momento de tragédias diárias e sem perspectiva sólida de retorno.
A crise econômica e sanitária é também uma crise da cultura. São anos de construção de políticas públicas voltadas para a área e bilhões de reais investidos que agora encaram um deserto desconhecido. A saída está sobretudo nas mãos da secretária especial, que tem a responsabilidade de atender aqueles que dependem de ações comandadas por sua pasta. Pena que ela está ocupada demais, assistindo a live dos filhos pelo Instagram e postando #tbt. Se ao menos fosse em #tbt de quando o MinC existia com responsabilidade e operância, poderia dar um pouquinho de esperança de dias melhores por vir. Regina Duarte precisa entender rapidamente que não é mais namoradinha do Brasil e que ninguém está gostando desse papel patético de donzela. Agir como secretária de Estado exige postura que vai muito além do figurino.
Raisa Pina é jornalista, pesquisadora em arte, cultura e política, doutoranda em Antropologia Social pela Universidade de Brasília.