Resistência dos índios no estado mexicano de Oaxaca
A militarização das terras indígenas de Chiapas e dos estados de Oaxaca e Guerrero, constitui a única resposta dada à resistência que as populações fazem ao Plano Puebla Panamá e ao Nafta, que arruína a agricultura mexicanaCédric Gouverneur
Ele se chama Carlos. É um pequeno produtor de café de Teojomulco, povoado zapoteca situado a seis horas de estrada da cidade de Oaxaca. Há uma ironia na voz desse membro da Compa, uma organização zapatista local. “Resistimos desde a invasão européia… O Plano Puebla Panamá sempre foi apenas uma volta a mais no parafuso”. Anunciado no dia 12 de fevereiro de 2001, pelo presidente mexicano Vicente Fox, o Plano Puebla Panamá (PPP) pretende integrar o sul do México e a América Central no mercado mundial, dentro de um lógica puramente neoliberal, por meio de um conjunto de projetos que misturam a criação de infra-estrutura, a exploração de recursos naturais e a implantação de zonas francas para a população1.
Milhares de camponeses fizeram uma manifestação no dia 1º de fevereiro de 2003, no México, para exigir a renegociação da parte agrícola do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) que, ao colocá-la em concorrência com a dos Estados Unidos, arruína a agricultura mexicana. Embora, por um lado, o presidente Vicente Fox tenha assinado, no dia 1º de abril, um acordo com algumas organizações camponesas e, no dia 19 de maio, um decreto criando uma “comissão” para as relações com as comunidades indígenas, nem por isso deixou de seguir a mesma política econômica, principalmente por meio do Plano Puebla Panamá.
Massacre com armas automáticas
O tal plano aparentemente entrou na vida dos 3 mil habitantes de Teojomulco no dia 31 de maio de 2002. Naquele dia, em um lugar chamado Aguas Frias, um caminhão que transportava camponeses do povoado vizinho de Santiago Xochiltepec caiu em uma emboscada preparada por indivíduos encapuzados: 26 homens foram massacrados por armas automáticas. No dia seguinte, com base nas declarações confusas do motorista e de seu filho, que foram deixados com vida, 17 habitantes de Teojomulco, entre eles um rapaz de 13 anos e uma avó de 70 anos, foram presos. Para as autoridades, Teojomulco teria um motivo para fazer isso: uma disputa agrária, um dos 600 conflitos que envenenam as relações entre comunidades no estado de Oaxaca, do lado oposto de Xochiltepec. Mas essa tese não tem como ser sustentada: a justiça acaba de tomar uma decisão favorável a Teojomulco. A amplitude e o modo de execução do massacre denotam outros autores: paramilitares.
Desde 1994, o nível de vida dos camponeses baixou consideravelmente: sua agricultura de subsistência é incapaz de rivalizar com os produtos norte-americanos
Em 2000, a empresa mexicana Grupo Acerero del Norte certificou-se da existência de “200 milhões de toneladas de minério de ferro de boa qualidade” no subsolo da região2. A infra-estrutura prevista pelo PPP deveria permitir o transporte, naquele momento impossível, do minério extraído para o porto de Salina Cruz. “Com o objetivo de comprar um dia essas terras, os mandantes do massacre de Aguas Frias, independente de quem sejam, queriam ?facilitar? as negociações do futuro com os autóctones”, avalia, como muitos outros, Carlos Reyes, editorialista no jornal diário regional Noticias.
Ricos subsolo para multinacionais
Essa violência teve como efeito aterrorizar a população – 250 a 300 famílias já abandonaram a área -, criar vendetas entre as comunidades e prevenir-se, assim, contra uma possível frente comum indígena. Herdados do caciquismo3, esses métodos violentos não são tão excepcionais na região. Mas o PPP, apostando na exploração dos recursos naturais das terras indígenas, corre o risco de lhes dar uma segunda oportunidade.
Na verdade, resta convencer os indígenas a venderem suas terras e seu rico subsolo às transnacionais. Em seguida, convertê-los em mão-de-obra barata para as maquiladoras, fábricas de montagem que eclodirão com o PPP e nas quais serão explorados por um salário mínimo, ou seja, 46 pesos por dia (cerca de 16 reais). Mas por que aqueles que são visceralmente ligados à terra, a venderiam? Carlos, de Teojomulco, não costuma repetir que “a terra é nossa mãe, a última coisa que nos resta”? No entanto, sem dúvida, muitas comunidades serão obrigadas a ceder. Suas condições de vida tornaram-se intoleráveis.
Golpe na agricultura de subsistência
Ao enfraquecer as comunidades indígenas, o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Canadá, Estados Unidos e México) preparou o terreno para o PPP. Desde 1994, o nível de vida dos camponeses baixou consideravelmente: sua agricultura de subsistência é incapaz de rivalizar com os produtos norte-americanos que inundam o mercado mexicano.
“Atualmente, vendo meu café por 7 pesos o quilo”, declara Fernando em tom de desespero, pequeno produtor da serra Loxicha. “Antes do Nafta, eu ganhava três vezes mais.” Sem os legumes da horta, Fernando e os seus morreriam de fome. Com seus 300 quilos anuais de café, a família de onze pessoas dispõe de aproximadamente 730 reais por ano. Os sindicatos de Oaxaca observam que muitos camponeses do estado vivem com cerca de “6 a 9 pesos por dia”, ou seja, por volta de 2,10 a 3,15 reais. “De tempos em tempos, eles chegam a se vender como trabalhadores agrícolas por 30 pesos por dia”, observa Samuel Hernández, do Comitê de Defesa dos Direitos do Povo (na sigla em espanhol, Codep).
A saída pela emigração
Miséria, perda da identidade cultural: o campo social está preparado para que os camponeses, obrigados ao êxodo, acabem nas maquiladoras
Carlos, de Teojomulco, tem um pouco mais de sorte. Cinco de seus filhos emigraram clandestinamente para os Estados Unidos, como um terço dos homens de Teojomulco. Eles enviam algum dinheiro para a família, apesar da dívida de 2 mil dólares contraída junto aos “coiotes” (os traficantes). Uma emigração que desagrega sua cultura: “Os emigrantes voltam individualistas, materialistas; negam as instituições comunitárias assim como as assembléias, as festas e o tequio [trabalho coletivo]”, lamenta Carlos. Miséria, perda da identidade cultural: o campo social está preparado para que os camponeses, obrigados ao êxodo, acabem nas maquiladoras.
O modelo de desenvolvimento do PPP não é uma novidade para os indígenas de Oaxaca. Dispõem, na costa do Pacífico, de um precedente revelador: Huatulco, uma estação balneária de luxo, com hotéis cinco estrelas, golfe e barcos. Com 9 anos de idade, a filha de Juan Díaz passa em frente dali todos os dias quando, depois da escola, deixa a favela para ir vender doces para os gringos norte-americanos. Na verdade, para construir esse paraíso para os turistas, o Fundo Nacional de Turismo (Funatur), desde 1984, expulsou sete comunidades de camponeses e de pescadores zapotecas de seus 21 mil hectares, em troca de indenizações irrisórias, em nome de uma “lei de interesse social” O projeto beneficiou apenas os caciques locais. Opor-se a esse desenvolvimento “planejado” é, pelo menos, arriscado: em 1989 e 1992, três militantes indígenas foram misteriosamente assassinados. Em março de 2002, Díaz e sua família criaram o Conselho Indígena Popular de Oaxaca-Ricardo Flores Magón (CIPO-RFM) e, desde então, ocupam um terreno do Funatur. Eles construíram, tijolo por tijolo, uma casa que sonham transformar em guest house para turistas militantes. “Se os mestiços esperam que o PPP crie empregos, os indígenas de Oaxaca sabem, com Huatulco, o que esse tipo de ?desenvolvimento? significa para eles: simplesmente a perda de suas terras”, resume Carlos Reyes.
Os longos protestos indígenas
Raul Gattica, um dos porta-vozes do CIPO-RFM, ao qual se filiaram 18 comunidades do estado de Oaxaca, não diz outra coisa: “O PPP nos foi imposto, sem a menor consulta, sem sequer nos fornecer informações. Nossos detratores nos acusam de sermos ?contra o desenvolvimento?. Mas nossa visão de um desenvolvimento harmonioso é outra: queremos empresas comunitárias. Que o dinheiro beneficie o povo e não as transnacionais, que as comunidades participem desses projetos e que sejam consultadas sobre o seu impacto.”
Para construir um paraíso para os turistas, o Fundo Nacional de Turismo expulsou sete comunidades de camponeses e de pescadores zapotecas em troca de indenizações irrisórias
Os indígenas do Oaxaca – Zapotecas, Mixtecas, Mixes, Chinantecos e Chimalapas – têm uma longa tradição de resistência. Tentam, atualmente, lutar contra o PPP em mais ou menos 300 organizações que, pouco a pouco, formam federações, apoiadas pelas organizações camponesas latino-americanas e pelos movimentos ocidentais contra o neoliberalismo. Na praça central da cidade de Oaxaca, os protestos são diários: para defender suas diversas reivindicações, comunidades acampam sob as arcadas do Palácio do Governador (do Partido Revolucionário Institucional – PRI) José Murat Casab, às vezes durante meses, e alguns fazem greve de fome. Tudo isso, apesar das interpelações.
Conflitos agrários entre aldeias
No entanto, unir essas comunidades continua a ser uma tarefa árdua, devido aos conflitos agrários que colocam umas aldeias contra outras. Teodosio Angel Molina, um dos fundadores da Ucizoni, explica: “Desde a década de 30, o governo deu terras aos camponeses sem investigar a situação dos terrenos. Resultado: os títulos de propriedade sobrepuseram-se e cada comunidade se considera com pleno direito. Politicamente, esse tipo de problema as enfraquece e favorece os que têm poder”. Apesar de tudo, diante do PPP, Carlos Reyes está convencido de que “as diferentes comunidades vão esquecer suas querelas e se unir para salvar suas terras”.
Para restabelecer o diálogo com o governo, o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) exigiu o reconhecimento dos povos indígenas, não mais visando a uma soberania total, mas a uma autonomia real, o que parece, para os povos autóctones, a melhor garantia de preservar suas terras. Essa demanda não foi atendida. No dia 27 de abril de 2001, logo após a marcha zapatista ter chegado à Cidade do México4, o Congresso mexicano votou uma resolução que reconhece direitos dos índios somente no âmbito municipal5.
Enterro legal da autonomia
Depois do enterro legal da autonomia, a última arma de que ainda dispõem os indígenas diante do PPP é o movimento social. Mas sua incriminação está em curso
Depois que o presidente Vicente Fox proclamou a “lei indígena”, no dia 14 de agosto de 2001, o Supremo Tribunal de Justiça da nação rejeitou, em 12 de setembro de 2002, sob o argumento de “ilegais”, os recursos encaminhados por 322 comunidades. “Nós nos declaramos em rebelião e convocamos a desobediência civil a essas leis6“, declararam várias organizações indígenas, entre elas a Ucizoni.
Depois do enterro legal da autonomia, a última arma de que ainda dispõem os indígenas diante do PPP é o movimento social. Mas sua incriminação está em curso. A 40 quilômetros da costa do Pacífico de Oaxaca, encontra-se a serra Loxicha. Na década de 30, duas famílias mestiças instalaram-se na cidade de San Augustín Loxicha. Proprietários de lojas, mantiveram os indígenas miseráveis por meio da usura – com empréstimos em troca de 30% de juros mensais – explorando os que não conseguiam pagar, apropriando-se de suas terras com café, nomeando e destituindo os prefeitos. Seus capangas – os pistoleiros – fizeram reinar o terror. Todavia, em 1984, os índios, reunidos na Organização Popular Indígena Zapoteca (OPIZ), conseguiram eleger seu prefeito e expulsar os caciques.
Levante guerrilheiro e repressão
No dia 28 de agosto de 1996, um grupo guerrilheiro desconhecido, o Exército Popular Revolucionário (EPR) fez simultaneamente vários ataques no sul do país e até na Cidade do México, ações nas quais morreram uns quinze militares, policiais e civis. Entre os guerrilheiros mortos figura um dirigente municipal de San Augustín Loxicha. Desde então, desencadeou-se a repressão: polícia e exército cercam a pequena cidade e os pistoleiros acusam os militantes indígenas. Em poucos meses, cerca de 250 camponeses foram presos, acusados de pertencerem ao EPR. Muitos foram torturados, uns 30 foram mortos, segundo dados oficiais por terem resistido às forças armadas. As autoridades municipais foram destituídas em benefício do clã dos caciques.
Após quatro anos de mobilização contínua pelos defensores dos direitos humanos, os Loxichas obtiveram, em dezembro de 2001, a anistia dos últimos detidos. Uma semi-vitória. Para dela se beneficiarem, os presos, que sempre se declararam inocentes, reconheceram pertencer a um “grupo armado”.
A aterrorizada serra de Loxicha
Megaprojeto de investimentos totalmente inadaptado às regiões onde caciques e pistoleiros agem com crueldade, o PPP só pode reforçar a corrupção, a espoliação e o paramilitarismo
Desde então, nada mudou em San Augustín Loxicha. O exército e a polícia continuam muito presentes e o medo é evidente. Os pistoleiros continuam lá. Em 2001, atacaram o prefeito, que era de um clã rival. Fernando, cuja família de 11 membros sobrevive com um único hectare de café, conta: “Os que eram da OPIZ, como eu, são perseguidos pela polícia e pelos pistoleiros. Muita gente fugiu. O EPR é apenas um pretexto: aqui, não há grupos armados, mas movimentos sociais. E os caciques a quem vendemos o café querem desmantelar as organizações camponesas”. O marido de Estrella, Severino Jiménez Alvarez, foi morto sob tortura em abril de 1997. “Ele era representante de sua comunidade e poderia se eleger prefeito. Mas se recusava a vender terras da comunidade aos caciques”, explica sua jovem viúva. Terras potencialmente ricas: uma transnacional canadense encontrou minério de titânio na região.
Na serra Loxicha aterrorizada, murmura-se que o EPR – que, adormecido, somente se manifesta agora por meio de comunicados – “defende o povo”. “O poder não deixa nenhuma porta de saída legal para os indígenas”, reclama um sindicalista. Aí reside o paradoxo. Ao impor o PPP, o próprio governo mexicano criou as condições para o surgimento de grupos de guerrilha. Na verdade, um megaprojeto de investimentos totalmente inadaptado às regiões onde caciques e pistoleiros agem com crueldade, esse plano só pode reforçar a corrupção, a espoliação e o paramilitarismo.
(Trad.: Wanda Caldeira Brant)
1 – O PPP abrange nove Estados mexicanos – Puebla, Campeche, Guerrero, Oaxaca, Tabasco, Veracruz, Quintana Roo, Yucatán e Chiapas – e os sete países da América Central. Ler, de Braulio Moro, “Uma recolonização denominada Plano Puebla Panamá”, Le Monde diplomatique, dezembro de 2002.
2 – La Jornada, México, 13 de setembro de 2000.
3 – Tiranos locais, que conjugam corrupção, usura e violência, controlam zonas rurais indígenas, com a cumplicidade das autoridades.
4 – Ler, de Ignacio Ramone
Cédric Gouverneur é jornalista.