Retrato de um adolescente
A personagem central do filme ’Sweet Sixteen’ poderia ser qualquer um desses jovens que é possível encontrar em qualquer cidade ocidental contemporânea, devastada pela paralisação das atividades econômicas e pelo processo de desindustrializaçãoCarlos Pardo
Com regularidade e obstinação, Ken Loach nos envia notícias da sociedade britânica pós-Thatcher, bastante distantes da propaganda ultraliberal do governo trabalhista de Anthony Blair. Com a colaboração de seu roteirista Paul Laverty, e após um longo trabalho de pesquisa e documentação sobre o assunto, Ken Loach optou, desta vez, por voltar à Escócia, ponto de partida de A Canção de Carla (1996), primeiro filme feito em conjunto por Laverty e Loach.
Como fez no passado com Kes (1969) e Olhares e sorrisos (1981), em Sweet Sixteen1 o cineasta inglês nos oferece um formidável retrato da adolescência. O título do filme refere-se, evidentemente, àquele estado de inocência, de despreocupação, de imprudência e de aprendizado que constitui a adolescência. Mas a referência é irônica, pois a vida de Liam (personagem central) não reflete de forma alguma os clichês psicossociológicos. Na verdade, Liam poderia ser qualquer um desses jovens que é possível encontrar em qualquer cidade ocidental contemporânea, devastada pela paralisação das atividades econômicas e pelo processo de desindustrialização. No caso específico de Greenock – cidade situada a leste de Glasgow e onde se desenvolve a história -, o fechamento dos estaleiros navais implicou o declínio da região e a pauperização de seus habitantes. Atualmente, a Escócia é, sem dúvida, o mais pobre dos países europeus e, segundo um relatório da Previdência Social britânica, a Grã-Bretanha contava, no ano 2000, com mais de quatro milhões de crianças vivendo abaixo do limiar da pobreza2.
Uma fábula moderna
Assim como sua irmã, mãe solteira e apenas ligeiramente mais velha do que ele, Liam cresceu sem passar pela transição entre a infância e a idade adulta
Assim como sua irmã, mãe solteira e apenas ligeiramente mais velha do que ele, Liam cresceu muito rapidamente, sem passar, na realidade, pela transição entre a infância e a idade adulta. Foram-se os tempos das ilusões. Liam abandonou a escola e vive de expedientes, em companhia de Pinball, seu comparsa inseparável. Faltando poucas semanas para seu décimo sexto aniversário, só sonha com uma coisa: encontrar um lugar onde possa acomodar sua mãe, que deverá sair da prisão. Nem pensar em que ela volte a se encontrar com o traficante Stan, para continuar pagando sua pena por tráfico de drogas atrás das grades. Quando descobre um trailer à venda, Liam decide fazer tudo ao seu alcance para conseguir comprar aquilo que seria um ninho de felicidade para sua mãe e para si. Para conseguir seus objetivos, terá que abandonar o tráfico de cigarros para passar a uma fase superior. O jovem se endurece, assume a máscara de um chefãozinho implacável e asqueroso. Não há como evitar a engrenagem. E, no dia de seu aniversário, Liam comete o irremediável. Com 16 anos, seu futuro está traçado. As asas de Ícaro derreteram e Liam irá tomar o lugar de sua mãe numa cela de três metros quadrados. Sweet Sixteen é uma fábula moderna. Ignora as fronteiras e sua moral é inequívoca: uma sociedade que abandona sua juventude a tal ponto é uma sociedade morta.
(Trad.: Jô Amado)
1 – Sweet Sixteen, produção hispano-germano-britânica, foi lançado, na França, em 11 de dezembro de 2002.
2 – “Households Below Average Income – Serie